Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Bruce Joel Rubin
Produção: Alan Marshall; Bruce Joel
Rubin (Produtor Associado); Mario Kassar, Andrew Wajna (Produtores Executivos)
Elenco: Tim
Robbins, Elizabeth Peña, Danny Aiello, Matt Craven, Jason Alexander, Macauly
Culkin
Os anos 90 ficaram conhecidos por sua
baixíssima qualidade de filmes lançados direto para o vídeo e sequências atrás
de sequências, pelo descrédito total das produtoras e distribuidoras
(principalmente das majors) e
pela quase “extinção” do gênero, salvo do ostracismo em sua metade por Wes
Craven, que mostrou que ainda dava para se contar uma boa história e dar
dinheiro com isso. E justamente Alucinações do Passado é um dos
melhores filmes daquela década, como um silêncio que precedia a tempestade que
estava por vir. Lyne vinha gabaritado dos anos 80 para poder realizar seu
thriller-psicológico-espiritual-bélico-tétrico, afinal havia feito sucesso
dirigindo Flashdance – Em Ritmo de Embalo, 9 ½ Semanas de Amor e Atração
Fatal. O resultado foi um filme intenso e atmosférico, que brinca todo momento
com a realidade, o pesadelo, a loucura, o drama da guerra, o que é real e o que
é falso, com direito àquela reviravolta revigorante em seu final (mesmo que uma
crônica anunciada durante toda a projeção – amadoramente destituída pelo safado
e completamente errôneo título nacional, que infelizmente foi um fracasso
retumbante, completamente esquecido e transformado em cult com o
passar dos tempos. Engraçado que Alucinações do Passado é mais atual
do que nunca, mesmo depois de quase 25 anos de seu lançamento. Se o personagem
principal, Jacob Singer (vivido de forma magnânima e intensa pelo sempre ótimo
Tim Robbins) é um veterano do Vietnã às raias da loucura e da paranoia,
portador de uma espécie de estresse pós-traumático do conflito (e, diga-se de
passagem, que o filme foi lançado durante a iminente Guerra do Golfo), hoje em
dia, combatentes do Iraque e Afeganistão poderão ocupar essa vaga facilmente
daqui a alguns anos após saírem do combate, ainda mais se tiveram um destino
igual ao de Jacob. O começo da trama se passa na selva do sudoeste asiático.
Singer e seu pelotão são atacados impiedosamente depois do surgimento súbito de
estranhos comportamentos dos soldados, e o personagem é ferido mortalmente por
uma baioneta. Em seguida ele acorda no imundo metrô de Nova York, pressupõe-se
que alguns anos depois, e passa a ter alucinações recorrentes ao conflito e
aquela fatídica noite, basicamente vivendo entre planos que irão constituir
linhas narrativas diferentes até o final do longa. Essas narrativas consistem
dos acontecimentos durante o Vietnã, o presente, onde vive a decadência
inerente a muitos soldados após o encerramento da vida militar feridos em
combate, trabalhando como carteiro, e vivendo com Jezzie (Elizabeth Penã), uma
colega de trabalho em um apartamento muquifo, depois de abandonar a mulher
Sarah (Patricia Kalember) e os filhos, abalado após a perda do caçula, Gabriel
(papel não creditado do ainda mais infante Macauly Culkin), morto atropelado.
As alucinações vão se tornando mais intensas quando Jacob passa a ser
perseguidos por “demônios” e se vê no meio de uma batalha com a própria
sanidade, além de começar a descobrir uma terrível conspiração do exército
e suas infames experiências durante a Guerra. Se você ficar atento aos
detalhes, e até a algumas informações que de tão triviais nem são levadas a
sério pelo espectador, você já vai captar claramente o final do filme e não
ficará “surpreso”. Isso é tudo que pode se dizer sobre a trama de Alucinações
do Passado sem entrar no SPOILER,
algo que o farei no próximo parágrafo, então já sabe: pule para o penúltimo ou
leia por sua conta e risco.
Jacob na verdade está tendo uma alucinação
com doses metafísicas e espirituais cavalares e todo o desenvolver da narrativa
se passa enquanto ele está entre a vida e a morte após ser atingido no Vietnã,
durante seu resgate na selva até as tentativas (em vão) dos médicos da campanha
em salvá-lo (ou seja, ele não está no futuro e não há alucinações de nenhum
passado). O que estamos assistindo é luta de Jacob em viver e uma “batalha
velada” por sua “alma” o que dependerá da forma que ele deixará esse mundo, em
paz ou em rancor, com todo um plano espiritualista bem característico dos
trabalhos do roteirista Bruce Joel Rubin, famoso por escrever e produzir Ghost
– Do Outro Lado da Vida. Então já viu. Três personagens são os fios condutores
dessa “batalha espiritual” e servem como guia do soldado ferido. O primeiro é
Louis, o quiroprata vivido por Danny Aiello, que em seu consultório vive de
branco com uma luz propositalmente sempre iluminando sua cabeça, como um anjo
(é até assim que Jacob o chama). Louis é o único capaz de aliviar a dor
constante na sua coluna, algo que ele almeja mais e mais (acabar com a dor de
vez) e lhe dá os sermões característicos que irão fazer com que ao final ele
encontre seu caminho, sua paz, sua redenção. Gabriel (que tem nome de anjo, bem
aquele que contou as boas novas para Maria sobre seu filho vindouro, AKA Jesus)
é o outro personagem que tenta levar o pai para a luz de forma não traumática.
Sua morte pouco antes do conflito fará com que seja ele quem o guie para o
descanso, mas há o catalisador do outro lado do ringue, onde está sua atual,
Jezzie, diminutivo de Jezzebel, um das personagens mais odiosas da bíblia (ela
despreza nomes bíblicos em uma conversa de travesseiro com Jacob), que
hipoteticamente é responsável pelo fim de seu casamento e o arrasta para
situações sinistras, como a festa do apartamento regada a drogas, luxúria, sexo
e disco music (TUDO COISA DO DEMO!) onde o pobre coitado tem uma de suas
primeiras crises em direção à esquizofrenia. O medo e a culpa pela morte do
filho fazem com que os demônios o persigam e ele não consiga descansar em paz. Outra
“dica” óbvia são os sonhos constantes com seus filhos, e em suas viagens
temporais de lembranças do passado e acontecimentos do presente, onde eles
sempre estão com a mesma idade, sem nunca envelhecer ou rejuvenescer. Por fim,
há algo aí perdido na tradução, uma vez que o título original, “Jacob’s Ladder”
seria “A Escada de Jacó”, que não tem relação apenas com o nome da uma droga
experimental que deixaria os combatentes extremamente agressivos para enfrentar
seus inimigos e dar aquela injeção de moral que os EUA precisariam depois de
estar perdendo a Guerra, testada no pelotão de Jacob, chamada de “Escada”, mas
sim com uma referência bíblica ao nome do caminho para o paraíso com a qual
Jacó sonha no livro do Gênese e lhe leva em ascensão a Deus, ou seja, aquela
escada dourada que a alma sobe depois de desencarnado em direção às nuvens e
tal. Para o fã do horror de verdade, há pesadelos visuais incríveis e um
excelente trabalho de maquiagem em Alucinações do Passado, que remetem a
essa perseguição das criaturas demoníacas. É sabido que o popular jogo de survivor
horror Silent Hill, teve seu visual inspirado neste filme. É fácil
perceber isso na tétrica e assustadora sequência do manicômio onde em um de
seus pesadelos, Jacob se vê preso e cercado por criaturas insidiosas, sem
rosto, com tentáculos, e onde tortura, dor e sangue são vistos por todos os
lados. Alucinações do Passado abre espaço para interpretações, flerta com
cinema de guerra, com paranoia, drama existencial e espiritual, conspirações e aspectos
políticos, militares e governamentais, com terror psicológico, todos eles de
forma muito bem conduzida por Lyne, que extrai o máximo de seu personagem
principal, o desconstrói em pedacinhos em busca de paz e redenção. Acompanhamos
de perto seus dramas, seus medos e a fita tem o mérito de deixar o espectador
impressionado até sua última cena. Um pena que o resto da década não continuou
nessa toada.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/12/589-alucinacoes-do-passado-1990/
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