quinta-feira, 26 de maio de 2016

#601 1990 UM GATO NO CÉREBRO (Un gatto nel cervello / A Cat in the Brain / Nightmare Concert, Itália)


Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Lucio Fulci, Giovanni Simonelli, Antonio Tentori
Produção: Antonio Lucidi, Luigi Nannerini
Elenco: Lucio Fulci, David L. Thompson, Malisa Longo, Shilett Angel, Jeoffrey Kennedy, Paola Cozo, Brett Halsey

Você manja do cinema de Lucio Fulci, né? Sabe o quanto seus filmes, que ajudaram a definir o infame ciclo splatter italiano, são verdadeiras odes ao gore, à selvageria, a brutalidade gráfica. Pois, Um Gato no Cérebro, uma espécie de filme testamento, é sua mais extrema película. E olha que o Sr. Fulci já parecia ter chutado o balde e seria impossível algo mais grosseiro em sua filmografia, mas ele conseguiu se superar. Tudo isso junto em uma espécie de ensaio metalinguístico sobre sua própria vida e obra, como uma fantasiosa referência autobiográfica aos melhores moldes do cinema de José Mojica Marins, uma crítica velada a psicologia barata e discurso vazio da influência do cinema na violência mundana e claro, um roteiro dos mais mixórdios, completamente sem pé nem cabeça, com um fiapo que funciona como linha condutora para uma sequência atrás da outra de mortes bizarras e violentíssimas, praticamente sem razão de existir. Lucio Fulci é um diretor de filmes de terror. Não isso não é sua biografia, é a sinopse do filme, onde o senhor interpreta a si mesmo. Ele está no meio das filmagens de seu mais novo projeto. Enquanto escreve seu roteiro, metaforicamente seu cérebro está fervilhando de ideias macabras, com um bando de gatos arranhando e devorando sua massa encefálica em close, em uma cena de abertura que já dá o tom do nojo e da necessidade de estômago forte do que está por vir. Na subtrama, um assassino canibal retira um pedaço da coxa de uma mulher nua, faz um steak mal passado para jantar e joga os restos de refeição para os porcos. Mau gosto sem limites. Impactado por anos de sua obra e por esse seu mais novo filme em particular, a vida cotidiana de Fulci passa a ser arrebatada por visões onde qualquer cena corriqueira se transforma em morte, assassinato, sangue, cadáveres e mortos-vivos. Achando que está com um parafuso a menos e enojado com a violência, o célebre diretor resolve procurar ajuda psiquiátrica. Ele marca uma consulta com o professor Egon Swharz (David L. Thompson), que assiste toda sua obra para entender o caso, e pratica uma sessão de hipnose com Fulci, dando vasão ao seu lado psicopata, matando suas vítimas e dando um jeito do diretor estar presente nos locais, fazendo com que ele ache que foi o responsável pela chacina. Pronto, nesses 15, 20 minutos de filme toda a história foi contada. O resto é uma metralhadora giratória de sangue e morte, de todas as formas possíveis e imagináveis: esfaqueamento, decapitação, desmembramento, atropelamento, evisceração, estrangulamento e dilaceração de gargantas, misturado com orgias nazistas, espancamento, corpo putrefatos cobertos de larva, e por aí vai. Eu não sei ao certo a contagem de cadáveres, mas certeza que deixa Jason, Freddy, Michael Myers, Leatherface e Chucky corados. A parada alcança a estratosfera, entre as mortes praticadas pelo psiquiatra e a batelada de alucinações de Fulci, não dando tempo do espectador sequer respirar de uma cena escabrosa para a outra. Ao mesmo tempo conhecemos um pouco do “modus operandi” do diretor e também a forma como ele brinca com suas próprias influências, as mais claras, Alfred Hitchcock e Fritz Lang, e até satiriza sua própria obra, usando footage de outros filmes e particularmente uma cena em que edita um segmento de eye popping, já que sua tara por olhos explodindo de suas órbitas é uma de suas marcar registradas. O problema é que a matança exagerada empapuça. Porra, gore é legal. Ver mortes escabrosas, nojentas, gráficas, nego se ferrando bonito, faz parte da essência brusca do cinema de terror. Mas você pegar um filme que não te dê tempo de tomar um fôlego, não tem história que se sustente, confuso com uma edição péssima, é chato e ainda ver a atuação sofrível do Fulci (que afinal, não é ator), simplesmente é duro de conseguir aguentar. Violência desmedida e despropositada que deveria funcionar como um grito de rebeldia de um velho diretor cansado que passou toda sua vida sob amarras de estúdios, produtores, orçamentos paupérrimos e perseguição da censura, mas que acaba tornando-se exagero infundado. Desculpe, mas eu simplesmente não consigo contemplar um filme que tem um roteiro de 49 páginas sem nenhum diálogo, consistindo apenas de descrição de mutilações corporais, imagens pesadas e efeitos sonoros que irão complementá-las nas telas. Por mais fanático por filmes de terror que eu seja simplesmente não se sustenta, mesmo sendo Fulci. Seus outros filmes são lotados de gore, é o que o tornou conhecido, descolando-o da escola estética italiana de gente como Mario Bava e Dario Argento, por exemplo, mas sua obra também possui altas doses humor negro, profanação e provocação à igreja católica, niilismo e pessimismo, e por mais que tenham roteiros esquisitos, rasos, histórias fracas e conclusões estúpidas, são produções impactantes. Zumbi 2 – A Volta dos Mortos é um marco no subgênero e a trilogia com Pavor Na Cidade dos ZumbisA Casa do CemitérioTerror Nas Trevas carrega todo um clima sobrenatural fúnebre, de desalento e resignação que está ali no subtexto apesar dos baldes de sangue derramado. Em Um Gato no Cérebro, é tudo desnecessário. Isso sem contar a quantidade de nudez que ele também colocou no filme, que não está no gibi. Para nós, tupiniquins, a comparação com Delírios de um Anormal ou Exorcismo Negros são inevitáveis. Até a semelhança física entre Fulci e Mojica surpreendem. Ambos trabalham com esse universo metalinguístico de um diretor e seus filmes, convivendo com suas influências em sua vida pessoal ou de pessoas à sua volta. Ao mesmo tempo em que vemos a violência em estado bruto, mandando às favas a autocrítica e o estudo de personagens, vemos também os arroubos dos devaneios de uma vida medíocre, não no sentido artístico, muito pelo contrário, mas no sentido financeiro e intelectual, sendo substituídos por uma ilusão de que Fulci (tal qual Mojica) é um sujeito respeitado pelos seus pares (e críticos), ostenta o título de Dr. (e é tratado formalmente como tal) em um placa dourada na porta de sua casa, bebe bom uísque e pratica iatismo com belas e jovens garotas. A grande diferença é que muita gente, fãs do gênero mesmo, brada aos ventos que Fulci é gênio, “maestro”, enquanto Mojica é motivo de troça e desrespeito. Vai entender… Depois de Um Gato no Cérebro, Fulci dirigiria apenas mais quatro filmes, entre eles,Demonia (já postado no blog, uma vez que a lista está em ordem alfabética), um não creditado e outro com pseudônimo de H. Simon Kittay, e viria a falecer em 1996 aos 68 anos. Diabético, certa noite ele se esqueceu de tomar sua insulina antes de dormir. Acidente ou suicídio, Fulci deixou sua marca, e mesmo que de forma póstuma, atingiu o status de um dos principais e mais importantes diretores do cinema de horror, apesar (e por causa) de seus exageros sangrentos. Ave, Fulci!
FONTE: https://101horrormovies.com/2015/01/28/601-um-gato-no-cerebro-1990/

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