sábado, 20 de agosto de 2016

#673 1997 ADVOGADO DO DIABO (Devil’s Advocate, EUA / Alemanha)


Direção: Taylor Hackford
Roteiro: Jonathan Lemkin, Tony Gilroy (baseado no livro de Andrew Neiderman)
Produção: Anne Kopelson, Arnold Kopelson, Arnon Milchan; Stephen Brown (Coprodutor); Barry Bernardi, Taylor Hackford, Erwin Stoff, Michael Tadross, Steve White (Produtores Executivos)
Elenco: Keanu Reaves, Al Pacino, Charlize Theron, Jeffrey Jones, Judith Ivey, Connie Nelsen, Craig T. Nelson

Lembro como foi mind blowing para mim assistir Advogado do Diabo lá em 1998, quando aluguei o VHS na saudosa locadora do bairro. Foi aquele plot twist, que hoje é manjadíssimo, mas era simplesmente fantástico no auge dos meus 16 anos, e seu final absolutamente sacana que contribuíram para que desde então, o longa do diretor Taylor Hackford, me conquistasse e tivesse um local reservado no meu coração, e isso por um principal motivo: O grande e eloquente discurso de Al Pacino na sequência final, que com o perdão do trocadilho, é diabolicamente delicioso! Talvez o último grande papel do ator, que apesar de mostrar-se mais um arrogante e sádico sedento por sangue, até de forma caricata por assim dizer, que um demônio classudo, parece ter caído como uma luva, cada vez que utiliza uma metáfora habilmente jogada no decorrer do longa (como, por exemplo, enfatizar que só anda de metrô pelo subterrâneo) até chegar até a explosão de falácia herege que desconserta qualquer um e deve deixar os cabelos dos carolas em pé. Afinal, refletindo um pouco do contexto e tirando o clichê da concepção do Anticristo e tudo mais, as ácidas palavras contra “Nosso criador” proferidas pelo egoísta e ciumento anjo caído portador da luz, é de uma sabedoria mórbida absurda. Falo isso como um ateu e penso que se realmente Deus existisse, ele de fato é o sacana que Milton vocifera naquele discurso onde tenta convencer o Kevin Lomax de Keanu Reaves, o tal “advogado do diabo” do título. Um sujeitinho entediado, que se diverte com a quantidade de desgraça, humilhação e sofrimento alheio colocado em nossas costas, sendo apenas um mero espectador zapeando seu reality show universal e dando a mínima para nossa súplicas e instintos (o que ele estaria no completo direito dele se fosse essa entidade que nos fez a imagem e semelhança como as papagaiadas judaico-cristãs prezam). O prazer doentio no conjunto de regras e pecados que Deus nos impôs é explicado quase de forma didática ao melhor estilo “tapa na cara”, que impossível não levar a sério o que o Capeta está falando. Apesar de sempre focar na questão do livre arbítrio, que foi talvez a maior dádiva do Criador para nossa espécie, e algo que o Diabo não consegue entender e sempre tenta barganhar contra isso usando de sua influência pecaminosa, há toda aquela controvérsia inerente de seu sádico conjunto das regras do jogo escancaradas na sensacional passagem: “Veja, mas não toque. Toque, mas não prove. Ok, prove, mas não engula” (aí já tem uma puta conotação sexual, o que também é impreterivelmente divertido e perspicaz) completando com: “Enquanto o homem pula de pé em pé, Deus fica rindo em sua particular comédia cósmica”. E ai se você desobedecer uma dessas regras: tu está condenado a danação eterna, mesmo que muitas delas simplesmente vão ao contrário do que define o ser humano por característica, mas beleza. Já Milton, o Diabo, Satanás, Coisa-Ruim, a Besta, Belzebú, etc (que eu também não acredito tanto quanto Deus, para ninguém me chamar de satanista ou coisa do tipo) sempre alimentou todos os instintos da humanidade, e esteve sempre do lado do homem, apesar de suas imperfeições, porque oras, ele É FÃ DO HOMEM como grita com gosto (e Pacino mita!) E outra pérola de sabedoria xula desse grande momento do cinema é enfatizar que o Século XX foi completamente dele. Foi e continua sendo, e acredito que a crescente intolerância religiosa e fanatismo fundamentalista que vivemos nesse Século XXI de merda pós 11 de setembro (e que no Brasil anda ganhando contornos absurdos com requintes de Idade Média naquela discussão interminável da inoperância efetiva do Estado Laico e do discurso abusivo anti-humanitário evangélico principalmente) é nada mais que mais uma vitória, importantíssima, diga-se de passagem, do Demo nessa “suposta guerra celestial” pelas nossas almas. E todo esse textão que parece mimim de redes sociais de minha parte porquê? Para enfatizar que se não fosse essa cena, esse discurso de Pacino, Advogado de Diabo seria um filme de suspense qualquer, mediano, até esquecível, com uma ou outra cena interessante (e não tô dizendo só da Charlize Theron pelada não, tá?), clichê, previsível, com uma reviravolta final mas sem nenhum arroubo de grandeza, e claro, com Keanu Reaves sendo Keanu Reaves (acho que isso fala por si só). E ah, não posso me esquecer da cena final, daquela risada filha da puta de Al Pacino para a câmera dizendo que a “vaidade, com certeza é meu pecado preferido…”, ao ludibriar mais uma vez o talentoso e tapado advogado, mostrando que ele tem dezenas de formas de convencer o homem falho. Lide com isso ou corra para o próximo culto. Bom, o próprio nome do filme já é um spoiler, certo? Apesar do inteligente trocadilho, uma vez que o termo “advogado do diabo” surgiu originalmente utilizado pela Igreja Católica como o sujeito que apresentaria provas contra o candidato a beatificação, e depois tornou-se uma expressão popular daquele que tece um argumento contrário contra a maioria para testar sua aplicabilidade, Kevin Lomax, o advogado em ascensão em uma cidadezinha na Flórida que nunca perdeu nenhum caso, mesmo sabendo da culpa de seus clientes (como o professor pedófilo do julgamento do início do longa) e que aprendera a escolher júri escutando clandestinamente durante anos, os jurados deliberarem por um buraco na parede da sala, é contratado para trabalhar numa poderosa empresa de advocacia, que tem como CEO o Capiroto. Mudando para a cidade grande com sua esposa, Mary Ann (Theron), Lomax modifica radicalmente seu estilo de vida, vivendo em um apartamento luxuoso na Big Apple, ganhando rios de dinheiro, conquistando os holofotes, rodeado de mulheres lindas e tentadoras, focando-se cada vez mais na carreira, se tornando um advogado vaidoso e sem escrúpulos, deixando de lado todos os valores familiares em nome da ganância e sucesso, enquanto sua mulher vai sendo relegada e sucumbindo a um jogo de tortura psicológica proferido por Milton e suas demoníacas criaturas, que a levarão ao terror absoluto e limiar da razão. Mas ainda assim, Milton usa do subterfúgio do livre arbítrio de Lomax (porque o de Mary Ann não vale absolutamente nada para ele) para que ele desista do grande caso de sua vida e acompanhe a saúde debilitada da esposa, mas claro que a escolha do ambicioso personagem é com relação a sua carreira. Só depois, que a culpa funcionará em conjunto com o livre arbítrio para interferir no plano do Satã em usá-lo para gerar um  filho com sua meia-irmã, que por sinal também trabalha na firma.
ALERTA DE SPOILER se você nunca assistiu ao filme, pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
Ah, aliás, Lomax é filho de Milton, que seduziu e engravidou sua mãe beata durante uma visita missionária para NY há trinta anos. Ou seja, toda sua vidinha ordinária e carreia de sucesso foram seguidas de perto por forças ocultas, preparando Lomax para aquele momento em que ele e sua meia-irmã, com quem cometeria incesto, conduzisse seus negócios pelo próximo milênio que se aproximava. Originalmente, Pacino recusara o papel CINCO VEZES porque o filme seria um blockbuster cheio de efeitos especiais (tipo Fim dos Dias, saca?) e sem toda a pegada de horror psicológico, mas depois do roteiro ser reescrito diversas vezes por Hackford, finalmente Pacino cedeu (ainda assim achando que não era a pessoa indicada, que o papel deveria ir para Sean Connery ou Robert Redford), dando sua inestimável contribuição como John Milton, nome que por sua vez foi inspirado naquele John Milton autor de “Paraíso Perdido”, obra do século XVII sobre a queda do homem por meio da tentação de Adão e Eva por Lúcifer e sua expulsão do Jardim do Éden. A frase, também dita no discurso final: “Melhor reinar no Inferno que servir no Céu” é retirado do poema. Em 1994, Joel Schumacher havia sido selecionado para dirigir a adaptação do livro homônimo de Andrew Neiderman (descoberto mais tarde ser o escritor fantasma da falecida Virginia C. Andrews, que deu continuidade a sua obra) com Brad Pitt no papel de Lomax (Christian Slater, John Cusack e Edward Norton foram considerados para o elenco naquela oportunidade).  Três anos depois Hackford (que dirigira anteriormente o ótimo Eclipse Total e mais tarde o Oscarizado Ray) ficou com a cadeira do diretor e com Al Pacino e seu inflamado discurso final, foram os o responsáveis pelo sucesso e méritos de Advogado do Diabo, transformando-o num grande filme.
FONTE: http://101horrormovies.com/2015/06/19/673-advogado-do-diabo-1997/

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