TERROR 2018 17 ANIQUILAÇÃO
Marcos Brolia 13/03/2018
Um perturbador sci-fi “muito
intelectual” e “muito complicado” que Hollywood esnobou
Muito
se questiona sobre a qualidade das produções originais Netflix quando se trata
de longas metragens. Parece que o serviço não consegue, quando se trata de um
filme direct-to-streaming, produzir, bancar, escolher e/ou
distribuir de uma forma tão assertiva quanto suas séries. Talvez Aniquilação seja a virada de jogo. Não
só para a Netflix, como para toda indústria cinematográfica, uma vez que mais
uma vez, como fizera com The Cloverfield Paradox, a Paramount Pictures resolveu apostar
no lançamento mundial direto no catálogo, ao invés de levá-lo para as salas de
cinema, com exceção a um circuito pequeno nos EUA e na China, onde a empresa de
Los Gatos não possui seu produto. A decisão não é tanto estratégica e de
relacionamento, e na verdade surgiu por conta das famosas “diferenças
criativas”, uma vez que rolou uma briga feia entre David Ellison, financiador
da Paramount, com o produtor Scott Rudin, porque o homem do dinheiro exigiu
mudanças no filme após uma pobre recepção nas exibições teste, alegando ser
“muito intelectual” e “muito complicado”, e bem, sabemos o nível do público que
vai ao cinemas atualmente. Rudin defendeu com unhas e dentes o corte final do
diretor e roteirista Alex Garland, e no fim das contas, o estúdio resolveu
vender os direitos de distribuição mundial para a Netflix e cancelou seu
lançamento nas telonas. De fato, Aniquilação É um sci-fi intelectual e complicado, principalmente quando
chega ao seu terceiro ato mind
blowing, bizarro e perturbador, uma experiência
sinestésica ousada e difícil de digerir, que dada suas devidas proporções, tem
lá um quê do final de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, no sentido de incomodar o espectador
numa explosão lisérgica de som, brilho e imagem, além de durante toda a
projeção, investir em doses cavalares de ciência, física, biologia, genética e
filosofia, mesmo que de botequim, muitas vezes. Na produção de altíssima
qualidade, com orçamento de 40 milhões de dólares, Garland – que em seu CV tem
filmes como Extermínio, Sunshine – Alerta Solar, Dredd e Ex-Machina: Instinto
Artificial (o qual foi indicado ao Oscar de
Melhor Roteiro Original) – se valeu de uma adaptação livre da novela homônima
de Jeff VanderMeer, primeiro livro da trilogia “Southern Reach”,
e um elenco de estrelas, encabeçado por Natalie Portman, e que também conta com
Oscar Isaac, Jennifer Jason Leigh e Tessa Thompson. A trama se inicia
com um meteoro chegando à Terra, caindo próximo a um farol, e cobrindo toda a
região, que foi denominada de Área X, com um fenômeno chamado Brilho, formando
uma cúpula orgânica em plena expansão territorial. Dentro do campo afetado pelo
Brilho, uma espécie de anomalia dimensional extraterrestre começa a alterar
tudo em seu interior, recodificando geneticamente o DNA de plantas, animais e
do grupo militar enviado para investigá-lo. Todo mundo que entrou no local,
nunca conseguiu voltar. Exceto Kane (Isaac), militar e marido da
ex-soldada e agora professora de biologia, Jane (Portman), único que consegue
escapar de dentro do Brilho, e está sofrendo de falência múltipla dos órgãos e
intensa hemorragia interna ao voltar para casa depois de um ano de seu
desaparecimento. Daí pra frente, Jane e um grupo de mulheres cientistas
liderados pela Dra. Ventress (Leigh – péssima por sinal) resolvem entrar dentro
da Área X e descobrir o que raios há por lá, e uma cura para o marido, numa
missão quase suicida. Com uma intrigante atmosfera de suspense – sendo
que a trilha sonora de Geoff Barrow e Ben Salisbury tem uma participação
primordial, principalmente no tal terceiro ato – Aniquilação, apesar de seus tropeços, de forma
minimalista e cheia de mistérios vai prendendo o espectador com arroubos do
mais puro terror quando descobrimos alguns efeitos da transformação genética no
local, que evoca desde o melhor do terror alienígena de John Carpenter a O Enigma do Horizonte, o terror cósmico à lá H.P.
Lovecraft, a ficção científica de Tarkovsky e pitadas de body horror, incluindo efeitos devastadores nos
próprios seres humanos e nos animais, com destaque para um abominável urso
mutante, que dá as caras em uma escura sequência de terror primal, tenso e
gráfico. Vale nota também para o design de produção, por transformar o
ambiente dentro do Brilho em uma pesadelo tétrico de fauna e flora, criando
algumas deformações e assimilações deveras originais, visualmente belas e
repulsivas ao mesmo tempo, diferente de tudo que tenhamos visto na
ficção-científica de horror recente. E destaque para a coragem do
diretor/roteirista e produtor em bater o pé, jogar o maniqueísmo às favas e
manter seu plot twist final, mesmo que seja previsível –
uma tatuagem denuncia – e tampouco original, e que lhes custaram uma sorte
melhor nas telas grandes. Aniquilação é
uma experiência surreal interessantíssima e fora da curva num mundo
cinematográfico absurdamente pasteurizado, onde segundo os manda-chuvas, nós,
reles mortais, não temos capacidade de absorver filmes “intelectuais” e
“complicados” e somos obrigados a ver nas telas apenas o cinemão pipoca
massificado. Mas ainda bem que
vivemos em uma nova realidade onde os serviços de streaming ganham cada vez mais força, e que talvez, esse velho
modelo de negócio arcaico e pensamento limitado hollywoodiano de estúdios e
produtores, possa estar caminhando para o substantivo que dá nome ao filme.
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cúpulas orgânicas brilhantes para Aniquilação
FONTE: http://101horrormovies.com.br/review-2018-17-aniquilacao/
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