Direção: Takashi
Miike
Roteiro: Daisuke
Tengan (Baseado no livro de Ryû Murakami)
Produção: Satoshi
Fukushima e Akemi Suyama, Toyoyuki Yokohama (Produtor Executivo)
Elenco: Ryo
Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura
Takashi
Miike é um dos mais lunáticos, controversos e violentos cineastas japoneses. É
um dos diretores preferidos de nomes como Quentin Tarantino, Eli Roth e John
Landis para vocês terem uma ideia. Seus filmes geralmente são carregados com um
enorme conteúdo gráfico. E apesar de muita produção absurda em sua
carreira, Audition certamente
ganha de todas. E o mérito de Miike é exatamente por ele enganar o espectador
direitinho, arrastando o filme ao extremo só para chegar ao seu final doentio
causando um impacto tão grande, que seu nível de sadismo chega até ser
desconcertante. Você de forma alguma está preparado para ver aquilo. De uma
história mela cueca sobre estar apaixonado e encontrar um novo amor que você
considera sublime e singelo, ele dá uma guinada tão maluca, que até a narrativa
deixa de ser linear, você é jogado em meio a um pesadelo visceral, que deixaria
o Marquês de Sade corado, e vai enfiando elementos sinistros e desconexos até
seu final apelativo. O que era doce, delicado e até piegas em certo ponto,
acaba virando um relato sobre a verdadeira monstruosidade humana. Mas não vamos
colocar a carroça na frente dos bois, como diz o sábio ditado popular. Com
quase duas horas de duração, a primeira hora é um baita novelão conduzido com
extrema perfeição por Miike, para contar a história de Ayoama, um executivo de
TV, que logo no começo do longa perde sua esposa para uma doença fatal,
deixando-o viúvo e seu pequeno filho órfão de mãe, justo enquanto o menino
andava no corredor do hospital levando flores e um cartão de melhoras para ela.
Pois bem, a cena corta para dez anos depois, e pai e filho estão pescando, e em
uma conversa durante o jantar, ele pergunta quando seu pai irá se casar de
novo, pois acredita já ser um bom momento para o solitário homem arrumar uma
companheira. Ao levar suas indagações para seu amigo Yoshikawa, ele tem a
brilhante ideia de realizar uma audição (daí o título original) para um filme
falso, e assim entrevistar dezenas de mulheres e encontrar a perfeita para
Aoyama. Olha a falta que fazia o Tinder naqueles dias. A cena dos testes é uma
verdadeira piada. O dramalhão vira então um pastiche com a apresentação das
candidatas. Porém isso era um jogo de cartas marcadas, pois Aoyama já havia se
interessado por Asami Yamazaki, uma garota tímida que tinha mandando seu
currículo, ex-bailarina, que mostrava uma vida sofrida e digna de compaixão. Não
deu outra: Aoyama chama Asami para um encontro, depois outro, e acaba ficando
perdidamente apaixonada pelo jeito singelo, inocente e introspectivo da moça. E
isso indo contra todas as broncas de Yoshikawa, que o alertava para desistir da
garota, pois seu santo não tinha batido com o dela e desconfiava de alguma
coisa, principalmente depois dela mentir em seu currículo, dizendo que tinha
contatos com um produtor musical de uma gravadora, que misteriosamente estava desaparecido.
E em uma cena emblemática você começa a perceber que alguma coisa está
seriamente errada, quando ela obcecada fica esperando o telefonema do
pretendente, sentada toda encurvada no chão, com um gigante saco ao fundo que
se mexe de um lado para o outro. BI-ZAR-RO! Pois bem, Aoyama decide que ela é a
tal e vai propor a sua mão em casamento. Para isso a leva em uma viagem
romântica e se hospedam em uma pousada na costa. Naquela mesma noite eles
transam. Detalhe que a garota tem uma imensa marca de queimaduras na perna. Ao
acordar, Aoyama descobre que ela havia ido embora sem deixar nenhum recado. E
sumido para valer, sem deixar vestígios, sem atender os telefonemas. É quando
Aoyama decide procurá-la a qualquer custo. E a próxima hora de filme é que você
entra na montanha-russa sem a trava de segurança, porque todo o mamão com
açucar e o imbróglio com que Miike te ludibria até então, vai ser jogado às
favas em prol da demência lisérgica que vem a seguir. Em sua investigação
particular, Aoyama primeiro vai até o antigo estúdio de balé e encontra uma
figura sinistra pacas, que fica em uma cadeira de rodas, e em seus
malucos flashbacks, você começa a sacar que Asami era torturada e
molestada quando criança por aquele tiozinho. Boa coisa não virá daí. Na sequência
ele segue para um bar onde ela dizia que trabalhava três vezes por semana. Ao
chegar lá, o bar estava fechado há um ano e o dono havia sido
completamente mutilado. E quando a polícia tentou remontar seu corpo,
encontraram três dedos, uma orelha e uma língua a mais! Miike perde
completamente o senso daqui para frente, e em meio a flashbacks,
narrativas completamente não lineares e cenas que mais parecem um pesadelo
psicótico, ele vai entregando diversas informações quebradas para você ir
colocando os pingos nos is. E toda a questão machista e misógina que o filme
levanta até então, de um homem usar de meios nem um pouco éticos para encontrar
uma mulher através de uma nefasta audição para um papel de heroína de um filme,
ou mesmo o velho professor de dança tarado e torturador, vai de encontro com
situações de misandria levantada a partir dessas percepções finais,
através da garota tímida, frustrada e violentada, que vê o homem como o mal do
mundo onde todos são iguais e incapazes de amar, e eles devem ter o que
merecem. Eu não quero estragar o final do filme com um SPOILER do
tamanho de um bonde, mas pense que os vinte minutos finais da fita é uma das
piores cenas de tortura já vistas no cinema. E esqueça
o neo-exploitation e o torture porn de filmes como O
Albergue ou Jogos Mortais. Nããããão. Ela é poética, delicada, repleta
de requintes de crueldade, envolvendo agulhas, pontos nervosos do corpo humano
e uma espécie de arame capaz de cortar carne e osso. Pronto, parei por aqui. O
resto você tem que ter estômago e ver com seus próprios olhos. E já tendo
assistido ao filme antes, certa vez ele foi exibido em uma mostra no Centro
Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo, chamada “Alta Tensão”, onde
somente filmes extremos de suspense e terror foram exibidos. E eu um colega de
trabalho fizemos questão de ir a uma sessão pública de Audtion só
para conferirmos as reações alheias durante a cena de tortura. Audition no
final das contas é uma ode à desilusão. Os personagens não tem um final feliz,
você não vai encontrar o amor da sua vida, quando você encontrar ele é tirado
de você ou por uma doença ou por uma psicose. Você está fadado a viver em um
mundo solitário, desesperançoso e completamente retorcido. E as situações de
vida podem levar pessoas a cometerem qualquer tipo de loucura. Já dizia Goya
que: “O sono da razão produz monstros”. Takashi Miike e Audition não
só nos mostram esses monstros, como os alimenta.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2015/07/29/694-audition-1999/
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