terça-feira, 23 de junho de 2015

#175 1964 À MEIA-NOITE LEVAREI TUA ALMA (Brasil)


Direção: José Mojica Marins
Roteiro: José Mojica Marins
Produção: Arildo Iruam, Geraldo Martins, Ilídio Martins
Elenco: José Mojica Marins, Magda Mei, Nivaldo de Lima, Valeria Vasquez

Por uma coincidência do destino, eis que o post de uma véspera de feriado religioso (Corpus Christi) é do maior nome do cinema de terror no Brasil: José Mojica Marins. O pioneiro e desbravador diretor do gênero fantástico no país, nos apresentou pela primeira vez em À Meia-Noite Levarei Sua Alma, seu mais famoso personagem: Zé do Caixão. O cruel e sádico coveiro nasceu de um pesadelo que Mojica teve certa noite, quando sonhou que uma figura de capa preta e cartola o perseguia, até ser arrastado em direção ao seu próprio túmulo, onde estava gravado seu nome e a data de sua morte. Mojica acordou apavorado e com a ideia do personagem que se tornaria sua marca registrada. O cineasta já tinha 27 anos e vários filmes em seu currículo, todos devidamente ignorados por público, crítica e distribuidores, quando em 1963, resolveu juntar os alunos de sua escola de atuação, pegou emprestado móveis, objetos cenográficos, construiu túmulos de papelão, roubou arbustos do Largo do Arouche em São Paulo para fazer uma floresta cenográfica e em um estúdio de 20 metros quadrados, rodou a maioria das cenas do maior clássico do cinema de horror nacional. Primeiro capítulo da trilogia que incluiria Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967)A Encarnação do Demônio (2008), narra a busca insana do coveiro Zé do Caixão em gerar um filho e perpetuar o seu sangue. Sua esposa é estéril e ele acredita que a namorada de seu melhor amigo seja a mulher ideal para lhe gerar a prole, e não mede esforços para atender suas necessidades, matando a própria esposa, o amigo e estuprando a jovem, que acaba por se suicidar. Mas antes, de se matar, ela roga uma praga que à meia-noite, mesmo horário que o noivo foi enterrado, ela voltará para puxar o pé do coveiro. Algumas passagens do filme são simplesmente sensacionais, já que Zé adora aloprar com crendices populares esdrúxulas tipicamente brasileiras. Por exemplo, logo no começo do filme, ele quer a todo custo comer carne na Sexta-Feira Santa e troca o seguinte diálogo com a esposa:
– Hoje eu como carne de qualquer jeito, nem que seja humana.
– Cuidado Zé, o diabo tenta.
– Se eu o encontrar, vou chamá-lo para jantar em casa
Sensacional, não é? E logo mostra na cena seguinte Zé se lambuzando com uma coxa de cordeiro enquanto a procissão passa ao seu lado. O Dia de Finados também não passa batido da zombaria do coveiro, desdenhando do dito popular de que quem sair à noite no dia 2 de novembro pode correr o risco de ver a procissão dos mortos. Fora isso, ele comete todo tipo de blasfêmia possível, como pegar o dinheiro e a cachaça deixada em uma macumba na encruzilhada, profanar o sono dos mortos no cemitério e negar-se a acreditar na religião, que segundo ele, é uma força criada pela ignorância. Agora imagine esse filme sendo lançado em novembro de 1964, no começo do governo militar, em um país carola e quadrado como o Brasil? Claro que foi exibido em pouquíssimas salas e gerou um enorme bate-boca com os católicos que queriam de qualquer jeito boicotar o lançamento do filme. Na verdade, o próprio brasileiro sempre renegou o cinema transgressor de Mojica, que só foi ser reconhecido fora do país, quando fez um baita sucesso nos EUA, ao ter suas fitas lançadas por lá nos anos 90, sob o codinome de Coffin’ Joe. Hoje sua importância para o cinema nacional é inegável. Fora que ele foi o apresentador do Cine Trash, que estreou no ano de 1996 na Band e foi a mais importante iniciativa para o cinema de terror já feita por uma emissora de TV no Brasil. Claro que há dezenas de defeitos técnicos no filme, afinal estamos falando de Brasil e estamos falando de um orçamento ridículo. Mas isso não deve se tornar um empecilho para ver essa obra, e sim louvá-la, afinal, a interpretação de Mojica é intensa, com seu figurino claramente inspirado em Bela Lugosi, a maquiagem, por mais tosca, até que dá para encarar. À Meia-Noite Levarei Sua Alma ganhou o prêmio L’Ecran Fantastique por sua originalidade, prêmio Tiers Monde da imprensa na Convention du Cinema Fantastique e Prêmio Especial no Festival de Cine Fantástico y de Terror de Sitges. Não poderia ficar de fora dessa lista!
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/05/29/175-a-meia-noite-levarei-sua-alma-1964/

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