Direção: Tom Savini
Roteiro: George A. Romero
Produção: John A. Russo, Russell Streiner; Christine Forrest
(Produtora Associada); Menahem Golan, George A. Romero (Produtores Executivos)
Elenco: Tony Todd, Patricia Tallman, Tom
Towles, McKee Anderson, William Butler, Katie Finneran
A palavra REFILMAGEM é suficiente para causar certa ojeriza nas pessoas.
Quando se usa o termo REFILMAGEM para talvez o mais importante filme de horror
de todos os tempos, o responsável pelo surgimento do cinema de terror americano
moderno, uma obra seminal dirigida por um jovem cineasta brilhante em inspirador
início de carreira, a reação pode beirar o pânico. É isso que talvez possa
acontecer no caso de A Noite dos Mortos-Vivos, a atualização
colorida do clássico de George A. Romero, dirigida por Tom Savini, lançada 22
anos depois do original. Mas, felizmente, podemos respirar aliviados, pois o
trabalho não ficou aquém ao original, muito pelo contrário, consegue até
superá-lo em determinados aspectos, por conta do avanço tecnológico, das possibilidades
estéticas e do orçamento maior. O que poderia ser mais um problema, afinal você
pegar um clássico do “underground”, do cinema de terror independente, de autor,
e colocar na mão de uma Columbia Pictures da vida, feito sob encomenda para uma
restrição R, em tempos que os italianos redefiniram os rumos
do gore na década passada, é um tanto quanto preocupante. Mas
tranquiliza o fato de saber que Savini e Romero estão envolvidos, esse último,
o pai do zumbi como conhecemos hoje, como produtor executivo e roteirista,
baseado no seu próprio texto escrito com John Russo. Outro fator é que Romero
envolvido no projeto e dando o sinal verde sinaliza que de certa forma toda a
preocupação artística e de conteúdo ficou para trás, lá em 1968, e a sua
necessidade neste momento, e tanto quanto legítima, era ganhar dinheiro em cima
de uma obra que ele recebeu praticamente nenhum tostão. Para quem não
sabe, A Noite dos
Mortos-Vivos original é de domínio público por conta de uma
trapalhada dos produtores que deixaram de forma vexatória e amadora o aviso de
direitos autorais de fora da cópia original. Então o remake foi feito
sob medida para maximizar a rentabilidade e uma compensação financeira depois
de tudo. Fora isso, lá em 1990 vivíamos uma desconfiança sobre o zumbi, muito
por conta da sua desconstrução e os caminhos cinematográficos que o morto-vivo
percorreu durante os anos 80 (assim como o próprio cinema de terror em si).
“Thriller” sepultou a reputação assustadora e pessimista dos cadáveres
ambulantes e A Volta dos
Mortos-Vivos serviu como o último prego do caixão,
transformando-os em objetos da cultura pop, motivo de troça, que não
metiam mais medo em ninguém. Então a missão de Savini, ainda mais com o título
consolidado de mestre dos efeitos de maquiagem, era reinventar o zumbi mais uma
vez, apelando para o acompanhamento de autópsias e estudos de corpos em campos
de concentração para obter um alto grau de realismo e nos relembrar que aquilo
são cadáveres dos nossos que voltaram à vida, e aquilo é sim digno de medo e
asco. E logo no primeiro momento em que os zumbis aparecem em cena, temos esse
choque de realidade. Inicialmente por quebrar a expectativa, que em nossa
cabeça, aquele momento em que Barbara (Patricia Tallman) e Johnnie (Bill
Moseley) estão no cemitério (“The’re coming to get you, Barbra”) seria recriado
em cópia carbono, mas não. Vemos inicialmente o morto-vivo passando direto com
suas roupas rasgadas nas costas (tal qual os verdadeiros cadáveres são
enterrados) e Johnnie sendo abruptamente atacado por outro zumbi, que lhe
quebra o pescoço e dá início a escapada de Barbara em busca de proteção em uma
casa de campo, onde irá encontrar Ben (Tony Todd) e seus demais ocupantes, o
infame Harry Cooper (Tom Towles), sua esposa Helen (McKee Anderson) e sua filha
infectada, Sarah (Heather Mazur), além do casal Tom (William Butler) e Judy
Rose (Katie Finnerman). A velha batalha por sobrevivência enquanto os zumbis
tentam invadir o local pelas portas e janelas está ali, assim como a já famosa
crítica social tão incisiva de Romero, amplificando tudo que há de pior na
natureza humana em uma situação como essa, colocando desejos mesquinhos de
liderança, controle e subserviência em primeiro plano, como uma ameaça muito
maior do que os devoradores de cérebro e entranhas que se aglutinam à espreita.
Mas há um detalhe interessantíssimo nessa releitura de personagens que recai
sobre os ombros de Barbara. A questão racial tão explícita no original aqui é
deixada de lado para dar lugar a questão de gênero. O feminismo toma conta como
contexto principal da película, aumentando a importância do papel de Barbara e
diminuindo de Ben. Afinal estamos na década de 90, início da década do “Girl
Power”, e um momento do próprio cinema em que a heroína forte e determinada
estava em relevância, todas filhas de Ellen Ripley em Alien, O
Oitavo Passageiro. A Barbara original era apenas uma garota
histérica, indefesa, que passa grande parte do filme em estado de choque,
chegando até a levar um tapa de Ben para que retorne à terrível realidade,
enquanto a personagem de Patricia Tallman está bem no meio do fogo cruzado de
uma crise de machismo e discussão ignorante entre Ben e Cooper, para
metaforicamente ver quem tem o pau maior, ela toma as rédeas da situação de
forma prática e racional (obviamente depois do choque, depois de desabar e
tomar fôlego, juntar forças, tirar a saia e vestir algo mais propenso para a
situação, pegar uma arma e tomar a iniciativa). Na refilmagem de A Noite
dos Mortos-Vivos, ela é a heroína, a protagonista, que entende a gravidade da
situação de uma forma mais ampla, enquanto Ben é tão irresponsável e explosivo
quanto Cooper, e ao mesmo tempo, ela percebe todo o problema social de uma
volta à vida dos cadáveres (“Eles são nós e nós somos eles” é sua emblemática
frase ao final). Enquanto a sociedade patriarcal da autoridade e abuso do poder
vai ruindo a sua volta, tanto nas discussões intermináveis de onde é o local
mais seguro da casa quanto no descontrole dos homens e suas armas de fogo com
suas atitudes covardes, arrogantes e egocêntricas, ao final Barbara apenas
racionaliza a situação e se lança a sobrevivência com eficiência, como uma
mulher forte, independente, ativa e ciente de suas decisões. O grande choque
talvez seja a mudança do final, que obviamente não caberia nessa refilmagem,
uma vez que as tensões raciais não estavam em grau de ebulição como no final
dos anos 60, e não faria sentido o herói negro sobreviver, mas acabar sendo
morto, mesmo que de forma acidental, por caipiras rednecks. Ben acaba se
transformando em um zumbi, mas quando Barbara volta à casa, Cooper está vivo,
mesmo depois dele e Ben terem trocado tiros em uma espécie de bangue-bangue sem
sentido, e cabe a Barbara meter uma bala em sua cabeça, eliminando o verdadeiro
vilão do longa e colocando abaixo aquela mentalidade misógina, aquela ordem
patriarcal dominante que ele tanto defendia. Sem peso na consciência, afinal
ali surgia um admirável mundo novo, ela apenas diz que ele havia sido
transformado em zumbi. A Noite dos Mortos-Vivos faturou mais de cinco
milhões de dólares nas bilheterias americanas e acabou por agradar aos fãs. O
trabalho seguro de Savini por trás das câmeras em seu debute, mesmo no meio de
brigas com equipe, ressentimentos e o fato de Romero, pai da criança, não estar
por perto (até por conta disso muito se percebe ser homenagem do diretor ao mestre),
foi eficiente e mesmo com o banho de gore ficando de fora por
tratar-se de um filme de estúdio e dos famigerados cortes do MPAA (que
inicialmente deu uma classificação X) a fita e serve muito bem ao propósito de
atualizar o grande clássico do horror para uma nova geração e resgatar a
combalida reputação do zumbi.
FONTE:
https://101horrormovies.com/2015/02/05/607-a-noite-dos-mortos-vivos-1990/
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