Ópera do cemitério
por Francisco
Russo
Já há alguns anos, o cenário teatral de Rio de
Janeiro e São Paulo conta com uma infinidade de musicais. Alguns derivados de
sucessos da Broadway, outros biografias de músicos renomados e alguns poucos
baseados em canções originais, criadas para os palcos. Talvez seja este o
trabalho mais complexo, pela difícil tarefa de compôr músicas que se adéquem à
história e, ao mesmo tempo, tragam uma sonoridade que conquiste o público. Pois
no cinema brasileiro há um caso destes, ainda pouco conhecido: Sinfonia da Necrópole.
Primeiro trabalho solitário de Juliana Rojas na
direção – ela já havia comandado Trabalhar Cansa, ao lado
de Marco Dutra -, Sinfonia
da Necrópole é, acima de tudo, um filme ousado. Não apenas por ser um
musical com canções originais, algo raríssimo no cinema brasileiro, mas também
pelo fato de sua históra girar em torno de um... cemitério! Ao invés do
esperado tom fúnebre, pode-se ver uma história inspirada e divertida,
ambientada por canções de vários estilos, sem jamais perder o tom respeitoso.
O personagem principal é um insólito coveiro
medroso, Deodato (o competente Eduardo Gomes),
que precisa trabalhar ao lado de Jaqueline (Luciana Paes,
bem em cena), funcionária do serviço funerário, na tarefa de remodelar o
cemitério de forma que o local abrigue mais jazigos. Nesta reforma agrária às
avessas impulsionada pelo capitalismo, uma boa quantidade de túmulos precisa
ser transferida para um cemitério vertical, cuja capacidade de abrigar ossadas
é bem maior – ou seja, mais dinheiro à vista.
Trilha sonora à parte, há dois achados no filme: a
sensibilidade de Deodato em confronto permanente com a decidida Jaqueline, que
rende toda uma parábola envolvendo um possível romance entre os dois, e a
fauna do cemitério. Do administrador ao padre local, passando pelo
hipocondríaco e a dona da loja que vende flores para enterros, o filme oferece
coadjuvantes que dão um charme extra pela naturalidade com a qual estão
inseridos na trama principal. Mérito do roteiro, escrito pela própria diretora,
que com habilidade inclui elementos típicos do ambiente de um cemitério de
forma leve, provocando um contraponto delicioso.
Entretanto, é impossível falar de Sinfonia
da Necrópole sem mencionar a proeza de seus números musicais. O
primeiro deles, um sambinha que começa com o batucar das pás dos coveiros, é de
uma naturalidade desconcertante, já que até então o filme sequer insinua
qualquer compromisso com o musical. As letras, compostas por Juliana e Marco
Dutra, são sempre de acordo com o momento do filme e, em vários casos, conduzem
a própria história, no melhor estilo Os Produtores. Impressiona
também a qualidade de canto do elenco como um todo, e a diversidade de estilos
musicais. Por exemplo: a canção que anuncia o cemitério vertical, protagonizada
por Hugo
Villavicenzio, remete às músicas cantadas por David
Tomlinson em Mary Poppins, pelo timbre
de voz. Da mesma forma, nas canções mais lentas, o timbre de Eduardo Gomes
lembra o de Chico Buarque –
o timbre de voz, é importante ressaltar!
Divertido e surpreendente, Sinfonia da
Necrópole é um filme que entretém e traz, como pano de fundo, os
interesses comerciais existentes no mundo atual. Por mais que tenha um final um
tanto quanto brusco, trata-se de um filme corajoso como proposta e pelo que
entrega ao espectador. Atenção especial para duas sequências: a canção dentro
do carro, iniciada com o tilintar das gotas de chuva, e a participação afetiva
de Sara Silveira,
produtora do longa-metragem, no karaokê. Muito bom.
Filme visto durante a cobertura do 42º Festival de Gramado, em agosto de 2014.
Filme visto durante a cobertura do 42º Festival de Gramado, em agosto de 2014.
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