terça-feira, 31 de maio de 2016

#607 1990 A NOITE DOS MORTOS-VIVOS (Night of the Living Dead, EUA)


Direção: Tom Savini
Roteiro: George A. Romero
Produção: John A. Russo, Russell Streiner; Christine Forrest (Produtora Associada); Menahem Golan, George A. Romero (Produtores Executivos)
Elenco: Tony Todd, Patricia Tallman, Tom Towles, McKee Anderson, William Butler, Katie Finneran

A palavra REFILMAGEM é suficiente para causar certa ojeriza nas pessoas. Quando se usa o termo REFILMAGEM para talvez o mais importante filme de horror de todos os tempos, o responsável pelo surgimento do cinema de terror americano moderno, uma obra seminal dirigida por um jovem cineasta brilhante em inspirador início de carreira, a reação pode beirar o pânico. É isso que talvez possa acontecer no caso de A Noite dos Mortos-Vivos, a atualização colorida do clássico de George A. Romero, dirigida por Tom Savini, lançada 22 anos depois do original. Mas, felizmente, podemos respirar aliviados, pois o trabalho não ficou aquém ao original, muito pelo contrário, consegue até superá-lo em determinados aspectos, por conta do avanço tecnológico, das possibilidades estéticas e do orçamento maior. O que poderia ser mais um problema, afinal você pegar um clássico do “underground”, do cinema de terror independente, de autor, e colocar na mão de uma Columbia Pictures da vida, feito sob encomenda para uma restrição R, em tempos que os italianos redefiniram os rumos do gore na década passada, é um tanto quanto preocupante. Mas tranquiliza o fato de saber que Savini e Romero estão envolvidos, esse último, o pai do zumbi como conhecemos hoje, como produtor executivo e roteirista, baseado no seu próprio texto escrito com John Russo. Outro fator é que Romero envolvido no projeto e dando o sinal verde sinaliza que de certa forma toda a preocupação artística e de conteúdo ficou para trás, lá em 1968, e a sua necessidade neste momento, e tanto quanto legítima, era ganhar dinheiro em cima de uma obra que ele recebeu praticamente nenhum tostão. Para quem não sabe, A Noite dos Mortos-Vivos original é de domínio público por conta de uma trapalhada dos produtores que deixaram de forma vexatória e amadora o aviso de direitos autorais de fora da cópia original. Então o remake foi feito sob medida para maximizar a rentabilidade e uma compensação financeira depois de tudo. Fora isso, lá em 1990 vivíamos uma desconfiança sobre o zumbi, muito por conta da sua desconstrução e os caminhos cinematográficos que o morto-vivo percorreu durante os anos 80 (assim como o próprio cinema de terror em si). “Thriller” sepultou a reputação assustadora e pessimista dos cadáveres ambulantes e A Volta dos Mortos-Vivos serviu como o último prego do caixão, transformando-os em objetos da cultura pop, motivo de troça, que não metiam mais medo em ninguém. Então a missão de Savini, ainda mais com o título consolidado de mestre dos efeitos de maquiagem, era reinventar o zumbi mais uma vez, apelando para o acompanhamento de autópsias e estudos de corpos em campos de concentração para obter um alto grau de realismo e nos relembrar que aquilo são cadáveres dos nossos que voltaram à vida, e aquilo é sim digno de medo e asco. E logo no primeiro momento em que os zumbis aparecem em cena, temos esse choque de realidade. Inicialmente por quebrar a expectativa, que em nossa cabeça, aquele momento em que Barbara (Patricia Tallman) e Johnnie (Bill Moseley) estão no cemitério (“The’re coming to get you, Barbra”) seria recriado em cópia carbono, mas não. Vemos inicialmente o morto-vivo passando direto com suas roupas rasgadas nas costas (tal qual os verdadeiros cadáveres são enterrados) e Johnnie sendo abruptamente atacado por outro zumbi, que lhe quebra o pescoço e dá início a escapada de Barbara em busca de proteção em uma casa de campo, onde irá encontrar Ben (Tony Todd) e seus demais ocupantes, o infame Harry Cooper (Tom Towles), sua esposa Helen (McKee Anderson) e sua filha infectada, Sarah (Heather Mazur), além do casal Tom (William Butler) e Judy Rose (Katie Finnerman). A velha batalha por sobrevivência enquanto os zumbis tentam invadir o local pelas portas e janelas está ali, assim como a já famosa crítica social tão incisiva de Romero, amplificando tudo que há de pior na natureza humana em uma situação como essa, colocando desejos mesquinhos de liderança, controle e subserviência em primeiro plano, como uma ameaça muito maior do que os devoradores de cérebro e entranhas que se aglutinam à espreita. Mas há um detalhe interessantíssimo nessa releitura de personagens que recai sobre os ombros de Barbara. A questão racial tão explícita no original aqui é deixada de lado para dar lugar a questão de gênero. O feminismo toma conta como contexto principal da película, aumentando a importância do papel de Barbara e diminuindo de Ben. Afinal estamos na década de 90, início da década do “Girl Power”, e um momento do próprio cinema em que a heroína forte e determinada estava em relevância, todas filhas de Ellen Ripley em Alien, O Oitavo Passageiro. A Barbara original era apenas uma garota histérica, indefesa, que passa grande parte do filme em estado de choque, chegando até a levar um tapa de Ben para que retorne à terrível realidade, enquanto a personagem de Patricia Tallman está bem no meio do fogo cruzado de uma crise de machismo e discussão ignorante entre Ben e Cooper, para metaforicamente ver quem tem o pau maior, ela toma as rédeas da situação de forma prática e racional (obviamente depois do choque, depois de desabar e tomar fôlego, juntar forças, tirar a saia e vestir algo mais propenso para a situação, pegar uma arma e tomar a iniciativa). Na refilmagem de A Noite dos Mortos-Vivos, ela é a heroína, a protagonista, que entende a gravidade da situação de uma forma mais ampla, enquanto Ben é tão irresponsável e explosivo quanto Cooper, e ao mesmo tempo, ela percebe todo o problema social de uma volta à vida dos cadáveres (“Eles são nós e nós somos eles” é sua emblemática frase ao final). Enquanto a sociedade patriarcal da autoridade e abuso do poder vai ruindo a sua volta, tanto nas discussões intermináveis de onde é o local mais seguro da casa quanto no descontrole dos homens e suas armas de fogo com suas atitudes covardes, arrogantes e egocêntricas, ao final Barbara apenas racionaliza a situação e se lança a sobrevivência com eficiência, como uma mulher forte, independente, ativa e ciente de suas decisões. O grande choque talvez seja a mudança do final, que obviamente não caberia nessa refilmagem, uma vez que as tensões raciais não estavam em grau de ebulição como no final dos anos 60, e não faria sentido o herói negro sobreviver, mas acabar sendo morto, mesmo que de forma acidental, por caipiras rednecks. Ben acaba se transformando em um zumbi, mas quando Barbara volta à casa, Cooper está vivo, mesmo depois dele e Ben terem trocado tiros em uma espécie de bangue-bangue sem sentido, e cabe a Barbara meter uma bala em sua cabeça, eliminando o verdadeiro vilão do longa e colocando abaixo aquela mentalidade misógina, aquela ordem patriarcal dominante que ele tanto defendia. Sem peso na consciência, afinal ali surgia um admirável mundo novo, ela apenas diz que ele havia sido transformado em zumbi. A Noite dos Mortos-Vivos faturou mais de cinco milhões de dólares nas bilheterias americanas e acabou por agradar aos fãs. O trabalho seguro de Savini por trás das câmeras em seu debute, mesmo no meio de brigas com equipe, ressentimentos e o fato de Romero, pai da criança, não estar por perto (até por conta disso muito se percebe ser homenagem do diretor ao mestre), foi eficiente e mesmo com o banho de gore ficando de fora por tratar-se de um filme de estúdio e dos famigerados cortes do MPAA (que inicialmente deu uma classificação X) a fita e serve muito bem ao propósito de atualizar o grande clássico do horror para uma nova geração e resgatar a combalida reputação do zumbi.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/02/05/607-a-noite-dos-mortos-vivos-1990/

#606 1990 O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (Leatherface: The Texas Chainsaw Massacre III, EUA)


Direção: Jeff Burr
Roteiro: David J. Schow
Produção: Robert Engelman; Michael De Luca (Produtor Executivo)
Elenco: Kate Hodge, Ken Foree, R.A. Mihailoff, William Butler, Viggo Mortensen, Joe Unger, Tom Everett, Miriam Byrd-Nethery, Jennifer Banko

O Massacre da Serra Elétrica 3 é um coletânea de erros. Uma tragédia anunciada, por assim dizer. Vou ser 100% sincero com o fã do horror: eu nunca havia assistido ao filme até o fazê-lo para escrever sobre o blog, afinal né, Leatherface, Massacre, uma das mais famosas e importantes franquias do gênero, e por aí vai. Não havia perdido nada. Claro que vamos colocar os devidos pingos nos is. A culpa não é nem do diretor, Jeff Burr, nem do roteirista, David J. Schow e nem dos atores envolvidos, que até estão bem, por sinal, e temos aí um time de respeito, como Viggo Mortensen, William Butler e Ken Foree. A culpa é toda da New Line Cinema. Todinha. Do primeiro ao último frame. Inclusive o excelente livro de Stefan Jaworzyn contando os bastidores da franquia detalha muito bem todos os problemas os quais a produção passou (que usei como base para escrever esse texto). A ideia da New Line, que havia enchido o rabo de dinheiro com o Freddy Kruger na década passada, era criar uma nova franquia ópera-rock do terror para seguir os mesmos passos, e por isso, compraram os direitos do Massacre com a Cannon Picutes, após aquela calamidade que foi O Massacre da Serra Elétrica 2. Foi tipo começo de namoro, saca? Tudo parece ser mil maravilhas, eles chamaram Tobe Hooper para dirigi-lo, contrataram Schow para escrever o roteiro, após um primeiro esboço do que seria A Hora do Pesadelo 5 – O Maior Horror de Freddy (onde Schow não levou o trabalho) e um episódio para a série Freddy’s Nightmares, e até Ken Henkel foi chamado para reuniões se envolver no projeto. Aí a coisa meio que começou a degringolar. Os engravatados passaram a meter os bedelhos no roteiro e exigiram um novo tratamento, preocupados com excesso de violência, Hooper caiu fora para dirigir Combustão Espontânea, o envolvimento de Henkel não passou da primeira reunião, o diretor Jonathan Betuel fora contratado e desistiu para dirigir comerciais. Nomes como Peter Jackson, John McNaughton e Tom Savini foram sondados, mas ninguém aceitou e a direção caiu nas mãos de Jeff Bur, que acabara de dirigir A Volta do Padrasto. Burr foi demitido antes do começo das filmagens, ninguém quis ficar com o cargo, e ele foi recontratado. Vai vendo… O Massacre da Serre Elétrica 3 até tem relações com os filmes anteriores. A já obrigatória narração no início do filme conta sobre os acontecidos de 1973, remetendo ao original, pincelando sobre o que aconteceu a Leatherface, os crimes sem solução, o fato de apenas um membro da família Sawyer ter sido preso e por aí vai. Até quando vemos o maníaco da serra elétrica que usa pele humana como máscara, dessa vez longe do gordinho com ares de atraso mental eternizado por Gunnar Hansen, e interpretado por um brucutu motoqueiro, R.A. Mihailoff, notamos uma prótese em sua perna, decorrente da própria perna serrada naquele que “deu origem à série”. Mas aí somos apresentados a uma nova família canibal, com outros representantes dos Sawyer que surgiram sabe-se lá de onde. O velho vovô ainda está lá em sua forma decrépita ressecada, mas aí conhecemos Tex (Mortensen), Tinker (Joe Unger), Alfredo (Tom Everett) e a pequena “filha de Leatherface”, Jennifer Banko, proles da Mama Sawyer (Miriam Byrd-Nethery), que vive em uma cadeira de rodas e fala com aqueles aparelhos ligados a sua traqueia. Tudo bem, é uma explicação, afinal, nunca soubemos da existência de nenhuma mulher na família Massacre e claro que aquele pessoal todo não nasceu de chocadeira. Mas é muito forçada essa nova trupe, sabe? Simplesmente não desce, e claro que nunca terão a mesma química insana dos personagens de Edwin Neal, Jim Siedow, John Dugan e Hansen. Enfim… No cerne de sua trama, O Massacre da Serra Elétrica 3 é meio que um CTRL C+CTRL V (ou COMAND C+COMAND V, se você usa Mac) dos clichês da franquia e dos filmes de terror, que culminam obviamente em uma cena de jantar. Dois jovens estão cruzando o país, Michelle (Kate Hodge) e Ryan (William Butler) e ao passarem pelo Texas, param em um posto de gasolina, que tem um dono louco (óbvio), eles ficam sabendo de um atalho por um forasteiro que pede carona (no caso do Aragorn, filho de Arathorn, que depois se mostra um dos vilões), começam a ser perseguidos na noite por uma picape dirigida por Leatherface e é isso aí. O personagem de Ken Foree, Benny, com treinamentos militares, surge para ajudá-los e depois se mostra um dos mocinhos e vai enfrentar a família Sawyer e salvar Michelle de virar o prato principal. Mas o grande problema de tudo, mas de tudo MESMO, foi o fato do filme ser mutilado pela New Line para evitar uma censura X e isso acarretou no roteiro ter de ser reescrito diversas vezes e todo o sangue e violência, cortados. A KNB foi a responsável pela maquiagem e efeitos especiais, e se esforçaram para dar um visual sombrio, sujo e violento para O Massacre da Serra Elétrica 3, mas tudo acabou indo para a lixeira, incluindo aí uma cena em que uma mulher presa em uma árvore sofria um corte vertical e o esmagamento explícito do cérebro do personagem de William Butler. Mas com certeza, apesar do atenuante dos cortes, em duas cenas, o dedo dos executivos teve um peso arbitrário absurdo que prejudicou ainda mais a já combalida produção. O primeiro foi a ideia de que finalmente veríamos o verdadeiro rosto de Leatheface logo na sequência de abertura, deformado, sem nariz, como já tivesse sido desfigurado no passado. O momento está lá prontinho para aparecer, com o vilão construindo sua máscara, uma preparação clara e cristalina (e até uma homenagem à sequência inicial de A Hora do Pesadelo, com Freddy construindo sua luva de garras), mas a New Line decidiu cortar a cena para guardar a verdadeira face do vilão para a próxima sequência, a parte 4, que aconteceu, mas não pela New Line. A segunda e particularmente absurda, é que vemos claramente Benny com a serra elétrica de Leatherface enterrada em seu crânio em uma batalha em um fosso. Mas, no último momento, ele reaparece para salvar Michelle do perigo. Como? Por causa das exibições testes em que o personagem caiu nas graças do público (afinal, Ken Foree é um sujeito bacana e querido, estrelou Despertar dos Mortos e Do Além) e da predileção por ele até de Bob Shaye, o presidente da New Line, que queria o sujeito nas duas próximas sequências. Então um ridículo final feliz foi refeito, dirigido pelo editor Michael N. Knue, tudo sem avisar a Jeff Burr, que só ficou sabendo da alteração em seu filme quando o viu pela primeira vez em um cinema do Tenesse, depois de já lançado comercialmente. Aliás, o filme deveria ter entrado em cartaz em 1989, mas estreou apenas em janeiro de 1990, nesse formato que conhecemos hoje, como uma verdadeira colcha de retalhos, por conta das interferências constantes da produtora e os cortes para satisfazer o MPAA. Resultado final de O Massacre da Serra Elétrica 3: fracasso de crítica, público (mesmo faturando mais de 5 milhões de dólares) e um desprezo massacrante (RÁ!) dos fãs. Como disse lá em cima, uma coletânea de erros crassos para satisfazer uns fulanos de terno e gravata que não conhecem absolutamente nada da atmosfera, conceitos e até mesmo da importância do seminal filme de Tobe Hooper.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/02/04/606-o-massacre-da-serra-eletrica-3-1990/

#605 1990 LUTHER O SANGUINÁRIO (Luther the Geek, EUA)


Direção: Carlton J. Albright
Roteiro: Carlton J. Albright
Produção: David Platt; Beth George, Ernest Shapiro (Produtores Associados)
Elenco: Edward Terry, Joan Roth, Stacy Haiduk, Thomas Mills, Jerry Clarke, Tom Brittingham

Luther – O Sanguinário tem todos os elementos clássicos de um filme da Troma Enternatinment: gore, nudez, personagens malucos, mau gosto, história nonsense, sem preocupação em estética, ode ao ridículo e sadismo. Só que ao mesmo tempo, Luther – O Sanguinário é completamente diferente dos demais filmes da icônica produtora de Lloyd Kaufman e Michael Herz. Atrevo-me até a dizer que ele é até sério demais para os padrões Troma. Afinal, os retardados envolvidos foram responsáveis por algumas das maiores bagaceiras trashescrachadas do cinema B de todos os tempos, como os impagáveis O Vingador TóxicoO Monstro do Armário ou Class of Nuk’Em High. Já Luther – O Sanguinário tem lá seu personagem principal que não fala uma palavra o filme inteiro, só CACAREJA (!!!???) e aquele final completamente acachapante, mas tirando isso, é um filme até taciturno, cheio de suspense, longos momentos de silêncio, que apesar do humor negro implícito, não desce a ladeira como seus filmes irmãos de produtora. O geek do título original, não quer dizer que o Luther é um fã de Star Wars, Big Bang Theory, lê quadrinhos, discute tecnologia, é socialmente inapto e um CDF, não. Na verdade o termo também é utilizado para aqueles artistas de circo estilo freak show que fazem apresentações nojentas e escabrosas. Um desses artistas é famoso em uma trupe circense por arrancar cabeças de galinhas vivas à dentadas e beber seu sangue. Uma finesse! Certa noite, um bando de moradores locais leva uma galinha para assistir ao show particular da aberração enjaulada, e um garotinho, o jovem Luther, durante a confusão e empurra-empurra cai de boca em uma roda de madeira e perde todos os dentes, substituindo por uma dentadura metálica, tipo o inimigo do James Bond, Dentes de Aço, sabe? Só que ele acaba se simpatizando pelo geek e quando se torna adolescente, passa a matar as pessoas, arrancando suas jugulares com seus dentes e bebendo seu sangue, assim como as galinhas. Luther é preso, mas por conta do comportamento modelo na prisão, recebe liberdade condicional e agora, interpretado por Edward Terry (de forma até brilhante, diria eu), não consegue ficar um dia sequer sem satisfazer seu instinto assassino, matando uma mulher em um ponto de ônibus perto de um supermercado e raptando a dona de casa Hilary (Joan Roth), mantendo-a sequestrada em sua casa de campo. Na mesma tarde, a gostosinha da filha de Hilary, Beth (Stacy Haiduk) chega à casa com seu namorado, Rob (Thomas Mills), e nos brinda com uma cena de nudez no chuveiro, para depois ambos também se tornarem vítimas de Luther, que obviamente é um psicopata, sem o mínimo traquejo social, perigoso, demente, canibal, e tem aquele detalhe, de se comunicar como uma galinha. Então o clima de sequestro, apreensão, tortura física e psicológica começa a se desenvolver com os personagens, que ficam a mercê do insano personagem, sem nenhuma moral, compaixão ou qualquer outro exemplo de convenção social. A polícia está a caça de Luther e acaba batendo na porta da casa de Hilary, mas seu destino também não será dos melhores. Outros dois diferenciais de Luther – O Sanguinário com relação aos demais filmes da Troma são o desenrolar da tensão, como um bom filme de suspense, sob a direção de Carlton J. Albright, que também escreve o roteiro (o único de sua vida, e tendo apenas dois filmes na filmografia como diretor) e seu final pessimista. 
ALERTA DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
Todos os personagens são mortos (de forma sangrenta), e apenas Hilary sobrevive. Acuada por Luther no celeiro, ela tenta se “comunicar” com o psicopata, cacarejando para ele. Tá bom, aí é o momento da patifaria, mas os risos provocados são nervosos, forçados, porque é realmente uma situação limítrofe de sobrevivência contra um desequilibrado de alta periculosidade. Nessa Luther se solta, cacarejando a todos os pulmões, pulando, batendo os braços como asas, até tomar um tiro de espingarda de cano duplo que acaba com sua vida. Agora imagine o trauma dessa senhora após ter passado por tudo isso? Parece que até a própria Troma sacou a “seriedade” de Luther – O Sanguinário, e quando em seu lançamento em DVD, Lloyd Kaufman, a lenda em pessoa, faz uma introdução de dez minutos falando um monte de besteira, colocando mulheres seminuas, funcionários perdedores da própria produtora para montar seu próprio “circo de horrores” (um deles que supostamente faz boquete no próprio pau, outro que deveria comer merda, entendido de forma literal, outro que também arranca a cabeça de pintos, mas nesse caso, o órgão sexual masculino, por assim dizer) num momento completamente absurdo e de total vergonha alheia. Além disso, há uma cacetada de extras e de erros de gravação, que totalizam mais de uma hora de material deliciosamente divertido. Você encontra fácil essa versão para baixar nas Internets da vida. Claro, Luther – O Sanguinário não é uma maravilha da sétima arte, é um filme tosco em seu cerne, mas não deixa de ser perturbador, completamente estranho, maluco e grosseiro, fora dos padrões convencionais do gênero na época. Caso você seja fã da Troma, e goste da falta de noção e do gore, mas que também preza pelo “bom cinema de terror” (assim entre aspas mesmo), então certamente irá agradá-lo.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/02/03/605-luther-o-sanguinario-1990/

quinta-feira, 26 de maio de 2016

#604 1990 LOUCA OBSESSÃO (Misery, EUA)


Direção: Rob Reiner
Roteiro: William Goldman (baseado na obra de Stephen King)
Produção: Rob Reiner e Andrew Scheinmann, Steve Nicolaides e Jeffrey Stott (Co-produtores)
Elenco: James Caan, Kathy Bates, Richard Farnsworth, Lauren Bacall

Taí uma das melhores adaptações de um livro de Stephen King. O ótimo Louca Obsessão sem dúvida é daquelas maravilhas que surgem de vez em quando perto de tantos filmes ruins baseados no texto do escritor do Maine. Retirado do conto “Angústia”, publicado na compilação Depois da Meia-Noite, Louca Obsessão tem como diretor Rob Reiner, que já havia filmado outra história do escritor antes, no clássico da Sessão da Tarde, Conta Comigo. E aqui nós vemos um trabalho excelente de direção, um roteiro enxuto e coeso, uma ótima fotografia (último trabalho de Barry Sonenfeld como cinematógrafo antes de se tornar diretor) e a cereja do bolo, que é o show de interpretação da até então desconhecida Kathy Bates, que levou o Oscar de Melhor Atriz, assim como o Globo de Ouro. Bates é Annie Wilkes, enfermeira fã número um do escritor Paul Shedon, vivido por James Caan. Sheldon é o criador de uma famosa personagem literária chamada Misery, e dedicou os últimos anos de sua vida escrevendo esses romances populares (ao melhor estilo Sabrina, saca?), mas por fim resolveu dar um ponto final naquela história e escrever outras coisas. Ao terminar seu novo livro em um afastado chalé nas montanhas, Sheldon sofre um terrível acidente de carro ao voltar para Nova York durante uma tempestade de neve e é resgatado por Annie, que presta atendimento médico ao escritor em sua própria casa, em uma fazenda isolada. Wilkes vive por Misery, que é a inspiração de sua vida e por conseguinte, é completamente obcecada pelo escritor. No começo ela presta toda a assistência necessária a sua recuperação, mostrando-se uma solitária, carente e solícita mulher. Mas conforme o filme vai avançando, vamos descobrindo a verdadeira face psicótica da enfermeira. E é aí que Bates brilha, e brilha muito em Louca Obsessão. As mudanças de humor, em ataques bipolares incríveis, e seus requintes de loucura e crueldade carregam toda a tensão do filme, que vai se tornando cada vez mais angustiante com o passar do tempo, exatamente por você não ter ideia do que aquela surtada pode fazer na sequência. E a famosa cena da marreta, meu amigo… Doeu até em mim, quando assisti da primeira vez. E olha que ela é bem menos violenta do que originalmente escrito por Stephen King no livro. Os personagens secundários, como o xerife (Richard Farnsworth) e a agente literária de Sheldon (a veterana Lauren Bacall) tem poucas, mas efetivas participações para completar o todo. E vale também ver James Caan, um ator atlético e acostumado a papeis físicos, interpretando um inválido que até tenta bolar planos mirabolantes para escapar, mas come na mão da enfermeira e se sente impotente quase sempre. É um filme de atores definitivamente, que vão seduzindo o espectador, cada qual a sua maneira. E fica também, no cerne da discussão, o princípio da idolatria e até onde vai a loucura e o exagero dos fãs, e o quanto sua vida quanto pessoa pública famosa pode se transformar em um pesadelo graças a eles. Stephen King mesmo já passou maus bocados por conta disso. E uma mórbida curiosidade é que um desses fãs malucos chegou a invadir a casa de King, anunciando que estava de posse de uma bomba, para explodir tudo pelos ares, acusando-o de roubar uma história de sua tia, que seria no caso, “Angústia”, o conto que deu origem a Louca Obsessão.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/02/02/604-louca-obsessao-1990/

#603 1990 IT UMA OBRA-PRIMA DO MEDO (It, EUA)


Direção: Tommy Lee Wallace
Roteiro: Lawrence D. Cohen, Tommy Lee Wallace (baseado na obra de Stephen King)
Produção: Mark Bacino, Allen S. Epstein, Jim Green (Produtores Executivos)
Elenco: Jonathan Brandis, Brandon Crane, Adam Faraizl, Tim Curry, Emily Perkins, Seth Green, Harry Anderson, Dennis Christopher, Richard Mansur, Annette O’Toole, Tim Reid, John Ritter, Richard Thomas

Taí um subtítulo que faz jus! It – Uma Obra Prima do Medo. O livro “A Coisa”, de Stephen King, merece com todo louvor esse status de “obra prima do medo”. Já o telefilme, dividido em duas partes, dirigido por Tommy Lee Wallace, QUASE chega lá nesse grau de merecimento, se não fosse pelo seu final. Sim aquele lá da aranha gigante, que nas páginas datilografadas pelo escriba do Maine tem todo um contexto psicológico que vai sendo desenvolvido durante suas mais de mil páginas e te prepara para aquilo, e na versão cinematográfica vira uma tosqueira de efeitos especiais ruins em uma batalha sem graça, com uma sinergia péssima entre os atores. Tudo isso logo no primeiro parágrafo, para você concordar ou tolerar e continuar lendo a resenha, ou então me mandar para a puta que pariu e fechar a aba do 101 aberta em seu Chrome, Firefox ou Safari (você não usa Internet Explorer, certo?). Tipo, estava tudo caminhando tão bem… O filme conseguia te prender, fazer você se identificar com os garotos do “Clube dos Derrotados”, reviver aquele já famoso clima que só o Stephen King sabe criar, colocando crianças comuns em uma situação macabra, e depois acompanhando o desenrolar de suas vidas adultas e o que os acontecimentos de um verão passado fizeram em suas cabeças. E o que falar do Pennywise de Tim Curry, que consideramos pacas? Eternizou mais um dos ícones do cinema de terror de todos os tempos. Mas, sacumé. Produção para a TV, falta de budget para os efeitos especiais, um final apressado para caber dentro dos 90 minutos reservados para o segundo episódio, atores de segundo escalão em uma cena clímax que se perde e It acaba virando um coito interrompido que estava se mostrando a gozada do século. Até o próprio diretor disse que sente a mesma coisa, nos comentários do DVD. Mas a gente releva isso vai, porque realmente, o telefilme é um dos poucos que acertam na veia no difícil e problemático quesito: adaptar uma obra de King para as telas. Então vale o mérito e a gente desculpa a derrapada. Então tá, vamos falar de coisa boa, que não é a Tekpix e nem a iogurteira Top Term. It é capaz de meter medo geral na molecada e naqueles com coulrofobia, mostrando simplesmente o mais sinistro e aterrador palhaço do cinema (e provavelmente da literatura), uma encarnação sádica de uma entidade espectral faminta por crianças, Pennywise, O palhaço dançarino, que faria John Wayne Gacy se orgulhar, usando a sua fantasia de personagem circense para atrair os pequenos e leva-los para um lugar onde todos flutuam como balões. Na cidade de Derry, no Maine (ah, vá?) uma série de bizarros desaparecimentos de crianças sem solução faz com que o bibliotecário Mike Hanlon (Tim Reid) convoque seus amigos de infância, membros do refinado “Clube dos Derrotados” para cumprir uma promessa feita há 30 anos, quando o mesmo sumiço dos infantes acontecera durante o fatídico verão em que eles conhecerem “a Coisa”, ou “Aquilo”, “It”, como eles o chamam. Cada um dos outros seis integrantes levou sua vida para frente, mudou-se para diversas partes dos EUA e construíram carreiras de sucesso, se esquecendo dos acontecidos. Mas “a Coisa” voltara, e eles haviam prometido que retornariam para acabar com ela de uma vez por todas, após um confronto com a criatura maligna nos esgotos, usando brincos de prata, uma atiradeiras e bombinha para asma, durante o início dos anos 60. O primeiro episódio que foi ao ar pelo canal ABC, em 18 de novembro de 1990, a quinta maior audiência para um domingo, visto por 17 milhões de telespectadores, traz exatamente o passado da garotada, mostrando seus problemas e dramas pessoais, a construção de sua amizade (e de uma barragem), a perseguição por um bando de arruaceiros repetentes que praticavam bullying com eles, Pennywise explorando cada um de seus medos, seus piores pesadelos e oferecendo balões, tudo contado em forma de flashback enquanto Mike Hanlon liga para cada um deles, perguntando se voltarão para a cidade e honrarão com sua promessa. Passado trinta anos, o ex-gago William “Bill” Denbrough, que perdera seu irmão mais novo, Georgie, para a “Coisa” (“Come on, bucko! Don’t you want a baloon?” – a mais célebre frase do longa) e tornou-se um escritor de livros de terror (seu maior sucesso parece ser “The Glowing”, título um pouco parecido com “The Shining”, não?); o comediante afetado e hiperativo Richard Tozler (Harry Anderson); o dono de um negócio de chofer, filhinho de mamãe, virjão e hipocondríaco, Eddie Kaspbrak (Dennis Christopher); a designer de moda e “mulher de malandro” Beverly Marsh (Annette O’Toole); e o ex-gordinho e arquiteto de sucesso capa da Time, Ben Hanscom (John Ritter) voltam a Derry para a derradeira luta contra a entidade sobrenatural em forma de palhaço, e mesmo depois de marmanjos, ainda se cagam de pavor do sujeito. A baixa do grupo foi do medroso Stanely Uris (Richard Masur), o único que realmente encarou Pennywise e sua “luz da morte” durante o embate no esgoto e acaba se suicidando na banheira de sua casa para não viver aquela experiência traumática de novo. Os adultos em Derry e o palhaço manipulando suas cabeças é a tônica da segunda parte, que foi televisionada no dia 20 de novembro, sendo a segunda maior audiência da TV em uma terça-feira, em todos os tempos, vista por mais de 19 milhões de pessoas. Existem três fatores preponderantes no sucesso de It – Uma Obra Prima do Medo. O primeiro é que ele não parece um telefilme, feito para a TV. Hoje em dia é que vivemos o auge das produções da HBO, AMC, Showtime e por aí vai, com qualidade indiscutível, atuações fantásticas e produções no nível de Breaking Bad, True Detective ou Game of Thrones. Naqueles idos dos anos 90, a televisão era tipo a série C (a série B eram os “direto para o vídeo”) e só os refugos trabalhavam em minisséries, telefilmes ou seriados. Então surgiu um termo pejorativo de “filme com cara de feito para a TV”. It não tem esse aspecto de “filme com cara de feito para a TV”. Isso muito se deve a expertise da condução do mesmo por Tommy Lee Wallace, protegido e aprendiz de ninguém menos que John Carpenter. Há uma qualidade inegável na produção, apesar de toda a dificuldade, principalmente de orçamento. O segundo é que elevou um pouco o nível da violência também. A cena do sangue escorrendo da foto de Georgie não era nem um pouco comum (e aceitável) em uma produção de TV na década de 90. Se hoje você se delicia com a selvageria de Spartacus ou The Walking Dead (ou ainda de Hannibal, que passa na TV aberta, como foi o caso deIt), é porque a produção ousou e deu um passo a frente para pavimentar esse caminho sem volta. O terceiro é o ROLO COMPRESSOR chamado Tim Curry, que quase não aceitou o papel por conta dos traumas em levar horas para ser maquiado em A Lenda. Eu nunca tinha me dado a real conta de quanto ele está F..., até assistir novamente para escrever sobre, e quanto seus trejeitos, misturando humor negro, sarcasmo e horror na medida perfeita, elevam o nível, dando uma singularidade inesquecivelmente maléfica a Pennywise e faz com que ele simplesmente ENGULA todo o restante do elenco (e não só as criancinhas, RÁ!). Infelizmente, na conclusão, a aranha subiu pela parede e o gato subiu no telhado, e fica aquele gostinho amargo, estragando algo que poderia ser perfeito, que até acaba diminuindo It – Uma Obra Prima do Medo pelos espectadores em geral e até mesmo pelos fãs (principalmente do livro), mas são só dez minutos finais mediante outras 2h50 excelentes. Passado anos e anos, geração após geração nunca comenta sobre a aranha de borracha tosca, mas sobre Pennywise, sobre a forma como Tim Curry o imortalizou e o medo que você sentiu daquele arlequim macabro com seus dentes afiados. Então o filme funciona e marca para sempre, e detalhes sórdidos acabam não importando no frigir dos ovos.
FONTE: https://101horrormovies.com/lista-dos-1001-filmes-de-terror/

#601 1990 UM GATO NO CÉREBRO (Un gatto nel cervello / A Cat in the Brain / Nightmare Concert, Itália)


Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Lucio Fulci, Giovanni Simonelli, Antonio Tentori
Produção: Antonio Lucidi, Luigi Nannerini
Elenco: Lucio Fulci, David L. Thompson, Malisa Longo, Shilett Angel, Jeoffrey Kennedy, Paola Cozo, Brett Halsey

Você manja do cinema de Lucio Fulci, né? Sabe o quanto seus filmes, que ajudaram a definir o infame ciclo splatter italiano, são verdadeiras odes ao gore, à selvageria, a brutalidade gráfica. Pois, Um Gato no Cérebro, uma espécie de filme testamento, é sua mais extrema película. E olha que o Sr. Fulci já parecia ter chutado o balde e seria impossível algo mais grosseiro em sua filmografia, mas ele conseguiu se superar. Tudo isso junto em uma espécie de ensaio metalinguístico sobre sua própria vida e obra, como uma fantasiosa referência autobiográfica aos melhores moldes do cinema de José Mojica Marins, uma crítica velada a psicologia barata e discurso vazio da influência do cinema na violência mundana e claro, um roteiro dos mais mixórdios, completamente sem pé nem cabeça, com um fiapo que funciona como linha condutora para uma sequência atrás da outra de mortes bizarras e violentíssimas, praticamente sem razão de existir. Lucio Fulci é um diretor de filmes de terror. Não isso não é sua biografia, é a sinopse do filme, onde o senhor interpreta a si mesmo. Ele está no meio das filmagens de seu mais novo projeto. Enquanto escreve seu roteiro, metaforicamente seu cérebro está fervilhando de ideias macabras, com um bando de gatos arranhando e devorando sua massa encefálica em close, em uma cena de abertura que já dá o tom do nojo e da necessidade de estômago forte do que está por vir. Na subtrama, um assassino canibal retira um pedaço da coxa de uma mulher nua, faz um steak mal passado para jantar e joga os restos de refeição para os porcos. Mau gosto sem limites. Impactado por anos de sua obra e por esse seu mais novo filme em particular, a vida cotidiana de Fulci passa a ser arrebatada por visões onde qualquer cena corriqueira se transforma em morte, assassinato, sangue, cadáveres e mortos-vivos. Achando que está com um parafuso a menos e enojado com a violência, o célebre diretor resolve procurar ajuda psiquiátrica. Ele marca uma consulta com o professor Egon Swharz (David L. Thompson), que assiste toda sua obra para entender o caso, e pratica uma sessão de hipnose com Fulci, dando vasão ao seu lado psicopata, matando suas vítimas e dando um jeito do diretor estar presente nos locais, fazendo com que ele ache que foi o responsável pela chacina. Pronto, nesses 15, 20 minutos de filme toda a história foi contada. O resto é uma metralhadora giratória de sangue e morte, de todas as formas possíveis e imagináveis: esfaqueamento, decapitação, desmembramento, atropelamento, evisceração, estrangulamento e dilaceração de gargantas, misturado com orgias nazistas, espancamento, corpo putrefatos cobertos de larva, e por aí vai. Eu não sei ao certo a contagem de cadáveres, mas certeza que deixa Jason, Freddy, Michael Myers, Leatherface e Chucky corados. A parada alcança a estratosfera, entre as mortes praticadas pelo psiquiatra e a batelada de alucinações de Fulci, não dando tempo do espectador sequer respirar de uma cena escabrosa para a outra. Ao mesmo tempo conhecemos um pouco do “modus operandi” do diretor e também a forma como ele brinca com suas próprias influências, as mais claras, Alfred Hitchcock e Fritz Lang, e até satiriza sua própria obra, usando footage de outros filmes e particularmente uma cena em que edita um segmento de eye popping, já que sua tara por olhos explodindo de suas órbitas é uma de suas marcar registradas. O problema é que a matança exagerada empapuça. Porra, gore é legal. Ver mortes escabrosas, nojentas, gráficas, nego se ferrando bonito, faz parte da essência brusca do cinema de terror. Mas você pegar um filme que não te dê tempo de tomar um fôlego, não tem história que se sustente, confuso com uma edição péssima, é chato e ainda ver a atuação sofrível do Fulci (que afinal, não é ator), simplesmente é duro de conseguir aguentar. Violência desmedida e despropositada que deveria funcionar como um grito de rebeldia de um velho diretor cansado que passou toda sua vida sob amarras de estúdios, produtores, orçamentos paupérrimos e perseguição da censura, mas que acaba tornando-se exagero infundado. Desculpe, mas eu simplesmente não consigo contemplar um filme que tem um roteiro de 49 páginas sem nenhum diálogo, consistindo apenas de descrição de mutilações corporais, imagens pesadas e efeitos sonoros que irão complementá-las nas telas. Por mais fanático por filmes de terror que eu seja simplesmente não se sustenta, mesmo sendo Fulci. Seus outros filmes são lotados de gore, é o que o tornou conhecido, descolando-o da escola estética italiana de gente como Mario Bava e Dario Argento, por exemplo, mas sua obra também possui altas doses humor negro, profanação e provocação à igreja católica, niilismo e pessimismo, e por mais que tenham roteiros esquisitos, rasos, histórias fracas e conclusões estúpidas, são produções impactantes. Zumbi 2 – A Volta dos Mortos é um marco no subgênero e a trilogia com Pavor Na Cidade dos ZumbisA Casa do CemitérioTerror Nas Trevas carrega todo um clima sobrenatural fúnebre, de desalento e resignação que está ali no subtexto apesar dos baldes de sangue derramado. Em Um Gato no Cérebro, é tudo desnecessário. Isso sem contar a quantidade de nudez que ele também colocou no filme, que não está no gibi. Para nós, tupiniquins, a comparação com Delírios de um Anormal ou Exorcismo Negros são inevitáveis. Até a semelhança física entre Fulci e Mojica surpreendem. Ambos trabalham com esse universo metalinguístico de um diretor e seus filmes, convivendo com suas influências em sua vida pessoal ou de pessoas à sua volta. Ao mesmo tempo em que vemos a violência em estado bruto, mandando às favas a autocrítica e o estudo de personagens, vemos também os arroubos dos devaneios de uma vida medíocre, não no sentido artístico, muito pelo contrário, mas no sentido financeiro e intelectual, sendo substituídos por uma ilusão de que Fulci (tal qual Mojica) é um sujeito respeitado pelos seus pares (e críticos), ostenta o título de Dr. (e é tratado formalmente como tal) em um placa dourada na porta de sua casa, bebe bom uísque e pratica iatismo com belas e jovens garotas. A grande diferença é que muita gente, fãs do gênero mesmo, brada aos ventos que Fulci é gênio, “maestro”, enquanto Mojica é motivo de troça e desrespeito. Vai entender… Depois de Um Gato no Cérebro, Fulci dirigiria apenas mais quatro filmes, entre eles,Demonia (já postado no blog, uma vez que a lista está em ordem alfabética), um não creditado e outro com pseudônimo de H. Simon Kittay, e viria a falecer em 1996 aos 68 anos. Diabético, certa noite ele se esqueceu de tomar sua insulina antes de dormir. Acidente ou suicídio, Fulci deixou sua marca, e mesmo que de forma póstuma, atingiu o status de um dos principais e mais importantes diretores do cinema de horror, apesar (e por causa) de seus exageros sangrentos. Ave, Fulci!
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/28/601-um-gato-no-cerebro-1990/

#600 1990 FRANKENHOOKER QUE PEDAÇO DE MULHER (Frankenhooker, EUA)


Direção: Frank Henenlotter
Roteiro: Robert Martin, Frank Henenlotter
Produção: Edgar Ievins; James Glickenhaus (Produtor Executivo)
Elenco: James Lorinz, Joanne Ritchie, Patty Mullen, J. J. Clark, C.K. Steefel, Shirl Bernheim, Judy Grafe, Louise Lasser, Helmar Augustus Cooper

Frank Henenlotter é uma espécie de David Cronenberg às avessas. Tudo bem que tirando suas devidas proporções, assim como o cinema do canadense, Henenlotter adora filmar sobre a carne, bizarrices científicas, vícios, críticas sociais e má pratica da medicina, mas claro, que com os dois pés enfincados no trash e sem a menor pretensão de se levar a sério. Frankenhooker – Que Pedaço de Mulher é mais um exemplo cabal disso. Aliás, um ínterim aqui antes de continuar o texto: mas que GENIAL quem colocou esse subtítulo com o trocadilho zueiro: “que pedaço de mulher”. Meus parabéns, ó! Voltando, Henenlotter entrou de vez no “ramo” ao entregar a pérola da trasheira Basket Case, já dando uma prévia das suas intenções para com o cinema de terror, fazendo dos assuntos citados acima o mote de suas bagaceiras, seguindo com O Soro do Mal e chegando aqui em Frankenhooker já no começo da década de 90, mas todo enraizado nos 80’s. O título já diz a que veio de forma bem clara. A tradução literal seria algo como “Frankenprostituta”, fazendo uma analogia ao famoso monstro de Frankenstein e as profissionais da noite. Então já pode se esperar que bagaceira e escracho, marcas registradas de Henenlotter que sempre andam juntas em sua obra, viria por aí. A trama nos apresenta Jeffrey (James Lorinz) um sujeito que trabalha como eletricista, mas sua verdadeira paixão é a medicina, fazendo bicos, tipo reconstruindo um cérebro e lipoaspirações em sua noiva, Elizabeth Shelley (veja se tanto o nome quanto sobrenome da personagem lhe é familiar). Elizabeth tem um problema de autoestima, pois é um pouco “cheinha” e tem compulsão em comer pretzels, já tentado várias dietas e sendo veladamente censurada por sua mãe com relação ao peso. Em um churrasco de aniversário de seu pai, ela morre de uma forma acidentalmente trágica e sanguinária, sendo esfacelada por uma máquina de cortar grama, construída por Jeffrey de presente para o sogrão. O corpo da mulher fica severamente mutilado e irreconhecível, apenas com sua cabeça e poucas partes intactas, essas que misteriosamente sumiram. Misteriosamente para a polícia e imprensa, pois Jeffrey as roubou para manter em um freezer boiando dentro de um composto químico a base de estrógeno que desenvolveu para que não apodrecesse, e assim, varrido por uma onda de depressão e obsessão quanto a ressuscitar a moça, resolve esperar uma forte tempestade que se aproximará nos próximos dois dias e galvanizar a ex-noiva, para trazê-la a vida, tal qual o Dr. Frankenstein. Mas como ele não possui um corpo inteiro irá atrás de prostitutas para escolher só as melhores partes das garotas, afinal se você vai reconstruir a noiva, nada do que pegar umas gostosas, ideia que ele teve por meio de um interessante e maluco processo criativo: enfiar a broca de uma furadeira em sua cabeça, para realizar uma espécie de lobotomia, que faz com que acelere seus pensamentos e lhe dê ideias mirabolantes. Pois bem, como se não bastasse todos os problemas de ordem social e psicológica apresentados por Jeffrey, eis que Henenlotter mais uma vez mexe na ferida do “mundo cão” nova-iorquino dos anos 80 e 90, também um dos grandes elementos de sua filmografia (como já visto em Basket Case e O Soro do Mal). A prostituição e o vício de drogas é o tema da vez, principalmente a relação entre as rameiras e seu cafetão, no caso o caricato Zorro (Joseph Gonzales), um sujeito todo saradão, de bigode, que usa regatas coloridas e calças estampadas, além de um medalhão com um Z no peito, que também é traficante e fornece crack para as meninas fumarem. Aproveitando o problema das crackwhores, Jeffrey cria então o “supercrack” usando de seus conhecimentos químicos. Só que há um terrível efeito colateral, ao ser fumado, ele faz com que as pessoas EXPLODAM! Jeffrey marca uma festinha com várias alcoviteiras, com a consciência limpa, pois “quem irá mata-las é a droga, e não ele” e ao fumarem, elas explodem em pedaços (em uma cena ridiculamente engraçada com manequins estourando) e então é só o “cientista louco” colocar suas partes em um saco de lixo e levar para reconstruir a amada, terminando com a necessidade de ter que jantar à luz de velas só com sua cabeça decapitada nas noites solitárias. Usando as mãos de uma, as pernas de outra, a bunda de outra, as tetas de outra, ele reconstrói Jennifer, mas óbvio que o experimento dará errado, pois ela voltará em ummix de personalidades de todas as meretrizes. Ainda vai rolar um acerto de contas com o Zorro, uma vez que todas as suas meninas desapareceram, a nova Elizabeth sairá pelas ruas de Nova York pegando clientes e usando seus poderes elétricos para que eles explodam, e no final um embate monstruoso entre Jeffrey e as demais partes das prostitutas descartadas, que se juntaram em massas disformes de membros, bocas e órgãos sexuais, até a conclusão em sua última cena, surpreendente, quando ele acaba pagando por seus experimentos e por “brincar de Deus” da forma mais bizarra possível. Frankenhooker – Que Pedaço de Mulher é todo Henenlotter. Seu cinema ácido, de humor negro e com toda a pitada de trash sem medo de ser feliz, com efeitos especiais e de maquiagem toscos, que não se leva a sério, mas esconde uma profunda crítica social por de trás está ali presente, e ainda funciona como uma bela e escrachada homenagem aos clássicos de cientista louco da Era de Ouro de Hollywood e do sci-fi dos anos 50, tudo com o resquício da estética do terrir dos anos 80, em seus últimos suspiros ao adentrar na década seguinte.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/27/600-frankenhooker-que-pedaco-de-mulher-1990/

#599 1990 O EXORCISTA 3 (The Exorcist III, EUA)


Direção: William Peter Blatty
Roteiro: William Peter Blatty (baseado em seu livro)
Produção: Carter DeHaven; Steve Jaffe (Produtor Associado); Joe Roth, James G. Robinson (Produtor Executivo)
Elenco: George C. Scott, Ed Flanders, Brad Dourif, Jason Miller, Nicol Williamson, Scott Wilson, Nancy Fish

O Exorcista III, a priori, é um filme subestimado. Claro que tudo que falamos a respeito das continuações, rip offs e qualquer outro filme que remeta a O Exorcista, de William Friedkin, talvez o “maior filme de terror de todos os tempos”, é complicado, exatamente pela grandiosidade e impacto do original para o gênero (e para o cinema). Qualquer desafio de levar uma continuação para os cinemas seria naturalmente elevado à enésima potência. Falando nisso, não podemos nos esquecer da completa bomba que foi O Exorcista II – O Herege, e sua recepção avassaladora de público e crítica, e não era para menos. Fatidicamente, essa “segunda parte” acabou por atrapalhar o bom O Exorcista III, mas não tanto, quanto a ganância, sacanagem e falta de tato dos seus produtores. William Peter Blatty, autor do best-seller e do roteiro do primeiro filme, escreveu uma espécie de continuação “não oficial” de O Exorcista em 1983 e o chamou de “Legião”, revisitando o universo que rondou os acontecidos do fatídico exorcismo de Regan McNeill em Georgetown há 15 anos. Uma trama muito mais focada em elementos policiais e investigativos e centrada no horror psicológico do que o rolo compressor gráfico e pesado do primeiro livro. O livro só saiu do papel depois do próprio William Friedkin perder o interesse em dirigir uma continuação, e com a sua saída, e também desistência de Blatty, a Warner Bros. deu com os burros n’água com O Herege. Depois de publicado e com relativo sucesso de público, o escritor acreditou que era hora de leva-lo ao cinema. Os produtores da Morgan Creek compraram a ideia, mas com uma condição (a primeira de muitas que viriam): o título do filme não seria apenas “Legião”, como o livro, e sim “O Exorcista: Legião”, obviamente para capitalizar em cima do sucesso estrondoso do primeiro filme, mesmo com todos os pés atrás do mundo por conta de O Herege. Blatty convidou John Carpenter para a direção, que acabou recusando, então o próprio assumiu a cadeira de diretor. Na trama, o velho conhecido dos fãs de O Exorcista, o Tenente Kinderman, agora vivido pelo oscarizado George C. Scott (uma vez que seria impossível Lee Cobs voltar ao papel, tendo morrido apenas três anos depois do lançamento do primeiro filme) está às voltas com uma investigação do assassinato de um coroinha chamado Thomas Kintry (James Burgess), decapitado, tendo a cabeça de uma estátua de Cristo colocada em seu lugar e crucificado em dois remos. Em seguida, temos uma nova vítima, um padre local, também decapitado após uma confissão de uma velha senhora. As impressões digitais não batem, sugerindo que duas pessoas diferentes foram responsáveis. Kinderman é um velho amigo do Padre Dyer (Ed Flanders), o mesmo que prestou a extrema unção para Damien Karras, aquele que tirou Pazuzu na porrada de Regan e rolou escada abaixo, ou seja, outro personagem recorrente ao romance e filme original. Dyer se interna em um hospital para fazer um check-up de rotina e acorda na outra manhã morto, com todo o sangue drenado de seu corpo e colocado em pequenos potes. Os caminhos da investigação levam Kinderman a descobrir que o assassino tem o mesmomodus operandi de um serial killer conhecido como Assassino de Gêmeos (clara inspiração no assassino do Zodíaco), uma vez que alguns detalhes do crime são idênticos e de conhecimento somente da polícia. Só que o psicopata havia sido fritado na cadeira elétrica há 15 anos. Então a revelação estarrecedora da vez, contada pelo psiquiatra do hospital, Dr. Temple (Scott Wilson) é que na ala de segurança máxima está um sujeito que chegou até lá há exatos… 15 anos (ah, vá?), com amnésia e estado catatônico, saindo desse estágio há alguns dias, exatamente quando começou a série de assassinatos. Ao visitar o tal Paciente X, eis que Kinderman descobre que na verdade ele é o Pe. Karras, e na verdade tudo que estava acontecendo não passou de uma vingancinha do Pazuzu (ou de Legião, afinal ele tem vários nomes), que ao ser expulso de Regan e brevemente tendo possuído o pároco, ordenou que o espírito do Assassino de Gêmeos (que deveria ser mais uma de suas manifestações demoníacas, algo nunca muito bem explicado) entrasse em seu corpo. De lá para cá, ele possui os pacientes idosos e catatônicos da ala psiquiátrica e os comanda para cometer todos aqueles crimes hediondos. Só que aí entramos no detalhe que acabou com a reputação de O Exorcista III e o tornou tão malfadado. Até então, o filme é construído de forma até soberba, posso assim dizer. O clima construído por Blattey é dos mais soturnos, tétricos, misturando blasfêmia com descrição de assassinatos violentos, uma porrada de simbolismos religiosos e oníricos, e a essência do terror psicológico. Algumas cenas são realmente de arrepiar, como a arrastada sequência da morte da enfermeira Keating (Tracy Thorne), que finaliza com uma figura portando trajes sacros, munida de uma tesoura de realizar autópsia, sai do corredor e corta sua cabeça fora, ou quando uma das velhinhas possuídas faz às vezes do Homem-Aranha andando pelo teto de uma das salas. Mas ao mostrar o primeiro corte para os famigerados produtores, os malditos não gostaram do que viram, resolveram impor a Blatty que o terceiro ato inteiro fosse refeito e que, claro, existisse um exorcismo, para inclusive, aproximar ainda mais do original. A contragosto, Blatty acatou os pedidos (afinal, se ele não o fizesse, alguém o faria, é só ver as enormes semelhanças com o que aconteceu com Paul Shcrader a sua prequela, quatorze anos depois, substituído por Renny Harlim e quase que completamente refeito). Jason Miller foi trazido do original para reviver o papel de Karras/Paciente X, e daí acontece a grande confusão do longa, uma vez que o Assassino de Gêmeos é vivido por Brad Dourif, que teve sua participação severamente editada, inclusive seus ferinos diálogos (e o embate final) com Kinderman, e vira e mexe vemos George C. Scott contracenando com os dois, quando o Paciente X está com a personalidade de Karras ou do Assassino. E não foi só isso, o final foi completamente alterado, colocando em cena o ator veterano Nicol Williamson para viver o Padre Morning, aquele que executaria o inevitável exorcismo em Karras. Todo o horror psicológico, o clima lúgubre e pesado e o jogo sobrenatural de Blatty vai para o espaço, e somos brindados com mais uma cena descartável de exorcismo cheio de efeitos especiais, pirotecnia, olhos amarelos, levitações, cobras e que custou mais quatro milhões de dólares ao estúdio, despencando o nível do filme e lhe dando o infame status que tem hoje, além da ojeriza de público e crítica quando em seu lançamento. No final das contas, Blatty ficou puto com o resultado, Brad Dourif ficou puto, George C. Scott ficou puto e o muito diferente do corte do diretor/roteirista, temos uma versão medíocre, confusa e apelativa em seu final. E olha que até o exorcismo teve que ser mudado por imposição dos engravatados, uma vez que na sequência, o rosto do Paciente X ficaria alternando entre de Miller e de Dourif (que inclusive acabou entrando no trailer), mas foi tachado como confuso. Como se aquela mudança constante de um para o outro em pleno bate-papo não tivesse ficado, mas enfim. Agora analisando O Exorcista III conhecendo todos os detalhes sórdidos, não dá para não dizer que e é um puta filme, uma sequência que faz jus ao original, com uma atmosfera soturna, bem construída e momentos realmente densos, violentos e profanos. Claro que também tem um sério problema de edição e os seus erros gritantes de roteiro, ainda mais se levarmos em consideração alguns aspectos de O Exorcista, como quando Kinderman diz que Karras era seu melhor amigo, e na verdade, se conheceram depois do assassinato de Burke Dennings e sabemos que o padre “morreria” logo depois, ou o fato que termos de engolir todas as vítimas com nome, sobrenome ou nome do meio começando com a letra K (outro M.O. do Assassino de Gêmeos), e de repente todo mundo em volta do caso coincidentemente tem a letra do alfabeto em seu RG (incluindo aí gente relacionada ao exorcismo de Regan, diga-se de passagem), como o garoto, os padres, a enfermeira, e por aí vai. E para completar o infortúnio de O Exorcista III, o “pobre diabo” do Blatty nunca poderá nem fazer a sua versão do diretor, como aconteceu com Schrader, porque a Morgan Creek fez o favor de perder os negativos originais. O que é uma pena, porque dá uma curiosidade “dos infernos” de saber como seria o longa originalmente planejado e o embate, muito mais psicológico, tenso e acachapante, entre Kinderman e o Assassino de Gêmeos sem aquela patifaria em seu final.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/26/599-o-exorcista-iii-1990/

#598 1990 DOIS OLHOS SATÂNICOS (Due occhi diabolici / Two Evil Eyes, Itália, EUA)


Direção: George A. Romero, Dario Argento
Roteiro: George A. Romero, Dario Argento, Franco Ferrini (baseados na obra de Edgar Allan Poe)
Produção: Achille Manzotti; Dario Argento, Claudio Argento (Produtores Executivos)
Elenco: Adrienne Barbeau, Ramy Zada, Bingo O’Malley, E.G. Marshall, Harvey Keitel, Madeleine Potter, John Amos, Tom Atkins

Romero e Argento juntos dirigindo um filme com contos baseados na obra de Edgar Allan Poe. “That’s a BINGO!” diria o Col. Hans Landa! Dois Olhos Satânicos acerta na mão e traz dois dos mestres do terror em boa forma, abusando de liberdade criativa, mesclando o sobrenatural, o gótico e o gráfico em ótimos média-metragens. Originalmente, Argento queria que o filme fosse uma antologia, colaboração entre SÓ os quatro nomes mais f... do terror naqueles tempos: ele mesmo, George A. Romero, John Carpenter e Wes Craven, adaptando as importantes e influentes obras do escritor americano. Mas infelizmente Carpenter e Craven acabaram desistindo do projeto. Mas isso não abalou o italiano, que tocou a produção ítalo-americana em frente, com Romero se incumbindo do primeiro segmento, “O Caso do Sr. Valdemar”, e Argento do segundo, “O Gato Preto”. Seria impossível filmar “O Caso do Sr. Valdemar” em um média de uma hora de duração, então Romero abusou da livre adaptação e conseguiu acertar a mão. Ernest Valdemar (Bingo O’Malley) é um velho senhor ricaço que está nas últimas, sofrendo de uma doença que lhe dá pouco tempo de vida. Sua esposa, a calculista e gananciosa Jessica (Adrienne Barbeau) então, com a ajuda do médico, seu amante e especialista em hipnose, o Dr. Robert Hoffman (Ramy Zada), igualmente calculista e ganancioso, coloca em prática o plano para ficar com toda a herança milionária de Valdemar. Por meio de hipnose comandada por Hoffman, o velho assina a papelada e também convence seu advogado, Steven Pike (E.G. Marshall) de que toda sua fortuna deve ficar para ela. Tudo está correndo bem e Jessica só precisa que o velho aguente as pontas por mais três semanas, para que toda a documentação do testamento tenha sido resolvida. Certa noite, ainda sob o efeito da hipnose, Valdemar acaba falecendo. Para não perder a bolada, o casal resolve levar seu corpo até o freezer no porão para que não apodreça, e descobrem que Valdemar está em um estágio entre a vida e a morte, hipnotizado, com sua mente aprisionada em seu corpo sem vida, implorando para ser acordado e poder descansar em paz. Acontece que ao mesmo tempo, nesse plano espiritual límbico, criaturas chamadas por ele de “outros” estão tentando abrir espaço para nosso mundo, usando a consciência de Valdemar como porta. Então ao melhor estilo Romero, eis que o velho volta à vida como um zumbi vingativo, e uma espécie de acerto de contas cármico e sobrenatural está prestes a acontecer. Parece que além do conto em si, a inspiração de Romero e a zumbificação de Valdemar também veio da trilogia Muralhas do Pavor, estrelado por Vincent Price e dirigido por Roger Corman durante seu famoso ciclo de adaptações da obra de Poe para os cinemas.
“O Gato Preto” de Dario Argento, a meu ver, é o melhor trabalho do italiano desde Suspiria. Em nenhum dos seus vários outros filmes ele conseguiu atingir um nível tão bom quanto este média. Apesar de não abusar de vários recursos estéticos comuns em suas obras, como os planos de câmera elaborados, fotografia, jogo de luzes e a hiperviolência estilizada, Argento aposta em uma direção mais simples e bruta, sempre permeado pelas influências do suspense de Hitchcock e o giallo de Bava, e foge dos conceitos rocambolescos de suas outras produções. Além é claro, de mesclar várias referências da obra de Poe como easter eggs, prestando um belo de um fan service.
Harvey Keitel (simplesmente incrível) vive Roderick Usher (em alusão ao conto “A Queda da Casa de Usher”), um fotógrafo policial que se especializou no mórbido trabalho de fotografar assassinatos brutais. Conhecemos seu ofício lúgubre ao clicar uma vítima nua partida em duas por um pêndulo afiado (em alusão a “O Poço e o Pêndulo”). Outro crime captado por suas lentes está uma mulher que foi exumada para ter todos seus dentes extraídos por seu primo (em alusão a “Berenice”, em uma ponta de Tom Savini trajado como Poe, uma vez que o conto é em primeira pessoa e realmente o escritor se casou com sua prima). Aquele trabalho logicamente ia mexer com qualquer um, mas parece ter um efeito delicioso para Usher. Certo dia, uma gata preta aparece em sua casa, acolhida por sua namorada, Annabel (em alusão ao conto “Annabel Lee”), papel de Madeleine Potter. Logo vemos que um não foi com a cara do outro, e claro que sabemos que em determinado momento do desenrolar da história, Usher vai matar o bichano. A partir daí, com o fotógrafo cada vez mergulhando mais em insanidade e atitudes violentas, e com o sumiço do felino, o seu relacionamento com Annabel irá degringolar e ele acabará matando a mulher, emparedando-a, tal qual o conto. Não sei se é SPOILER para você ou não, se já o leu ou assistiu a algumas de suas muitas adaptações para o cinema, mas a polícia vai descobrir o corpo por conta dos miados incessantes do gato atrás da parede. A grande diferença é que Argento é Argento, e um dos momentos mais extremos do longa é quando descobrimos o corpo da mulher putrefato, devorado por uma ninhada de gatinhos que foram enterrados junto com a gata grávida. É de embrulhar o estômago! A grande tropeçada é a extensão da conclusão, que vamos admitir, foi desnecessária e das mais bestas.
Entre as demais referências neste segmento, há uma bartender chamada Eleonora e também o vizinho de Usher chama-se Sr. Pym. Nunca lhe é dito o primeiro nome, mas aposto um picolé de limão que deva ser Arthur Gordon. Outro grande ponto positivo por trás de Dois Olhos Satânicos é a presença do veterano Tom Savini cuidando da maquiagem e a trilha sonora de Pino Donaggio. Mais um nome famoso dos fãs do horror é o de Luigi Cozzi, diretor de segunda unidade do longa.
Romero e Argento souberam muito bem captar a obra de Poe e transportar diversos dos principais temas recorrentes em sua escrita em Dois Olhos Satânicos, que facilmente entra para aquela lista dos melhores exemplares cinematográficos baseados nos contos de um dos mais prolíficos e inspiradores nomes da literatura fantástica de todos os tempos.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/23/598-dois-olhos-satanicos-1990/