Direção: Jacques Tourneur
Roteiro: Ardel Wray (baseado
na obra de Cornell Woolrich)
Produção: Val
Lewton
Elenco: Dennis
O’Keefe, Margo, Jean Brooks, Isabel Jewell, James Bell
Com o surpreendente sucesso de Sangue de Pantera, o produtor Val Lewton responsável pelo
recém criado departamento de filmes de terror da RKO Radio Pictures novamente
se une ao diretor Jacques Tourneur para levar uma segunda produção do
estúdio envolvendo felinos para as telas: O Homem
Leopardo. E novamente, o grande mérito do diretor é exatamente não
entregar o que o título do filme literalmente promete, assim como fizera com Sangue
de Pantera, não caindo na armadilha de construir um filme B, como os que eram
produzidos no Poverty Row de Hollywood, e sim investir em um incomum e classudo
terror psicológico. É impressionante o frescor e a sutileza que os filmes produzidos
por Lewton em sua breve estada como produtor de terror da RKO trouxeram para o
gênero. Porque até então, é só ver os filmes da lista, as produções eram
amplamente dominadas pelos monstros da Universal. Sabe, chega uma hora que você
não aguenta mais ver o monstro de Frankenstein, ou Drácula, ou a múmia, ou o
lobisomem na tela. E foi esse o grande diferencial: além das histórias
intrincadas, uma nova maneira de criar suspense, que transformou os filmes de
Lewton, principalmente aqueles dirigidos por Jacques Tourneur e depois por
Robert Wise, em verdadeiras gemas dentro do cinema de horror. Aqui não se faz
diferente. Em O Homem Leopardo, Kiki Walker, atriz de um clube noturno,
resolve entrar no palco com um leopardo negro, parte de uma jogada publicitária
idealizada por Jerry Manning, para impressionar todos os ali presentes.
Assustado por sua rival de palco, Clo-Clo, o leopardo escapa da coleira e foge
para o centro da cidade, espalhando o pânico e a histeria pelo Novo México. Enquanto
a polícia, Manning e o dono do felino, o domador exibicionista Charlie How-Come
procuram pelo animal solto, acuado e assustado pela perseguição, ele faz sua
primeira vítima, a garota Teresa Delgado, obrigada pela mãe mesquinha a ir na
venda tarde da noite para comprar farinha. A cena da morte (off screen) é
realmente impactante, completamente diferente do que estávamos acostumados a
ver no cinema americano nessas duas décadas. A garota vê o leopardo à espreita,
e começa a fugir desesperada até sua casa, sem nunca vermos o animal de fato
perseguindo-a. Ao chegar, apenas podemos ouvir seu desespero gritando para que
a mãe abra a porta, que simplesmente a ignora, achando que é algum tipo de
malcriação, quando ouvimos o grito de horror da menina sendo atacada. Quando
sua mãe e seu irmão mais novo tentam abrir a porta, vemos, assim como os dois,
somente uma poça de sangue se formando por debaixo do batente. Incrível. Na
verdade durante todo o filme o diretor brinca com nossos sentidos, não sendo
explícito em nenhuma cena e deixando nosso subconsciente trabalhar. A mesma
coisa quando outra vítima, Consuelo Contreras é atacada no cemitério, ou quando
Clo-Clo é assassinada em uma escura rua deserta. Apenas algumas mensagens como
o farfalhar de um galho de árvores, ou o close de pavor da vítima nos é mostrado.
É o suficiente para fazer gelar a espinha. Porém apesar das pistas óbvias, como
marcas de garras e pelos negros encontrados no local dos crimes, Manning, Kiki,
Charlie e o Dr. Gallbraith, um erudito curador do museu local e especialista em
felinos, desconfiam que não é o animal que está matando as pessoas, e sim um
psicopata desequilibrado, já que a primeira garota apenas foi morta por conta
do leopardo estar assustado e sendo perseguido. Não fazia sentido o animal não
fugir para o campo e sair matando pessoas deliberadamente, sem se alimentar
delas. Daí vamos acompanhar a investigação particular de Manning e Kiki,
desacreditados pelo chefe de polícia, e descobrir então através de uma
reviravolta final na trama, quem realmente é responsável pela matança e quais
suas verdadeiras motivações. O Homem Leopardo é um excelente filme porque
foge do óbvio. Foge de monstros, vampiros, cientistas malucos e cadáveres
mumificados que invadiam as telas de cinema na década de 40. Isso sem contar a
direção primorosa de Tourneur, com todos os pequenos detalhes que joga em cena,
ângulos inusitados para filmes de terror vistos até então, excelente uso dos
efeitos sonoros, como o constante bater de castanholas de Clo-Clo, e toda sua
sutileza para contar uma história sem transformá-la em um verdadeiro pastiche,
investindo muito mais no psicológico do que em efeitos especiais.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/01/08/53-o-homem-leopardo-1943/
Direção: Jacques
Tourner
Roteiro: Curt Siodmak, Ardel
Wray
Produção: Val Lewton
Elenco: Frances Dee, Tom
Conway, James Ellison, Darby Jones
Estava lendo o sensacional “Zumbi – O Livro dos Mortos” que rasgava elogios a produção, o
que me obrigou a assisti-lo novamente, para ter uma segunda opinião. Fato é que A
Morta-Viva é mais um filme de terror poético da safra produzida por Val
Lewton para a RKO Radio Pictures (assim como Sangue de Pantera e O Homem Leopardo, ambos também dirigidos por Jacques
Tourneur). O produtor já com carta branca após ter emplacado dois sucessos,
mais uma vez chamou Tourner e os roteiristas Curtis Siodmak (o mesmo de O Lobisomem e outros filmes de monstro da Universal) e
Ardel Wray (que assina o roteiro de O Homem Leopardo, lançado na
sequência) para a realização de um filme de zumbis. Tourner volta às raízes
haitianas do zumbi e em um filme lírico e perturbador, eleva o “monstro” a um
status de seriedade nunca antes visto, explorando todo o potencial simbólico e
religioso do morto-vivo nas telas. O enredo originalmente foi inspirado por um
artigo escrito por Inez Wallace no jornal American Weekly com o título “I
Walked With a Zombie” (nome original do filme), que na verdade era um pastiche
que copiava descaradamente as experiências relatadas por William B. Seabrook em
A Ilha da Magia. Após inúmeras mexidas no roteiro, todo o conceito foi
praticamente descartado, mantendo apenas o mercadológico título, e acabou se
transformando numa versão vodu de Jane Eyre de Charlotte Brontë, mesmo que não
creditado. A Morta-Viva começa com um plano aberto e Betsy Connell,
enfermeira contratada por Paul Holland (fazendeiro dono de uma mina de açúcar
nas Índias Ocidentais), para cuidar de sua catatônica esposa, em uma praia
andando ao lado de uma figura não identificada, e narrando em off: “Eu caminhei
com um zumbi…”. Na ilha, Betsy começa a entender a rotina disfuncional que
envolve a família Holland, desde o amargo e desiludido Paul, passando por seu
meio-irmão alcoólatra Wesley Rand e a dominadora matriarca Sra. Rand, e a
ter pistas do motivo da catatonia de Jessica, esposa de Paul. Enquanto o médico
da família aposta na teoria de uma rara febre tropical, os nativos insistem na
ideia de vodu e que ela foi transformada em um zumbi. Não demora muito para que
as peças comecem a se ligar, e Betsy descobre que Jessica e Wesley estavam
tendo um caso, sendo que a mesma adoeceu pouco antes de um plano secreto de
ambos fugirem juntos. Nesse ínterim, Betsy se apaixona por Paul e mesmo com
todo amor aflorado, resolve fazer de tudo para tentar reanimar Jessica, até
mesmo através de medidas extremas, como levá-la a uma igreja vodu no meio do
canavial, onde se depara com a assustadora figura de Carrefour, o zumbi local
de olhos arregalados e expressão sinistra, além de outras revelações envolvendo
os próprios Holland/Rand. O filme todo é permeado em um questionamento
interminável, de que se realmente o que acontece possui alguma causa ou
explicação científica ou mesmo se os acontecimentos cruciais do final do filme
são frutos de feitiçaria. Ninguém consegue estabelecer um padrão patológico,
mental ou espiritual para a condição de Jessica, e o filme termina mesmo sem
deixar essa reposta. Assim como a cena inicial que não tem uma continuidade, e
tampouco fica claro quando, como e porquê, Betsy caminhou com o zumbi, já que
fica apenas subentendido e a cena não se repete até o fim da película. Um filme
artístico de zumbi é apenas um resumo dessa obra complexa e misteriosa, que
nunca mais seria repetido, principalmente após o morto-vivo virar sinônimo de gore no
cinema de terror atual.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/01/09/5-a-morta-viva-1943/
#055 1943 A SÉTIMA VÍTIMA (The
Seventh Victim, EUA)
Direção: Mark
Robson
Roteiro: Charles
O’Neal, DeWitt Bodeen
Produção:
Val Lewton
Elenco: Tom
Conway, Jean Brooks, Isabel Jewell, Kim Hunter, Evelyn Brent, Hugh Beaumont
Como já venho dito por aqui, a
safra de filmes de terror da RKO Radio Pictures produzidas por Val Lewton de
1942 a 1946, foi um verdadeiro divisor de águas no gênero, indo em contramão de
tudo que a Universal vinha fazendo até então, explorando suas franquias de
monstros até não poder mais. A Sétima Vítima, primeiro filme do até então montador Mark
Robson é mais um tiro certeiro do estúdio.Mais uma vez é utilizada a fórmula
que consagrou as produções de terror do estúdio, estipuladas por Lewton: “uma
história de amor, três cenas de horror apenas sugeridos e uma de violência
explícita. Tudo terminado em 70 minutos”. Com enfoque muito maior em uma
história de suspense, com conteúdo adulto e expressão do medo sugerido ao invés
do explícito, A Sétima Vítima lida com um tema pouquíssimo explorado
até então no cinema, porém controverso até os dias de hoje: uma seita satânica.
Em uma trama mórbida e pessimista, Mary Brooks (interpretada por Kim Hunter),
uma doce e singela garota órfã é obrigada a se mudar para Nova York em busca de
sua irmã Jacqueline, desaparecida sem deixar nenhuma pista. Então em um clima
crescente de suspense que prende a atenção do espectador, contado por uma
intricada teia de acontecimentos, Mary acaba se aproximando do Dr. Gregory Ward
(Hugh Beaumont), que na verdade é marido de Jacqueline, que também não obteve
sucesso em descobrir o paradeiro da garota. Auxiliada pelo psicanalista Dr.
Louis Judd (Tom Conway) e pelo poeta decadente Jason Hoag, Mary descobre que
sua irmã vem sendo protegida pelo médico de uma terrível seita diabólica
conhecida como Paladistas, culto a qual ela era adepta até então, mas está
sendo perseguida exatamente por revelar alguns detalhes do grupo secreto, e
segundo um dos principais mandamentos da seita, qualquer pessoa que revele
algum segredo interno é considerada uma traidora, e aos traidores é reservada a
morte. E no caso, essa é a sétima vez que isso acontece, sendo que em todas as
outras seis, o responsável foi assassinado. Por isso o título do filme. O
grande problema é que Jacqueline encontra-se perdida e sem saber o que fazer, e
depois que é descoberto seu paradeiro, continua fragilizada e assustada, tendo
que lutar por sua vida contra a conspiração. Como se não bastasse, Mary e Ward
acabam se apaixonando. Ou seja, A Sétima Vítima é recheado de
personagens solitários, dúbios e calculistas que lutam contra sentimentos
distintos em uma trama que mistura razão e medo. O final é completamente fora
dos padrões do que vínhamos vistos até então (ALERTA DE SPOILER): por fim
Jacqueline acaba se suicidando em um ato desesperado, abrindo caminho para que
a irmã e o ex-marido acabem juntos. Apesar de o roteiro ser meio corrido e
apresentar alguma fragilidade, deixando passar alguns detalhes que poderiam ser
muito mais perturbadores e bem aproveitados se o filme não fosse resultado de
um orçamento limitado e metragem tão curta, algumas cenas são bastante
memoráveis, prova de que Robson seguiu a cartilha que Jacques Torneur havia
criado nos filmes anteriores para a RKO, comoSangue de Pantera, A Morta-Viva e O Homem Leopardo, utilizando muito bem o jogo de luz e sombras
e mensagens subentendidas, abusando dos nervos do espectador ao limite e nunca
deixando nada escancarado. Duas sequências chamam muito a atenção em A
Sétima Vítima: A primeira é uma cena em que Mary está no chuveiro e é visitada
pela lésbica Sra. Redi, ex-sócia de Jacqueline em uma indústria de cosméticos,
também participante da seita. Mary está a mercê da vilã, protegida apenas por
uma cortina de plástico, onde vemos a heroína de costas e a sombra de Redi ao
fundo, lembrando muito, mas muito mesmo, a clássica cena do chuveiro de Psicose (lançado quase vinte anos
depois). Outra é quando nos é apresentada a ordem dos Palladi, um grupo de
homens e mulheres da alta sociedade que praticam adoração ao diabo (porém sem
nenhuma referencia concreta a sacrifícios ou bruxarias, mais uma vez mantendo-se
as ideias no campo da especulação), que também lembra muito outros cultos
conspiratórios de filmes como O Bebê de
Rosemary e As Bodas de
Satã da Hammer. A Sétima Vítima é mais um excelente
exemplar do que Val Lewton conseguiu fazer com o cinema de horror, que além de
imprimir uma nova forma de assustar e de contar histórias com um potencial
psicológico muito maior para uma plateia mais refinada, percebe-se claramente
toda a influência que seus filmes deixaram para a posterioridade, além de
sempre manter um pé em temas modernos e atemporais, como: uma seita satânica
aristocrática e suicídio aqui; repressão feminina e sexualidade em Sangue
de Pantera; cárcere, obsessão e cerceamento das vontades em A Morta Viva;
e um assassino com desequilíbrios mentais vítima de um acontecimento chocante
em O Homem Leopardo. Temas esses que não cairiam no problema de se
tornarem datados e ingênuos com o passar dos anos, como grande parte dos filmes
da época.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/01/10/55-a-setima-vitima-1943/
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