sexta-feira, 9 de setembro de 2016

#694 1999 AUDITION (Ôdishon / Audition, Japão, Coreia do Sul)


Direção: Takashi Miike
Roteiro: Daisuke Tengan (Baseado no livro de Ryû Murakami)
Produção: Satoshi Fukushima e Akemi Suyama, Toyoyuki Yokohama (Produtor Executivo)
Elenco: Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura

Takashi Miike é um dos mais lunáticos, controversos e violentos cineastas japoneses. É um dos diretores preferidos de nomes como Quentin Tarantino, Eli Roth e John Landis para vocês terem uma ideia. Seus filmes geralmente são carregados com um enorme conteúdo gráfico. E apesar de muita produção absurda em sua carreira, Audition certamente ganha de todas. E o mérito de Miike é exatamente por ele enganar o espectador direitinho, arrastando o filme ao extremo só para chegar ao seu final doentio causando um impacto tão grande, que seu nível de sadismo chega até ser desconcertante. Você de forma alguma está preparado para ver aquilo. De uma história mela cueca sobre estar apaixonado e encontrar um novo amor que você considera sublime e singelo, ele dá uma guinada tão maluca, que até a narrativa deixa de ser linear, você é jogado em meio a um pesadelo visceral, que deixaria o Marquês de Sade corado, e vai enfiando elementos sinistros e desconexos até seu final apelativo. O que era doce, delicado e até piegas em certo ponto, acaba virando um relato sobre a verdadeira monstruosidade humana. Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois, como diz o sábio ditado popular. Com quase duas horas de duração, a primeira hora é um baita novelão conduzido com extrema perfeição por Miike, para contar a história de Ayoama, um executivo de TV, que logo no começo do longa perde sua esposa para uma doença fatal, deixando-o viúvo e seu pequeno filho órfão de mãe, justo enquanto o menino andava no corredor do hospital levando flores e um cartão de melhoras para ela. Pois bem, a cena corta para dez anos depois, e pai e filho estão pescando, e em uma conversa durante o jantar, ele pergunta quando seu pai irá se casar de novo, pois acredita já ser um bom momento para o solitário homem arrumar uma companheira. Ao levar suas indagações para seu amigo Yoshikawa, ele tem a brilhante ideia de realizar uma audição (daí o título original) para um filme falso, e assim entrevistar dezenas de mulheres e encontrar a perfeita para Aoyama. Olha a falta que fazia o Tinder naqueles dias. A cena dos testes é uma verdadeira piada. O dramalhão vira então um pastiche com a apresentação das candidatas. Porém isso era um jogo de cartas marcadas, pois Aoyama já havia se interessado por Asami Yamazaki, uma garota tímida que tinha mandando seu currículo, ex-bailarina, que mostrava uma vida sofrida e digna de compaixão. Não deu outra: Aoyama chama Asami para um encontro, depois outro, e acaba ficando perdidamente apaixonada pelo jeito singelo, inocente e introspectivo da moça. E isso indo contra todas as broncas de Yoshikawa, que o alertava para desistir da garota, pois seu santo não tinha batido com o dela e desconfiava de alguma coisa, principalmente depois dela mentir em seu currículo, dizendo que tinha contatos com um produtor musical de uma gravadora, que misteriosamente estava desaparecido. E em uma cena emblemática você começa a perceber que alguma coisa está seriamente errada, quando ela obcecada fica esperando o telefonema do pretendente, sentada toda encurvada no chão, com um gigante saco ao fundo que se mexe de um lado para o outro. BI-ZAR-RO! Pois bem, Aoyama decide que ela é a tal e vai propor a sua mão em casamento. Para isso a leva em uma viagem romântica e se hospedam em uma pousada na costa. Naquela mesma noite eles transam. Detalhe que a garota tem uma imensa marca de queimaduras na perna. Ao acordar, Aoyama descobre que ela havia ido embora sem deixar nenhum recado. E sumido para valer, sem deixar vestígios, sem atender os telefonemas. É quando Aoyama decide procurá-la a qualquer custo. E a próxima hora de filme é que você entra na montanha-russa sem a trava de segurança, porque todo o mamão com açucar e o imbróglio com que Miike te ludibria até então, vai ser jogado às favas em prol da demência lisérgica que vem a seguir. Em sua investigação particular, Aoyama primeiro vai até o antigo estúdio de balé e encontra uma figura sinistra pacas, que fica em uma cadeira de rodas, e em seus malucos flashbacks, você começa a sacar que Asami era torturada e molestada quando criança por aquele tiozinho. Boa coisa não virá daí. Na sequência ele segue para um bar onde ela dizia que trabalhava três vezes por semana. Ao chegar lá, o bar estava fechado há um ano e o dono havia sido completamente mutilado. E quando a polícia tentou remontar seu corpo, encontraram três dedos, uma orelha e uma língua a mais! Miike perde completamente o senso daqui para frente, e em meio a flashbacks, narrativas completamente não lineares e cenas que mais parecem um pesadelo psicótico, ele vai entregando diversas informações quebradas para você ir colocando os pingos nos is. E toda a questão machista e misógina que o filme levanta até então, de um homem usar de meios nem um pouco éticos para encontrar uma mulher através de uma nefasta audição para um papel de heroína de um filme, ou mesmo o velho professor de dança tarado e torturador, vai de encontro com situações de misandria levantada a partir dessas percepções finais, através da garota tímida, frustrada e violentada, que vê o homem como o mal do mundo onde todos são iguais e incapazes de amar, e eles devem ter o que merecem. Eu não quero estragar o final do filme com um SPOILER do tamanho de um bonde, mas pense que os vinte minutos finais da fita é uma das piores cenas de tortura já vistas no cinema. E esqueça o neo-exploitation e o torture porn de filmes como O Albergue ou Jogos Mortais. Nããããão. Ela é poética, delicada, repleta de requintes de crueldade, envolvendo agulhas, pontos nervosos do corpo humano e uma espécie de arame capaz de cortar carne e osso. Pronto, parei por aqui. O resto você tem que ter estômago e ver com seus próprios olhos. E já tendo assistido ao filme antes, certa vez ele foi exibido em uma mostra no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo, chamada “Alta Tensão”, onde somente filmes extremos de suspense e terror foram exibidos. E eu um colega de trabalho fizemos questão de ir a uma sessão pública de Audtion só para conferirmos as reações alheias durante a cena de tortura. Audition no final das contas é uma ode à desilusão. Os personagens não tem um final feliz, você não vai encontrar o amor da sua vida, quando você encontrar ele é tirado de você ou por uma doença ou por uma psicose. Você está fadado a viver em um mundo solitário, desesperançoso e completamente retorcido. E as situações de vida podem levar pessoas a cometerem qualquer tipo de loucura. Já dizia Goya que: “O sono da razão produz monstros”. Takashi Miike e Audition não só nos mostram esses monstros, como os alimenta.
FONTE: http://101horrormovies.com/2015/07/29/694-audition-1999/

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