Direção: William Peter Blatty
Roteiro: William Peter Blatty (baseado em seu livro)
Produção: Carter DeHaven; Steve Jaffe (Produtor Associado); Joe
Roth, James G. Robinson (Produtor Executivo)
Elenco: George C. Scott, Ed Flanders,
Brad Dourif, Jason Miller, Nicol Williamson, Scott Wilson, Nancy Fish
O Exorcista
III, a priori, é um filme subestimado. Claro que tudo
que falamos a respeito das continuações, rip offs e qualquer outro
filme que remeta a O Exorcista, de William Friedkin, talvez o “maior filme de terror de todos os
tempos”, é complicado, exatamente pela grandiosidade e impacto do original para
o gênero (e para o cinema). Qualquer desafio de levar uma continuação para os
cinemas seria naturalmente elevado à enésima potência. Falando nisso, não
podemos nos esquecer da completa bomba que foi O Exorcista
II – O Herege, e sua recepção avassaladora de público e crítica,
e não era para menos. Fatidicamente, essa “segunda parte” acabou por atrapalhar
o bom O Exorcista III, mas não tanto, quanto a ganância, sacanagem e falta
de tato dos seus produtores. William Peter Blatty, autor do best-seller e do
roteiro do primeiro filme, escreveu uma espécie de continuação “não oficial”
de O Exorcista em 1983 e o chamou de “Legião”, revisitando o universo
que rondou os acontecidos do fatídico exorcismo de Regan McNeill em Georgetown
há 15 anos. Uma trama muito mais focada em elementos policiais e investigativos
e centrada no horror psicológico do que o rolo compressor gráfico e pesado do
primeiro livro. O livro só saiu do papel depois do próprio William Friedkin
perder o interesse em dirigir uma continuação, e com a sua saída, e também
desistência de Blatty, a Warner Bros. deu com os burros n’água com O
Herege. Depois de publicado e com relativo sucesso de público, o escritor
acreditou que era hora de leva-lo ao cinema. Os produtores da Morgan Creek
compraram a ideia, mas com uma condição (a primeira de muitas que viriam): o
título do filme não seria apenas “Legião”, como o livro, e sim “O Exorcista:
Legião”, obviamente para capitalizar em cima do sucesso estrondoso do primeiro
filme, mesmo com todos os pés atrás do mundo por conta de O Herege. Blatty
convidou John Carpenter para a direção, que acabou recusando, então o próprio
assumiu a cadeira de diretor. Na trama, o velho conhecido dos fãs de O
Exorcista, o Tenente Kinderman, agora vivido pelo oscarizado George C. Scott
(uma vez que seria impossível Lee Cobs voltar ao papel, tendo morrido apenas
três anos depois do lançamento do primeiro filme) está às voltas com uma
investigação do assassinato de um coroinha chamado Thomas Kintry (James
Burgess), decapitado, tendo a cabeça de uma estátua de Cristo colocada em seu
lugar e crucificado em dois remos. Em seguida, temos uma nova vítima, um padre
local, também decapitado após uma confissão de uma velha senhora. As impressões
digitais não batem, sugerindo que duas pessoas diferentes foram responsáveis.
Kinderman é um velho amigo do Padre Dyer (Ed Flanders), o mesmo que prestou a
extrema unção para Damien Karras, aquele que tirou Pazuzu na porrada de Regan e
rolou escada abaixo, ou seja, outro personagem recorrente ao romance e filme
original. Dyer se interna em um hospital para fazer um check-up de rotina e
acorda na outra manhã morto, com todo o sangue drenado de seu corpo e colocado
em pequenos potes. Os caminhos da investigação levam Kinderman a descobrir que
o assassino tem o mesmomodus operandi de um serial
killer conhecido como Assassino de Gêmeos (clara inspiração no assassino
do Zodíaco), uma vez que alguns detalhes do crime são idênticos e de
conhecimento somente da polícia. Só que o psicopata havia sido fritado na
cadeira elétrica há 15 anos. Então a revelação estarrecedora da vez, contada
pelo psiquiatra do hospital, Dr. Temple (Scott Wilson) é que na ala de
segurança máxima está um sujeito que chegou até lá há exatos… 15 anos (ah,
vá?), com amnésia e estado catatônico, saindo desse estágio há alguns dias,
exatamente quando começou a série de assassinatos. Ao visitar o tal Paciente X,
eis que Kinderman descobre que na verdade ele é o Pe. Karras, e na verdade tudo
que estava acontecendo não passou de uma vingancinha do Pazuzu (ou de Legião,
afinal ele tem vários nomes), que ao ser expulso de Regan e brevemente tendo
possuído o pároco, ordenou que o espírito do Assassino de Gêmeos (que deveria
ser mais uma de suas manifestações demoníacas, algo nunca muito bem explicado)
entrasse em seu corpo. De lá para cá, ele possui os pacientes idosos e
catatônicos da ala psiquiátrica e os comanda para cometer todos aqueles crimes
hediondos. Só que aí entramos no detalhe que acabou com a reputação de O
Exorcista III e o tornou tão malfadado. Até então, o filme é construído de
forma até soberba, posso assim dizer. O clima construído por Blattey é dos mais
soturnos, tétricos, misturando blasfêmia com descrição de assassinatos
violentos, uma porrada de simbolismos religiosos e oníricos, e a essência do
terror psicológico. Algumas cenas são realmente de arrepiar, como a arrastada
sequência da morte da enfermeira Keating (Tracy Thorne), que finaliza com uma
figura portando trajes sacros, munida de uma tesoura de realizar autópsia, sai
do corredor e corta sua cabeça fora, ou quando uma das velhinhas possuídas faz
às vezes do Homem-Aranha andando pelo teto de uma das salas. Mas ao mostrar o primeiro corte para os famigerados produtores, os
malditos não gostaram do que viram, resolveram impor a Blatty que o terceiro
ato inteiro fosse refeito e que, claro, existisse um exorcismo, para inclusive,
aproximar ainda mais do original. A contragosto, Blatty acatou os pedidos
(afinal, se ele não o fizesse, alguém o faria, é só ver as enormes semelhanças
com o que aconteceu com Paul Shcrader a sua prequela, quatorze anos depois,
substituído por Renny Harlim e quase que completamente refeito). Jason Miller
foi trazido do original para reviver o papel de Karras/Paciente X, e daí
acontece a grande confusão do longa, uma vez que o Assassino de Gêmeos é vivido
por Brad Dourif, que teve sua participação severamente editada, inclusive seus
ferinos diálogos (e o embate final) com Kinderman, e vira e mexe vemos George
C. Scott contracenando com os dois, quando o Paciente X está com a personalidade
de Karras ou do Assassino. E não foi só isso, o final foi completamente
alterado, colocando em cena o ator veterano Nicol Williamson para viver o Padre
Morning, aquele que executaria o inevitável exorcismo em Karras. Todo o horror
psicológico, o clima lúgubre e pesado e o jogo sobrenatural de Blatty vai para
o espaço, e somos brindados com mais uma cena descartável de exorcismo cheio de
efeitos especiais, pirotecnia, olhos amarelos, levitações, cobras e que custou
mais quatro milhões de dólares ao estúdio, despencando o nível do filme e lhe
dando o infame status que tem hoje, além da ojeriza de público e crítica quando
em seu lançamento. No final das contas, Blatty ficou puto com o resultado, Brad
Dourif ficou puto, George C. Scott ficou puto e o muito diferente do corte do
diretor/roteirista, temos uma versão medíocre, confusa e apelativa em seu
final. E olha que até o exorcismo teve que ser mudado por imposição dos
engravatados, uma vez que na sequência, o rosto do Paciente X ficaria
alternando entre de Miller e de Dourif (que inclusive acabou entrando no
trailer), mas foi tachado como confuso. Como se aquela mudança constante de um
para o outro em pleno bate-papo não tivesse ficado, mas enfim. Agora
analisando O Exorcista III conhecendo todos os detalhes sórdidos, não
dá para não dizer que e é um puta filme, uma sequência que faz jus ao original,
com uma atmosfera soturna, bem construída e momentos realmente densos,
violentos e profanos. Claro que também tem um sério problema de edição e os
seus erros gritantes de roteiro, ainda mais se levarmos em consideração alguns
aspectos de O Exorcista, como quando Kinderman diz que Karras era seu
melhor amigo, e na verdade, se conheceram depois do assassinato de Burke
Dennings e sabemos que o padre “morreria” logo depois, ou o fato que termos de
engolir todas as vítimas com nome, sobrenome ou nome do meio começando com a
letra K (outro M.O. do Assassino de Gêmeos), e de repente todo mundo em volta
do caso coincidentemente tem a letra do alfabeto em seu RG (incluindo aí gente
relacionada ao exorcismo de Regan, diga-se de passagem), como o garoto, os
padres, a enfermeira, e por aí vai. E para completar o infortúnio de O
Exorcista III, o “pobre diabo” do Blatty nunca poderá nem fazer a sua versão do
diretor, como aconteceu com Schrader, porque a Morgan Creek fez o favor de
perder os negativos originais. O que é uma pena, porque dá uma curiosidade “dos
infernos” de saber como seria o longa originalmente planejado e o embate, muito
mais psicológico, tenso e acachapante, entre Kinderman e o Assassino de Gêmeos
sem aquela patifaria em seu final.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/26/599-o-exorcista-iii-1990/
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