Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Produção: Veit Heiduschka
Elenco: Susanne Lothar,
Ulrich Mühe, Arno Frisch, Frank Giering, Stephan Clapczynksi, Doris Kuntsmann,
Christoph Bantzer
Uma
das grandes habilidade cinematográficas do austríaco Michael Haneke é sua
capacidade em fazer seus filmes não passarem incólumes ao espectador. Sujeito
formado em psicologia e filosofia, o diretor adora abordar temas como trauma,
violência, opressão, sadismo, sexualidade e inaptidão nas relações dos
indivíduos. Violência
Gratuita é a prova cabal de tudo isso daí que escrevi.
Um filme controverso, com a capacidade crua de chocar o público que entra
naquele grupo de produções “ame ou odeie”, simplesmente pelo fato de explorar a
violência de um jeito brutal, quase como um tratado do gênero e da influência e
apreço por ela no audiovisual (a inspiração e ao mesmo tempo, crítica a Laranja
Mecânica de Kubrick se faz aqui presente nesses termos). O título em
português, apesar de perder a força de seu original, “Funny Games”, deixa
implícito exatamente esse sentimento, uma vez que também os atos de barbárie
aqui praticados são simplesmente gratuitos. Um casal rico, Anna (Susanne
Lothar) e Georg (Ulrich Mühe) vai passar um final de semana em sua casa no
lago, junto de seu filho, Schorschi (Stefan Clapczynski) quando dois jovens,
Paul (Arno Frisch) e Peter (Frank Giering) o tomam como reféns, sem nenhum
motivo aparente, apenas pelo desejo de tortura-los física e psicologicamente, e
vencer uma sádica aposta. O nível absurdo de tensão psicológica crescente, a
brutalidade, a ausência de trilha sonora e o fato de colocar o espectador como
uma testemunha presencial, transforma a experiência de Violência
Gratuita em poderosíssima e desconfortável. Isso sem contar a
intensidade da interpretação de seus atores, dando aí um destaque incrível para
Lothar, que chega ao seu limite físico de uma extenuação ímpar, de esgotamento
pungente, tendo de ser a força motriz daquela família em busca de
sobrevivência, uma vez que desde o começo vê-se que o seu marido não tem
estrutura psicológica e força física para lidar com a situação e mostra-se
impotente, frágil e resignado, enquanto sua personagem vai crescendo quadro a
quadro. A frieza de Frisch e Giering, misturadas com seu cinismo e niilismo, também
são verdadeiramente assustadoras, mostrando-os como monstros amorais que vivem
em um quase sem sentido ciclo de psicopatia. Haneke impõe uma experiência
sensorial de desgaste e abominação ao público, demonstrando que mais que um
filme, Violência Gratuita é um estudo de caso sobre a
manipulação do espectador, de suas emoções mais primais, causando desconforto,
tanto nas cena de ameaça e violência conduzida com absurdos requintes de
crueldades pelos dois jovens, que fica-se subentendido não ter nenhum tipo de
moral ou convenção social, e tampouco falta de estrutura que o teriam nos
levado aquela situação, quanto nos tais “jogos engraçados” que joga com o
sujeito que está do outro lado da tela, como o uso da desconcertante trilha
sonora heavy metal no começo do filme, sobrepujando uma outrora música
clássica, ou como os momentos em que Paul literalmente quebra a quarta parede.
Aliás, esse para mim é o grande pulo do gato de Haneke. Aqui nesse momento, ele
desconstrói sua fita e atinge em cheio aqueles que, como eu incluso, apreciam
esse tipo de filme. Aqui toda a suspensão da descrença é derrubada e tudo
torna-se ainda mais ficcional, no momento em que Paul conversa com o
espectador, com você, aquele que alimenta os dois psicopatas que torturam uma
pobre família indefesa simplesmente por apreciar assistir a esse tipo de coisa.
É uma artifício de escape para algo bastante pesado, quando ele quebra a ilusão
da sétima arte, assim como desenvolvido pelo teatro épico de Bertoldt Brecht,
com o personagem dirigindo sua atenção para a plateia, tomando conhecimento que
tanto eles, quanto suas ações, não são reais. E mais ainda, dá poder aos
personagens de alterar seu destino e seus acontecimentos, tanto que Paul até
faz as vezes do diretor, colocando-se à parte do filme e rebobinando-o para
reeditá-lo ao seu bel-prazer, para que funcione não só como seja conveniente a
ele, mas também que entregue aquilo que o espectador realmente quer ver.
Daí acende a luz na sua cabeça para pensar não no atos dos dois facínoras, ou
no desespero daquela família em tentar sobreviver ao inferno, mas sim ao papel
que nos cabe nesse latifúndio chamado cinema e a audiência que damos para isso,
e aí estão os programas policiais vespertinos para corroborar minha hipótese. A
dose cavalar de sadismo e crueldade no longa de Haneke difere muito, por
exemplo, da ultraviolência da recente leva dos torture porn, que esses sim, são violência gratuita de
verdade. Na real, o austríaco nunca quis que a fita fosse um filme de terror.
Sua ideia era que na verdade funcionasse com um fundo moralista que comentasse
sobre a influência da violência na mídia para a sociedade, um tema pelo qual
Haneke é apaixonado e até se vê presente em sua filmografia. Durante as
filmagens ele disse ao produtor, Veit Heiduschka, que se aquele filme fosse um
sucesso, seria porque a audiência não havia entendido a razão por trás dele.
Fato é que Haneke mais uma vez tentou levar essa sua teoria a prova, e em 2007,
realizou uma refilmagem americana de Violência Gratuita, quadro a
quadro, diálogo a diálogo, mudando apenas os atores (incluindo aí Naomi Watts,
Tim Roth e Michael Pitt). Não é ruim (como por exemplo a abominável refilmagem
de Psicose de Gus Van Sant), porém perde-se o impacto ao ver o
europeu primeiro, e mostra-se até desnecessário e discutível, a não ser pelo
fato de atingir o público americano, que com aquele seu jeito ignorante e
imperialista ao extremo, simplesmente não assiste nada que não fale sua língua.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2015/07/14/685-violencia-gratuita-1997/
922 1997 1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER
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