Direção: Michael Powell
Roteiro: Leo Marks
Produção: Michael Powell
(não creditado), Albert Fennell (Produtor Associado – não creditado)
Elenco: Karlheinz
Böhm, Moira Shearer, Anna Massey, Maxine Audley, Brenda Bruce, Miles Malleson
Invasivo,
provocador, mórbido e sádico. E você, que está aí sentando do outro lado da poltrona é testemunha
ocular, participativa de alguma forma e impotente a tudo que acontece bem na
frente dos seus olhos, graças a câmera voyeur de Mark Lewis, o
personagem psicopata de A Tortura do Medo. Dirigido por Michael Powell, o choque desta obra
atingiu de assalto o mundo do cinema, no mesmo ano em que outras produções
transgressoras como Psicose de Alfred Hitchcock e Os Olhos sem Rosto de Georges Franju
desequilibravam o status quo dos filmes de terror vistos até então,
transformando o mal em algo muito mais palatável, podendo ser encontrado em um
motel de beira de estrada, em uma clínica médica ou no apartamento do andar de
cima. Além disso, A Tortura do Medo te coloca na perspectiva do
assassino, você é cúmplice daquele sujeito desequilibrado com uma câmera na
mão, que sofreu abusos psicológicos do pai psiquiatra durante a infância, tendo
sua vida constantemente exposta para as câmeras, como um macabro Big
Brother pessoal. E sabe o que é o pior? Você acaba sentindo dó do cara, da sua
esquisitice, e acaba até achando compreensível sua vontade de matar, mesmo que
os fins não justifiquem os meios. Mas incomoda o fato de simpatizar com um
assassino de mulheres, exatamente por conta de todo o absurdo invasivo o qual
foi exposto quando menino. Esse é um dos maiores trunfos de A Tortura do
Medo. Além disso, o filme de Powell é desfecho brilhante da chamada Sadian
Trilogy já citada aqui no blog: trinca de filmes ingleses da produtora Anglo-Amalgamated,
sádicos, violentos e de conotações sexuais, que fazia contraponto aos monstros
da Hammer e colocava homens “normais” como assassinos impiedosos. Os outros
dois filmes anteriores são Os Horrores do Museu Negro e Circo dos Horrores. Mark Lewis (interpretado por Carl Bohem, pseudônimo de Karlheinz
Böhm) é um cinegrafista que trabalha em um estúdio de cinema e nas horas vagas,
prepara um documentário em que filma a morte de belas mulheres, matando-as com
um artefato que é uma afiada lâmina postada no tripé de sua câmera. Em seu
documentário funesto, ele quer captar o momento do medo primal antes da pessoa
ter sua vida tirada por ele. Perfeccionista, ele vai matando jovens até encontrar o
seu take perfeito, o qual vai assistindo inúmeras vezes em uma sala
escura de sua casa. E medo é o carro chefe que guia a vida e os anseios de
Mark. Como disse anteriormente, desde criança ele é alvo de experimentos do pai
com a psicologia do medo, que seguia o garoto atormentado com uma câmera,
acordando-o à noite com flashes de luz em seu rosto, jogando um ameaçador lagarto
na sua cama, tudo sendo devidamente documentado e filmado, assim como
cruelmente acompanha o garoto durante o funeral da própria mãe, editada na
sequência para o casamento do pai com sua segunda esposa, meses depois. Medo,
ódio, repressão e sexo representam a mesma confusão de sentimentos no pobre
Mark desde sua infância até sua vida adulta, tornando o garotinho num homem
recluso, introvertido, que enxerga melhor o mundo através da lente de sua
câmera portátil, e predestinado a aumentar em uma escala exponencial as
bizarras experiências do pai, não se permitindo nenhum tipo de relacionamento
amoroso, apenas sadismo reprimido contra o sexo feminino. Isso até conhecer a
jovem e doce Vivian (Moira Shrear), uma inquilina, pela qual acaba se
apaixonando, mesmo lutando contra sua mente perturbada e jurando não filmá-la. Obviamente, A
Tortura do Medo afugentou o público dos cinemas, não preparado para este
tipo de abordagem na época, e quase arruinou a vida de um diretor tão
querido e com trabalhos anteriores tão inocentes quanto Powell. Talvez fosse as
motivações ambíguas do personagem, e esse incomodo sentimento de achá-lo
simpático e até torcer pelo psicopata em conseguir levar uma vida normal com
Vivian e se safar, mesmo após os horrendos crimes que cometeu, ou mesmo o fato
que já destaquei do espectador ser conivente passivo dos crimes de Lewis, o
verdadeiro peeping tom do
título original do filme (um termo inglês para o voyeur ou observador),
somado a isso o desconforto da brilhante fotografia de Otto Heller combinado
com a Direção de Arte de Arthur Lawson, com seu berrante uso de cores quentes e
vibrantes que saltam aos olhos (veja a edição em Blu-ray se você puder), que
diferente da maioria dos filmes, ainda preto e branco até então (como o
próprio Psicose, filmado em P&B exatamente para diminuir sua violência
gráfica), te joga em um mundo vívido e real. O fato é que apesar de todo e
qualquer sentimento pudico e de repulsa com relação aos assassinatos que Mark
pratica em todo filme, e em detrimento de todo choque e aproximação que A
Tortura do Medo pode proporcionar, nós continuamos indo aos cinemas para
sermos testemunhas oculares de atos violentos/ filmes violentos, nutrindo uma
certa curiosidade mórbida e desejo de observar, que deixamos devidamente
enjauladas no interior de nossa psique. Forçados
a olhar através dos olhos/ câmera de um assassino, e não desviar este olhar,
estamos ferindo todas as nossas principais noções de moral, religião e bons
costumes. E isso
com certeza desperta sentimentos díspares em cada um, sendo impossível passar incólume
desta obra prima, retirada da obscuridade por Martin Scorcese, que pagou 5 mil
dólares do próprio bolso para ter uma cópia do longa para exibi-la no Festival
de Cinema de Nova York em 1979. “Você sabe qual é a coisa mais aterrorizante do
mundo? O medo”. A frase de Mark Lewis define muito bem, não só A Tortura
do Medo, como o próprio cinema de terror em si.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/04/18/139-a-tortura-do-medo-1960/
1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER
365 1960 A TORTURA DO MEDO (Peeping Tom, EUA)
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