Direção: Nobuo Nakagawa
Roteiro: Nobuo Nakagawa,
Ichirô Miyagawa
Produção: Mitsugu Ôkura
Elenco: Shigeru Amachi,
Utako Mitsuya, Yôichi Numata, Hiroshi Hayashi, Jun Ôtomo
“Incontáveis são os pecados
praticados no caminho até a morte. Para esses pecados, pode
haver punição na lei. Alguns podem não ser presos devido a eles, mas a
consciência do pecado não pode ser apagada. A religião idealiza um mundo após a
morte, aplicando punição ao invés da lei. Esse mundo é o Inferno”. Assim começa o excelente texto
que irá permear toda essa assustadoramente poética produção japonesa: Inferno. Dirigido por Nobuo Nakagawa para o lendário
estúdio Shintoho, Inferno é uma obra angustiante, onírica, cruel e
impactante, que nos passa a noção da danação eterna sobre o ponto de vista
nipônico, nos fazendo desejar nos tornarmos um bom escoteiro depois da fita
terminar, para não ir parar em um buraco de sofrimento eterno e amargura como é
imaginado neste longa. Como o próprio filme explica, a construção abstrata de
inferno abordada aqui é baseada no conceito de “naraka”, a expressão sânscrita
para inferno, que significa “abominável” ou “atormentado”. No Japão,
o mais comum é ser imaginado como os Oito Grandes Infernos da Pregação de Buda.
Mais ou menos parecido com os nove círculos do inferno descrito por Dante
Alighieri em A Divina Comédia. E cada um destes ciclos do inferno, estão reservados para cada tipo de
pecador. Uma série de desventuras vai rondar a vida de Shiro, envolvendo muita
gente ao seu redor, incluindo namorada, familiares e vizinhos da sua cidade
natal, após ele e um amigo de faculdade, Tamura, atropelarem acidentalmente e
matarem Kyoichi Shiga, um membro da máfia Gondo, tendo fugido sem prestar
socorro, não antes da mãe do gângster anotar a placa do carro dos jovens. Esse
fato funciona como um estopim de tragédias nababescas que envolverão adultério,
incesto, assassinato, vingança e dolo que vão levar toda essa galera para o
inferno. Durante uma hora de filme, a trama se arrasta da forma mais
convencional possível, mas apenas em termos de estrutura narrativa, pois há
toda uma beleza e peculiaridade na forma como Nakagawa dirige o filme e na
sublime fotografia de Mamoru Morita, misturado com uma edição precisa e
intervenções sonoras de Michiaki Watanabe. Shiro volta a sua cidade natal pois
sua mãe está enferma, isso depois da sua noiva, Yukiko, morrer grávida (sem ele
saber) tragicamente em um acidente de táxi que Shiro obrigou-a a tomar.Lá
encontra seu pai tendo um caso com uma jovem garota, Sachiko, que também ama
Shiro desde a primeira vez que o viu, um médico responsável por um diagnóstico
errado, um pintor alcoólatra arruinado, um jornalista aproveitador, a mãe e
esposa do falecido Kyoichi caçando o rapaz em busca de vingança, e por aí vai. E
então faltando meia hora para terminar a fita, amigo, se prepare, que o filme
vai dar uma guinada de 360º e entrar em uma viagem quase lisérgica, carregada
de simbolismos, quando somos jogados junto com todos os personagens para essa
representação visual do inferno, permeada de cenas alucinantes, brutalidade e
imagens aterradoras e impactantes de sofrimento. Ali são recepcionados pelo
Grande Rei Enma, senhor dos Oito Infernos de Fogo e Oito Infernos de Gelo, juiz
dos pecados mundanos e responsável por dar a sentença a todos eles a partir de
seus erros. Então será passado a limpo ao atônito espectador todos os motivos
pelos quais cada uma daquelas pessoas foram parar naquele antro, que vai desde
o professor pai de Yukiko que matou um homem por um cantil de água durante a
guerra na Malásia, até o pai adúltero de Shiro, que assassinara Sachiko que
quando bêbada, deu uns pegas no filho. E entre a sessão de tortura sem fim que
o inferno proporciona aos seus habitantes, encontraremos: mutilação,
esfolamento, ossos esmagados, olhos arrancados, dentes quebrados por uma
marreta, almas tendo que beber de uma vala de detritos e pus espremidos de
carcaça podre, banhos nos Lagos de Sangue onde caem aqueles culpados por
imoralidade, adultério, putice (juro que estava escrito isso na legenda que eu
assisti!) e depravação e um vórtice de tormento onde os condenados ficam
andando em círculos eternamente. E como se tudo isso não exercesse um impacto
visual suficiente, todas as cenas são recheadas da mais completa violência
gráfica, esbanjando do gore, algo até sem precedentes do momento em que
foi lançado no começo dos anos 60, colocando Inferno como uma obra
seminal que serviu visualmente de inspiração para outros cineastas japoneses
como Takashi Miike e Shinya Tsukamoto. Fora isso, a representação estética do
inferno é deveras perturbadora, algo parecido com o que visto futuramente em
outras mídias, até no cinema nacional, em Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, do Mojica (lançado sete anos
depois) ou falando em cultura pop japonesa, o inferno para o qual o cavaleiro
de Dragão é enviado ao enfrentar o Máscara da Morte, cavaleiro de ouro de
Câncer, no famoso anime Cavaleiros do Zodíaco (que bebe na mesma fonte budista
do filme). Japoneses sabem assustar como ninguém e utilizar da imagética de
forma magistral para aprofundar o público em seus devaneios assustadores e
pesadelos sinistros. Claro que Inferno não
tem nada a ver com o J-Horror moderno, e não pense encontrar algo
desse tipo, com fantasmas de garotas de cabelo comprido preto escorrido no
rosto, pois senão você pode correr o risco de uma decepção sem tamanho. Mas não
deixe de conferí-lo de forma alguma. E peça perdão de todos os seus pecados
depois…
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/04/09/131-inferno-1960/
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