Direção:
François Truffaut.
Roteiro:
François Truffaut e Jean-Louis Richard baseado no livro de Cornell Woolrich.
Elenco: Jeanne
Moreau, Michel Bouquet, Jean-Claude Brialy, Charles Denner, Claude Rich,
Michael Lonsdale, Daniel Boulanger, Alexandra Stewart, Sylvine Delannoy.
Duração: 107 minutos.
Assumidamente
homenageando o cinema de Alfred Hitchcock, um de seus maiores ídolos, A
Noiva estava de Preto é um intrigante exercício narrativo que mistura
muitas das características do mestre do suspense com as do poeta danouvelle
vague desenvolvendo o embrião de um satisfatório, apesar de jamais
soberbo, Frankenstein cinematográfico. Um experimento lisonjeiro e humilde de
um mestre a outro enriquecido pela enigmática e ofídica atuação de Jeanne
Moreau, no papel de Julie Kohler, uma noiva cujo marido morrera nos seus
braços, nas escadas da igreja, instantes depois do casamento, produto de
um disparo efetuado de uma torre alguns metros de distância. Inegável
inspiração de Quentin Tarantino para o desenvolvimento de Kill Bill, a
noiva deste é completamente distinta daquela imortalizada por Uma Thurman: ela
não é uma assassina contratada especializada em artes marciais. Pelo contrário,
ela é uma mulher simples que, no suposto dia mais feliz da sua vida,
testemunhou a morte do seu amor de infância. O que as une, porém, é o
determinado e ardoroso desejo de vingança!
Baseado
no livro de Cornell Woolrich, autor de Janela Indiscreta (1954), um
dos maiores clássicos de Hitchcock, a história acompanha Julie no encalço dos
autores do disparo assassino. Dedicando-se no prólogo a brevemente ilustrar o
niilista e desapegado estado mental de Julie, o roteiro acertadamente ignora os
meios que a levaram a identificar Bliss (Rich), Coral (Bouquet), Morane
(Lonsdale), Delvaux (Boulanger) e Fergus (Denner) como co-responsáveis pela
morte do seu marido e, praticamente de imediato, a põe no exercício do seu
direito de vingança, seduzindo suas vítimas com uma charmosa morbidez e uma
frieza inabaláveis.
François
Truffaut, porém, adiciona elementos pontuais que suavizam a maldade de Julie e
permitem enxergar a mulher existente antes da tragédia. Assim, a maneira alegre
com que ela lida com Cookie, o filho de Morane, sugeriria uma mãe zelosa e
amável. Da mesma forma, o telefone realizado à polícia inocentando uma
professora falsamente incriminada a delineia focada exclusivamente no seu
objetivo - assassinar aqueles cinco homens - sustando-se dos eventuais danos
colaterais que poderia causar.
Fartamente
explorando a confusão de felicidade e luto observados no fatídico dia do seu
casamento, a simplicidade e objetividade do figurino de Julie Kohler é marcante
pelo surrealismo dos trajes exclusivamente brancos ou pretos. Já a
inquietante trilha sonora de Bernard Herrmann, colaborador habitual de
Hitchcock, é sarcástica e eficiente o bastante para introduzir a marcha nupcial
no epílogo da vingança de Julie.
É,
porém, no elaborado plano de Julie onde se encerra os grandes momentos de A
Noiva estava de Preto. Sem ceder a concessões sentimentais, vangloriar o
instituto da vingança ou escapar da zona mecanicamente determinística das suas
ações, Julie não exibe arrependimento algum de seus atos nas feições
intransigentemente rígidas de Jeanne Moreau. A desesperada escusa de Morane que
o disparo havia sido acidental é irrisória para que Julie obste suas ações;
isto não ressuscitaria o seu marido. Nem tampouco a paixão súbita que acomete
Fergus ou a fragilidade e decadência moral de Coral. Diferentemente das
criações do ótimo filme de Tarantino, personagens inexoravelmente maus e
amorais, os "vilões" de Truffaut são homens comuns suscetíveis, uns
mais do que outros, ao fardo do crime que cometeram.
Assim,
embora convivamos muito pouco com Bliss, cuja morte é a primeira (e mal
orquestrada), e Delvaux seja taxado rapidamente de criminoso para conveniência
do roteiro, as demais vítimas de Julie têm uma tridimensionalidade incomum para
filmes do gênero. Se a bagunça do estreito apartamento é suficiente para
aceitarmos a personalidade triste e desordenada de Coral, Michel Bouquet
permite-se um olhar esperançoso dirigido a Julie no freeze frame no
teatro e a morte dele é uma das mais poéticas simbolizando, porque não, a
sedução de uma sirene antes de devorar um distraído marinheiro. Por sua vez, a
descoberta de sua musa transforma Fergus em um homem gentil e emotivo, e como
ele é aquele que nós passamos maior tempo juntos, é natural o surgimento de um
sopro de esperança de que Julie abdique de seu plano.
Mas,
é o trabalho de Jeanne Moreau que chama mais atenção. Demonstrando uma
concentração invejável nos atos praticados, Julie não se distraí, nem mesmo
quando seu plano aparentemente falha ao acaso, convencendo-nos de sua plena
capacidade de concluir sua trajetória. Indiferente, ela parece estar sempre de
luto e, diligentemente, não parece regozijar-se dos atos praticados; a vingança
de Truffaut não é prazerosa como em outros filmes, nela não há conforto ou paz.
Esse limiar o diretor não ousa cruzar tampouco sugerir sob pena de frustrar a
velada condenação ao instituto.
Concluindo impecavelmente e sem concessões, François Truffaut desenvolveu uma obra de vingança eficiente que, apesar de pouco questionar o instituto também não o glorifica, o que se torna evidente na resignada decisão final de Jeanne Moreau e a sua frígida expressão, elementos fundamentais para concluir que a dor dela jamais amenizaria... nem as cicatrizes curariam.
Concluindo impecavelmente e sem concessões, François Truffaut desenvolveu uma obra de vingança eficiente que, apesar de pouco questionar o instituto também não o glorifica, o que se torna evidente na resignada decisão final de Jeanne Moreau e a sua frígida expressão, elementos fundamentais para concluir que a dor dela jamais amenizaria... nem as cicatrizes curariam.
Obra de François
Truffaut:
François
Truffaut fez seu primeiro filme em 1954. Foi o curta-metragem Uma Visita,
filmado em preto-e-branco e 16mm. No mesmo ano, produziu o argumento de Acossado, de Godard, futuro e aclamado filme
deste diretor. Em 1958,
Truffaut e Godard co-dirigiram o curta Une Histoire D'Eau. Com a
fundação da Les films du Carrosse,
Truffaut produziu outro curta. Os pivetes,
também filmado empreto-e-branco e 16mm, recebeu boa recepção da crítica
especializada e lhe deu o prêmio de Melhor Diretor do Festival du Film Mondial,
de Bruxelas.
Com
fundos do sogro, em 1958, ele bancou um projeto inspirado em suas experiências da
infância e pré-adolescência, o longa-metragem Os
Incompreendidos/Os 400 golpes. Sucesso internacional, este
filme definitivamente inaugurou a "Nouvelle Vague". Para fazer o
papel de actor principal do filme foi escolhido um jovem Jean-Pierre Léaud. Com 14 anos, Leaud
interpretaria Antoine Doinel, alter-ego
de Truffaut. Assim como Bazin tornara-se um pai para Truffaut, este seria o
grande mentor de Leaud. Em abril de 1959, os
Incompreendidos/Os 400 golpes ganharia o prêmio de melhor diretor do Festival de Cannes, além de ter sido
indicado ao Oscar de
Melhor Roteiro Original.
Em novembro de 1960, foi lançado Atirem no pianista, segundo longa-metragem
do diretor e seu primeiro filme noir, baseado no romance policial "Down There", do
norte-americano David Goodis. O filme foi
um fracasso de público, o que levou muitos jornalistas a decretarem o fim da
"Nouvelle Vague". Mas com Jules et Jim
- Uma mulher para dois, lançado em janeiro de 1962, Truffaut tentou
provar o oposto. Com Jeanne Moreau no papel principal, Jules
et Jim - adaptação homônima do livro do francês Henri-Pierre Roché, que
conta o triângulo amoroso de três amigos - é considerado uma das obras-primas
do movimento. Ainda naquele ano, Truffaut lançou o curta Amor aos 20 anos, uma seqüência das aventuras
de Antoine Doinel.
Dois anos depois, em maio de 1964, estreou Um só pecado/Angústia,
o quarto longa do cineasta, um drama psicológico sobre a paixão de um renomado
conferencista por uma jovem. Obra sui-generis na filmografia do
diretor, Fahrenheit 451, filme inspirado na ficção
do escritor norte-americano Ray Bradbury,
narra a história de uma sociedade totalitária no futuro, onde os livros foram
banidos. O filme, lançado em setembro de 1966, recebeu uma
indicação do BAFTA e
uma do Festival de Veneza. É também o primeiro filme
colorido de Truffaut.
Em abril de 1968 foi lançado A Noiva Estava de Preto. Inspirado na obra
do escritor norte-americano William Irish, A
Noiva… era o segundo film noir do diretor e novamente foi
estrelado por Moreau. Ele conta a história de uma mulher em busca de vingança
pelo assassinato do noivo. Em setembro, estreou Beijos
Proibidos/Beijos Roubados, mais uma história com o
alter-ego do diretor. Nela, um Antoine Doinel apaixona-se por Christine (Claude Jade),
uma violonista burguesa. O filme foi também um registro feito da cidade de
Paris antes dos acontecimentos de maio de 68.
O diretor acabou por se casar com Jade, naquele ano.
A Sereia do Mississippi, lançado em junho
de 1969,
é mais uma adaptação que o diretor fez de uma obra de Irish. Com Jean-Paul Belmondo e Catherine
Deneuve, o filme conta a história de um rico empresário do tabaco, de Reunião,
que conhecera uma mulher por correspondência e se casaria com ela, mas ele se
envolve em uma louca paixão com uma mulher totalmente diferente daquela com a
qual pretendia casar. Em fevereiro de 1970, foi lançado O Garoto
Selvagem, adaptação de Jean Itard. É o primeiro
filme em que Truffaut ganha um papel de destaque (ele já havia feito uma sutil
aparição em "Os Incompreendidos/Os 400 Golpes"), ao interepretar o
professor Itard, que vivenciou a experiência de encontrar um menino nas selvas,
que foi educado por ele. Leaud, emDomicílio
Conjugal, de setembro de 1970, mostra um Antoine
Doinel casado com Christine. Em novembro de 1971, estreou Duas Inglesas
e o Amor/Duas Inglesas
e o continente, outra adaptação de Henri-Pierre Roché, sobre o triângulo
amoroso entre duas jovens inglesas e um rapaz francês, no início do século XX.
O filme conta com a a participação de Eva, filha de Truffaut.
Em setembro de 1972, foi lançado Uma jovem tão bela como eu e
inspirada na obra do escritor norte-americano Henry Farrell, sobre uma
socióloga que entrevista, na prisão, uma mulher acusada de assassinato. A Noite Americana, uma das obras mais famosas
de Truffaut, foi lançada em maio de 1973. O filme é sobre a
produção de um filme e mistura ficção à realidade, com o próprio Truffaut
atuando como diretor de uma obra que seria estrelada pela atriz britânica Jacqueline
Bisset. A obra venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1974,5 além
de três BAFTAs. Em outubro de 1975, foi lançado A História de Adèle H., com a atriz
francesa Isabelle Adjani. Inspirado no diário de Adèle
Hugo, o filme narra a paixão insandecida da filha do poeta francês Victor Hugo pelo
Capitão Albert Pinson (Bruce Robinson). Em 1976, foi lançado Na idade da inocência, filme sobre o cotidiano
de pais, alunos e professores em uma pequena cidade do interior da França.
Sucesso de público, O Homem que Amava as Mulheres chegou
às salas de cinema em abril de 1977. Em flashback, o filme narra a vida e os casos amorosos de
Bertrand Morane Charles Denne. Inspirado
em "The altar of the dead", de Henry James, O quarto
verdefoi lançado em 1978. A obra conta a história de Julien Davenne (interpretado
por Truffaut), um jornalista que venera a mulher prematuramente morta. Em 1979, chegou ao fim a saga
de Antoine Doinel, com o lançamento de Amor em fuga.
Já tendo passado do 30 anos e separado de Christine, Doinel tenta ainda
encontrar o amor. A trilha sonora, de Georges
Delerue, levou o prêmio César.
Um dos mais premiados filmes do
diretor foi O Último Metrô. Lançado em 1980, o filme contou os
astros Gérard Depardieu e Catherine Deneuve.
Durante a França ocupada pelos nazistas, um dramaturgo judeu comanda uma peça
do porão de seu teatro. Vencedor o César em 10 categorias e recebeu indicação
ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 1981, estreou A Mulher do Lado, com Fanny Ardant e
Gérard Depardieu. O filme narra a tragédia história de amor de Bernard e
Mathilde, que se reencontram depois de viverem um tórrido romance. Último filme
de François Truffaut, De repente num domingo/Finalmente, Domingo! é uma adaptação de The
Long Saturday Night, de Charles
Williams. Lançado em 1983, o filme narra a história de uma mulher que ajuda um
homem, acusado por assassinato, a encontrar o verdadeiro criminoso. Indicado na
categoria de Melhor Diretor em 1983 no César.
Filmografia de François
Truffaut:
Ano
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Título original
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Título no Brasil
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Título em Portugal
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Uma Mulher para Dois
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Jules e Jim
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O Amor aos Vinte Anos
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Fahrenheit 451
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Grau de Destruição
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Domicílio Conjugal
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A Noite Americana
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A História de Adèle H.
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Amor em Fuga
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O Último Metro
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A Mulher do Lado
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