quarta-feira, 18 de maio de 2016

#589 1990 ALUCINAÇÕES DO PASSADO (Jacob’s Ladder, EUA)


Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Bruce Joel Rubin
Produção: Alan Marshall; Bruce Joel Rubin (Produtor Associado); Mario Kassar, Andrew Wajna (Produtores Executivos)
Elenco: Tim Robbins, Elizabeth Peña, Danny Aiello, Matt Craven, Jason Alexander, Macauly Culkin

Os anos 90 ficaram conhecidos por sua baixíssima qualidade de filmes lançados direto para o vídeo e sequências atrás de sequências, pelo descrédito total das produtoras e distribuidoras (principalmente das majors) e pela quase “extinção” do gênero, salvo do ostracismo em sua metade por Wes Craven, que mostrou que ainda dava para se contar uma boa história e dar dinheiro com isso. E justamente Alucinações do Passado é um dos melhores filmes daquela década, como um silêncio que precedia a tempestade que estava por vir. Lyne vinha gabaritado dos anos 80 para poder realizar seu thriller-psicológico-espiritual-bélico-tétrico, afinal havia feito sucesso dirigindo Flashdance – Em Ritmo de Embalo, 9 ½ Semanas de Amor e Atração Fatal. O resultado foi um filme intenso e atmosférico, que brinca todo momento com a realidade, o pesadelo, a loucura, o drama da guerra, o que é real e o que é falso, com direito àquela reviravolta revigorante em seu final (mesmo que uma crônica anunciada durante toda a projeção – amadoramente destituída pelo safado e completamente errôneo título nacional, que infelizmente foi um fracasso retumbante, completamente esquecido e transformado em cult com o passar dos tempos. Engraçado que Alucinações do Passado é mais atual do que nunca, mesmo depois de quase 25 anos de seu lançamento. Se o personagem principal, Jacob Singer (vivido de forma magnânima e intensa pelo sempre ótimo Tim Robbins) é um veterano do Vietnã às raias da loucura e da paranoia, portador de uma espécie de estresse pós-traumático do conflito (e, diga-se de passagem, que o filme foi lançado durante a iminente Guerra do Golfo), hoje em dia, combatentes do Iraque e Afeganistão poderão ocupar essa vaga facilmente daqui a alguns anos após saírem do combate, ainda mais se tiveram um destino igual ao de Jacob. O começo da trama se passa na selva do sudoeste asiático. Singer e seu pelotão são atacados impiedosamente depois do surgimento súbito de estranhos comportamentos dos soldados, e o personagem é ferido mortalmente por uma baioneta. Em seguida ele acorda no imundo metrô de Nova York, pressupõe-se que alguns anos depois, e passa a ter alucinações recorrentes ao conflito e aquela fatídica noite, basicamente vivendo entre planos que irão constituir linhas narrativas diferentes até o final do longa. Essas narrativas consistem dos acontecimentos durante o Vietnã, o presente, onde vive a decadência inerente a muitos soldados após o encerramento da vida militar feridos em combate, trabalhando como carteiro, e vivendo com Jezzie (Elizabeth Penã), uma colega de trabalho em um apartamento muquifo, depois de abandonar a mulher Sarah (Patricia Kalember) e os filhos, abalado após a perda do caçula, Gabriel (papel não creditado do ainda mais infante Macauly Culkin), morto atropelado. As alucinações vão se tornando mais intensas quando Jacob passa a ser perseguidos por “demônios” e se vê no meio de uma batalha com a própria sanidade, além de começar a descobrir uma terrível conspiração do exército e suas infames experiências durante a Guerra. Se você ficar atento aos detalhes, e até a algumas informações que de tão triviais nem são levadas a sério pelo espectador, você já vai captar claramente o final do filme e não ficará “surpreso”. Isso é tudo que pode se dizer sobre a trama de Alucinações do Passado sem entrar no SPOILER, algo que o farei no próximo parágrafo, então já sabe: pule para o penúltimo ou leia por sua conta e risco.
Jacob na verdade está tendo uma alucinação com doses metafísicas e espirituais cavalares e todo o desenvolver da narrativa se passa enquanto ele está entre a vida e a morte após ser atingido no Vietnã, durante seu resgate na selva até as tentativas (em vão) dos médicos da campanha em salvá-lo (ou seja, ele não está no futuro e não há alucinações de nenhum passado). O que estamos assistindo é luta de Jacob em viver e uma “batalha velada” por sua “alma” o que dependerá da forma que ele deixará esse mundo, em paz ou em rancor, com todo um plano espiritualista bem característico dos trabalhos do roteirista Bruce Joel Rubin, famoso por escrever e produzir Ghost – Do Outro Lado da Vida. Então já viu. Três personagens são os fios condutores dessa “batalha espiritual” e servem como guia do soldado ferido. O primeiro é Louis, o quiroprata vivido por Danny Aiello, que em seu consultório vive de branco com uma luz propositalmente sempre iluminando sua cabeça, como um anjo (é até assim que Jacob o chama). Louis é o único capaz de aliviar a dor constante na sua coluna, algo que ele almeja mais e mais (acabar com a dor de vez) e lhe dá os sermões característicos que irão fazer com que ao final ele encontre seu caminho, sua paz, sua redenção. Gabriel (que tem nome de anjo, bem aquele que contou as boas novas para Maria sobre seu filho vindouro, AKA Jesus) é o outro personagem que tenta levar o pai para a luz de forma não traumática. Sua morte pouco antes do conflito fará com que seja ele quem o guie para o descanso, mas há o catalisador do outro lado do ringue, onde está sua atual, Jezzie, diminutivo de Jezzebel, um das personagens mais odiosas da bíblia (ela despreza nomes bíblicos em uma conversa de travesseiro com Jacob), que hipoteticamente é responsável pelo fim de seu casamento e o arrasta para situações sinistras, como a festa do apartamento regada a drogas, luxúria, sexo e disco music (TUDO COISA DO DEMO!) onde o pobre coitado tem uma de suas primeiras crises em direção à esquizofrenia. O medo e a culpa pela morte do filho fazem com que os demônios o persigam e ele não consiga descansar em paz. Outra “dica” óbvia são os sonhos constantes com seus filhos, e em suas viagens temporais de lembranças do passado e acontecimentos do presente, onde eles sempre estão com a mesma idade, sem nunca envelhecer ou rejuvenescer. Por fim, há algo aí perdido na tradução, uma vez que o título original, “Jacob’s Ladder” seria “A Escada de Jacó”, que não tem relação apenas com o nome da uma droga experimental que deixaria os combatentes extremamente agressivos para enfrentar seus inimigos e dar aquela injeção de moral que os EUA precisariam depois de estar perdendo a Guerra, testada no pelotão de Jacob, chamada de “Escada”, mas sim com uma referência bíblica ao nome do caminho para o paraíso com a qual Jacó sonha no livro do Gênese e lhe leva em ascensão a Deus, ou seja, aquela escada dourada que a alma sobe depois de desencarnado em direção às nuvens e tal. Para o fã do horror de verdade, há pesadelos visuais incríveis e um excelente trabalho de maquiagem em Alucinações do Passado, que remetem a essa perseguição das criaturas demoníacas. É sabido que o popular jogo de survivor horror Silent Hill, teve seu visual inspirado neste filme. É fácil perceber isso na tétrica e assustadora sequência do manicômio onde em um de seus pesadelos, Jacob se vê preso e cercado por criaturas insidiosas, sem rosto, com tentáculos, e onde tortura, dor e sangue são vistos por todos os lados. Alucinações do Passado abre espaço para interpretações, flerta com cinema de guerra, com paranoia, drama existencial e espiritual, conspirações e aspectos políticos, militares e governamentais, com terror psicológico, todos eles de forma muito bem conduzida por Lyne, que extrai o máximo de seu personagem principal, o desconstrói em pedacinhos em busca de paz e redenção. Acompanhamos de perto seus dramas, seus medos e a fita tem o mérito de deixar o espectador impressionado até sua última cena. Um pena que o resto da década não continuou nessa toada.
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/12/589-alucinacoes-do-passado-1990/

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