TERROR 2018 10 O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO
Bizarrice da vez
de Yorgos Lanthimos disfarçada de thriller psicológico de vingança
Sem muito alarde,
um dos melhores filmes do ano passado entrou na programação das salas de cinema
brasileiras na última quinta-feira, pré-Carnaval. O
Sacrifício do Cervo Sagrado é mais uma das
bizarrices cinematográficas intensas de um dos mais quentes diretores cult do
momento, o grego Yorgos Lanthimos, aquele mesmo de Dente Canino, Alpes e O
Lagosta. Primeiro de tudo vale um bom e velho sinal de
AFASTE-SE, caso você não esteja familiarizado com a filmografia do
sujeito. O Sacrifício… é um filme perturbador e perturbado, contido,
esquisitíssimo, pungente e metódico, daqueles que só vai te desgraçando mais e
mais até o seu final indigesto. O pior é que você fica atordoado por um mix de
sentimentos devido a tamanha bizarrice nonsense em
tela, sem saber de verdade se é para rir das situações extravagantes repletas
humor negro ou para chorar de desespero. A especialização de Lanthimos no
absurdo e a forma como ele joga pessoas normais (pero no
mucho) em situações aparentemente sem nenhuma explicação
lógica onde eles precisam tomar algumas decisões morais (questionáveis ou não)
salta aos olhos mais uma vez, assim como fizera em seus trabalhos anteriores. Aqui,
sua satírica metáfora crítica a condição humana, a instituição familiar e
relacionamentos disruptivos é voltada para o terror psicológico com pitadas de thriller de
vingança, mas de uma forma que dá um giro de 360º nos conceitos
pré-estabelecidos de ambos os subgêneros.
Steven Murphy,
papel de um Colin Farrel que exala uma monotonia resignada que chega a dar
raiva, é um proeminente cirurgião que tem uma vida quase perfeita, casado com a
belíssima Anna, interpretada por Nicole Kidman (ótima!) e tem dois filhos
adolescentes apaixonantes, Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). Porém ele
esconde um relacionamento, um tanto quanto desconcertante e incômodo, com um
introvertido adolescente, Martin (vivido por Barry Keoghan, o azarado Georgie
de Dunkirk), cujo pai morrera na mesa de cirurgia.
Desde o primeiro encontro entre os dois, onde ele lhe compra um caríssimo
relógio de pulso, vemos uma nuvem negra de culpa velada sob a cabeça do
respeitado médico, e por isso, a intenção de se aproximar do garoto. Tudo está
prestes a desmoronar quando o comportamento de Martin se torna cada vez mais
obsessivo e Steven resolve se afastar. Mas esqueça o comportamento psicopata
padrão da parte de Martin. A consequência é um cruel plano de vingança onde Bob
e depois Kim, misteriosamente – e o melhor de tudo, sem a menor intenção em dar
qualquer explicação plausível – ficam paralisados da cintura para baixo,
seguido da recusa em comer e os próximos estágios consistem em sangrar pelos
olhos e finalmente morrer. A única forma de dar cabo dessa situação é se
qualquer um dos Murphy for morto pelo patriarca, incluindo a si mesmo. O
Sacríficio… vai levando esse horror familiar de forma
minimalista e nauseante até a escalada da violência gráfica, tudo capturado com
uma finesse sadística de Lanthimos, ecoando na cabeça dos
protagonistas e do público estupefato atrás da tela: o que você faria e quem
você sacrificaria em últimos casos? Tudo captado pelas lentes de seu parceiro
diretor de fotografia de costume, Thimios Bakatakis, colocando a família sobre
estado constante de vigilância e dúvida enquanto o jovem continua incólume
desprovido de remorso, em cada construção de personagem e cena auxiliado pela
intensidade da trilha sonora. Um coquetel poderoso sinestésico que vai te
sufocando cada vez mais até a explosão dramática que aguarda os Murphy numa
típica tragédia grega anunciada. Aliás, o próprio título do filme é inspirado
no final da tragédia de Ifigênia em Áulide de Eurípedes, onde Agamenon, líder
da coalização grega durante a Guerra de Troia decide sacrificar sua filha para
cativar a deusa Artemisa a ajudar a liberar os ventos para a navegação de sua
tropa. A dramaturgia grega emprestando a ironia trágica em doses cavalares para
efeitos dramáticos no cinema moderno de Lanthimos. A experiência de assistir
a O Sacrifício do Cervo Sagrado é daquelas
coisas que fazem o cinema ser uma avassaladora experiência de sentimentos
díspares, e, despertar cada um desses sentimentos, da repulsa ao alívio, do
estranhamento ao riso de nervoso, do horror ao cômico exagerado, é uma das
grandes habilidades de Lanthimos.
4,5 relógios de
pulso para O Sacrifício do Cervo Sagrado
FONTE:
https://101horrormovies.com.br/review-2018-10-o-sacrificio-do-cervo-sagrado-2/
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