TERROR 2017 28 2017 CORRA!
O
racismo velado do thriller de Jordan Peele em um dos melhores filmes do ano
O horror, apesar de
marginalizado por grande parte do público, acadêmicos e cinéfilos em geral, tem
cumprido um papel sociopolítico e cultural cinematográfico muito importante – e
quiçá único – desde que A Mansão do Diabo,
oficialmente o primeiro filme de terror da história, fora projetado em 1869. O gênero sempre foi o
grande responsável por levar as fobias da sociedade vigente para as telas, ou
pelo menos uma parcela importante e considerável dela, e tratar de temas, tanto
em suas entrelinhas como devidamente escancarados, como xenofobia, alienação,
consumo, comunismo, extrema direita, violência, sexismo, injustiça social,
fundamentalismo religioso e racismo, tendo em Corra! escrito e dirigido por Jordan Peele,
produzido pelo midas Jason Blum, seu mais recente exemplo, e talvez, de maior
sucesso. Isso porque o thriller de Peele, mais famoso por sua veia
humorística de seu programa Key & Peele no Comedy Central – mas que é fã
confesso de suspense e terror – faturou impressionantes 134 milhões de dólares
na bilheteria doméstica (e mais de 200 milhões no mundo todo) – o primeiro
dirigido por um negro a alcançar essa marca – sendo o segundo hit comercial da Blumhouse Pictures no ano,
perdendo em arrecadação apenas para Fragmentado. Isso em tempos de racismo sistêmico, #BlackLivesMatter, as campanhas contra
a violência aos negros e a chegada de Donald Trump à presidência americana. E
claro, num ano em que La La Land… não, ops, Moonlight, troquei aqui, levou o Oscar
de Melhor Filme. Em Corra!, o
diretor/roteirista se aproveitou de uma trama aos moldes Adivinha Quem Vem Para Jantar para adicionar uma pitada de suspense
calcinante e fazer uma crítica racial velada, poderosa e inteligente focando no
relacionamento entre Chris Washington, um afro-americano, (papel do sempre
ótimo Daniel Kaluuya) e uma garota branca rica, Rose Armitage (Allison
Williams). Chris vai passar um fim de semana na casa dos pais da namorada em um
subúrbio branco burguês afastado onde viverá uma série de experiências desconfortáveis
e “comportamentos estranhos” da família da moça e conhecidos, inclusive dos
poucos negros com quem tromba no local, como o casal de “criados” dos Armitage
– sinistros de gelar a espinha – ou o namorado de uma voluptuosa senhora ricaça
durante um dos blasés festejos anuais da família. O termo “comportamento
estranho” soa demasiadamente clichê e batido para o gênero, mas é o máximo que
se pode dizer sobre o filme sem entrar no campo dos spoilers, conforme, de
forma sutil e gradativa, Peele vai jogando seu protagonista em situações que em
mim, homem branco parte de uma maioria opressora, já coube indignação e
constrangimento, as quais nem posso imaginar tamanha gravidade no caso de quem
é negro e obrigado a conviver em determinados círculos ou ocasiões sociais com
essa “cara gente branca” aproveitando outra série quente sobre o tema do
momento. A situação de Chris, que a princípio, parece ser a tentativa
desastrada dos pais da garota em lidar com o relacionamento interracial da
filha, começa a piorar após o convidado participar de uma sessão de hipnose com
a sogra e, daí por diante, é bom o expectador, para evitar frustrações, abraçar
de vez o fantástico para a sequência de plot twists que estão por vir até seu desfecho,
carregado de tensão e nervosismo crescente num excelente exercício
hitchcockiano de criação de atmosfera, auxiliado, e muito, pela trilha sonora
de Michael Abels, com a pertinente influência de Bernard Herrmann a tiracolo,
que recria em nossa psique o ambiente dos filmes clássicos de terror. Ainda
assim, bom comediante que é, Peele não oferece somente o roer de unhas ao seu
público, mas também um alívio cômico muito bem-vindo para segurar um pouco a
gastrite da apreensão acumulada durante o desenrolar da projeção, na figura de
Rod Williams, interpretado por LilRey Howery, o agente de segurança de
aeroporto melhor amigo de Chris, único a desconfiar de que há algo de errado
acontecendo com o bro durante aquele pretenso perfeito final
de semana. Aliás, é dele a maior cena de desafogo do filme ao substituir um
final muito mais sombrio e pessimista, mas que, infelizmente, é o desfecho
certo que passa pelas nossas cabeças ao ver o giroflex se aproximando, graças a
violência estatal e preconceito crônico incrustado em nossa sociedade. Corra!, com
seu título imperativo em português, escancara ao espectador de um suposto mundo
pós-racial que o problema não acabou e continua fortemente arraigado por aí,
principalmente nas classes sociais mais altas, apesar de muita gente achar que,
por conta do mandato de Barack Obama ou o sucesso de Lázaro Ramos e Taís
Araújo, o racismo foi atenuado. Aquele tipo de metáfora que o terror sabe
trazer à tona brilhantemente, inclusive, como alegoria da propensa inveja e
mesquinharia do homem branco perante a autêntica superioridade genética e
cultural do negro. Com razão, apontado como um dos melhores filmes de 2017, Corra! vale demais o ingresso, apesar dos
esforços da Universal Pictures do Brasil em se boicotar – e tentar compensar
com uma massiva campanha promocional – lançado-o somente agora nos cinemas,
sendo que estreou em fevereiro nos EUA e que já está por aí disponível para
quem quiser assisti-lo por outros meios, o que é uma pena.
4 lugares profundos
para Corra!
FONTE: http://101horrormovies.com/2017/05/17/review-2017-28-corra/
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