sábado, 8 de agosto de 2015

#214 1968 A HORA DO LOBO (Vargtimmen / Hour of the Wolf, Suécia)


Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Produção: Lars-Owe Carlberg
Elenco: Max von Sydow, Liv Ullman, Gertrud Fridh, Georg Rydeberg, Erland Josephson, Ingrid Thulin

“Hora do Lobo é o espaço entre a noite e a madrugada. A hora em que a maioria das pessoas morre, e que a maioria das pessoas nascem, e que os pesadelos são reais e que a angústia nos persegue”. Essa é a explicação de Ingmar Bergman, segundo os antigos, sobre o termo que nomeia seu filme: A Hora do Lobo. E é neste espaço de tempo contínuo permanente que o diretor irá nos jogar como espectadores de seu labirinto tétrico de pesadelos. Um filme hermético, difícil de se sintonizar no surrealismo impresso pelo diretor. A Hora do Lobo é sufocante, estranho, recheado de cenas bizarras em uma lindíssima fotografia preto e branca sombria, quase expressionista de Sven Sykvist, onde Bergman desconstrói o maior horror de todos: a loucura humana. Não há nenhum monstro, nenhum perigo “tangível”. Há apenas a perturbação da mente, que essa sim, pode criar os piores monstros imagináveis para si mesmos, capaz de gerar tortura psicológica e o fim do discernimento do que é real e o que é macabra fantasia. A Hora do Lobo derivou-se do roteiro de um filme muito mais amplo e abrangente, que se chamaria Os Antropófagos, abandonado pelo diretor logo após uma crise de pneumonia e a escolha subsequente de produzir Persona, em 1966. A ideia foi descartada e compactada para um filme menor. Diferentemente de Persona, onde o inferno psicológico e o tormento espiritual provém do universo exterior, aqui fica bem claro que esse tormento parte do interior do artista, dando vida aos seus pesadelos, saídos das páginas de seu diário. O artista em questão é Johan Borg, papel de Max Von Sydow (ele mesmo, o padre Merrin de O Exorcista), que se muda com sua esposa, Alma (Liv Ullmann) para as Ilhas Faroé a fim de um exilo durante uma temporada, para desenvolver seu trabalho como pintor e artista plástico. Não precisa dizer que sua vida se transformará a partir desta mudança e do ponto em que ele se torna insone e seus pesadelos começam a ganhar vida, principalmente quando confrontada pelos outros bizarros “habitantes” da ilha. Alma, reprimida, é a personagem que rompe o silêncio de Johan de forma forçada, impedindo-o até certo ponto de deixar-se cair no mundo melancólico e absorto em qual vive. Cada frame em que apresenta a convivência entre ambos, parece ser possível se cortar o ar com uma navalha. Como se não bastasse a opressão que nos sufoca na dinâmica do convívio entre marido e mulher, uma verdadeira horda de pessoas estranhas começa a surgir na vida de John, que irá lhe tirar do eixo. Todas essas pessoas são narradas por Johan à sua esposa e expressas em seus rascunhos. Entre eles, uma velha que não pode tirar o chapéu, caso contrário seu rosto cai, os canibais, os homens pássaros, os homens aranhas, entre outras bizarrices. Momento chave para que as coisas comecem a degringolar é quando esses personagens começam a aparecer justamente para causar inquietação e discórdia no casal, que são convidados para um jantar desconcertante no castelo do Barão Von Merkens. Lá, entre inúmeras conversas fúteis, risadas exageradas, personagens ácidos e caricatos, sombras e close ups perturbantes, Bergman faz com que encarnemos em Johan e nos faz sentir nada a vontade, querendo sair de nossas peles, tal como o personagem em cena. Esse desastre de reunião social, já com o casal tão pouco a vontade, culmina quando Johan, ali apenas para fazer o papel de bobo da corte, tem suas inspirações e pretensões artísticas ironizadas pelos algozes na apresentação em forma de teatro de bonecos de A Flauta Mágica. Depois dessa sequência, Johan explica à Alma sobre a tal hora do lobo, e daí para frente é o começo do fim, com duas sequências extremamente densas e tresloucadas. Primeiro quando o artista está pescando e mais um dos personagens de seu pesadelo toma vida, uma garota adolescente que o ataca, mordendo sua pele, querendo se alimentar de Johan, e acaba morto e jogado no fundo do mar. O segundo, em nova visita ao castelo, Johan está em busca de sua amante, Veronica Vogler (Ingrid Thulin), quando mais uma vez é humilhado pelos presentes, colocando-o maquiagem feminina, o que vai torná-lo motivo de chacota tanto de Vogler quando dos demais ali presentes, que o observam no escuro dando risadas. Só que Bergman também deixa claro o quanto nós como espectadores não devemos confiar em Johan quanto narrador, já que os personagens possuem qualidades sobrenaturais (vide a cena em que a velha tira seu chapéu e desconstrói seu rosto) e conhecimento da psique e dos pensamentos do atormentado pintor, revelando-se como projeções da sua imaginação destrutiva, como a materialização de seus pesadelos. E soma-se isso ao monólogo final onde Alma tenta atestar a tese de que se você convive muito tempo com uma pessoa, as duas acabam tornando-se uma só, e fatidicamente, será que uma acaba vendo o que a outra vê? E o que eles viram? A Hora do Lobo é a obra prima dos filmes de pesadelo. Exatamente por ele não ser um filme sobre pesadelos, mas os tem em seu cerne. E os pesadelos, ao ganharem vida, ultrapassam a natureza do horror pessoal. E é precisamente esse neorrealismo oblíquo de Bergman que, de forma implícita, nos escancara a concepção desse pesadelo e nos oferece uma forma de horror sugerido, psicológico, de forma verbal e visual, nos forçando a testemunhar figuras horríveis e atos proibidos, que rastejam na mente do personagem e vem para nos assombrar.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/07/15/214-a-hora-do-lobo-1968/

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489 1968 A Hora do Lobo (Vargtimmen) 



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