Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky, Roberto
Leoni, Claudio Argento
Produção: Claudio Argento; René Cardona
Jr, Angelo Iacono (Produtores Executivos)
Elenco: Axel Jodorowsky, Blanca Guerra,
Guy Stockwell, Thelma Tixou, Sabrina Dennison, Adan Jodorowsky, Faviola Elenka
Tapia
“Alejando Jodorowsky mostra que o verdadeiro
horror físico é possível nas telas. Horror, poesia, surrealismo, dor
psicológica e humor perverso, tudo de uma vez só”. Assim o famoso crítico de
cinema americano Roger Ebert define Santa Sangre, a obra do diretor
chileno, e essa foi uma das poucas vezes que o mala, que já fez até campanha
aberta contra o gênero e seus diretores, acertou em cheio tratando-se de filmes
de terror. A representação circense do plano onírico e fantástico definida por
Jodorowsky e seu cinema nada convencional nos apresenta um verdadeiro desbunde
cinematográfico, com direção de arte impecável, figurino estonteante,
riquíssimo na caracterização e nos detalhes, que passeia entre o glamour e a
decadência, transformando o longa em um impacto visual, uma experiência
sensorial tanto para os apreciadores de cinema em geral, quanto para os fãs do gore por
meio do absurdo exagero caricato da violência gráfica. Os veteraníssimos do
cinema italiano, Claudio Argento (irmão do Dario) e Roberto Leoni tinham em
mente a produção de um giallo, daqueles mesmos à moda antiga, envolvendo
um assassino que matava mulheres, e ofereceram a direção a Jodorowsky, que saiu
de um ostracismo de nove anos desde seu último longa para deturpar
completamente qualquer status quo do subgênero, apresentando sua
história de vingança, insanidade e psicopatia com toques líricos de um poetismo
macabro e virtuoso. Pois bem, a trama foca-se na história de Fênix, contada em flashback e flashforward,
que no começo do filme está em estado semi-catatônico em uma instituição
psiquiátrica, e logo uma viagem ao passado nos mostrará porque o personagem se
encontra nesse estado. O jovem (interpretado pelo filho do diretor, Adan
Jodoworosky) é filho de Orgo (Guy Stockwell), líder de uma trupe circense e de
Concha (Blanca Guerra), uma contorcionista-trapezista e fanática religiosa,
sacerdotisa da herética seita de Santa Sangre, repudiada pela igreja e posta
abaixo pela entidade cristã. O moleque já não tem uma infância das mais fáceis,
constantemente traumatizado pelas atitudes do pai (incluindo aí tatuar uma
fênix em seu peito ainda moleque, para virar “macho” após chorar pela morte de
um elefante), até que testemunha o canalha decepando os braços de sua mãe (tal
qual a santa que ela venerava) após jogar ácido em suas partes baixas ao
pegá-lo transando com a mulher tatuada do circo. Como se não bastasse, o
pequeno ainda vê seu pai cortando a própria garganta e se suicidando logo após
o acontecido. Corta para o presente novamente, com o Fênix adulto, agora
interpretado pelo seu outro filho, Axel Jodorowsky, dando um jeito de dar uma
escapada do manicômio, quando após uma noite de folga dos pacientes onde
supostamente deveria acontecer uma visita ao cinema, reconhece a mulher
tatuada, responsável indireta pelo acontecido com seus pais e ruína de sua
própria vida, em uma região de meretrício. O rapaz então começa a botar em
prática seu sangrento plano de vingança ao reencontrar a mãe dominante e
atuando como os “braços” da progenitora. Além de retomar uma bizarríssima
parceria artística com a mãe, Fênix, dominado por ela, ao melhor estilo Norman
Bates, descontrola seu ímpeto hardcore assassino, dando um gosto de
sangue de vermelho vivo em profusão exagerada e cartunesca na perfeição
estética que o diretor vinha imprimindo até então, calcando dali para frente o
longa como uma peça ainda mais surreal de humor negro, que obviamente levantará
todo tipo de questão sobre a sanidade de Fênix e sobre a própria realidade dos
acontecimentos. A marcha fúnebre lúdica que é Santa Sangre (que
parece persistir e se abater em todos os personagens depois da fatídica morte
do elefante da campanha – e, diga-se de passagem, a cena da procissão e seu
desfecho desolador – que evoca a luta de classes – é uma das mais belas da
sétima arte) segue sem freio permeando os atos desconexos de Fênix e a
convivência nociva com a sua mãe e os demais membros da galeria de figuras
excêntricas do circo e da vida cotidiana daquele vilarejo latino americano,
acrescentando pastiches de figuras culturalmente icônicas como gaiatos,
militares e lutadores de lucha libre mascarados.
Santa Sangre é uma peça artística única, que transpira beleza, bizarrice,
violência explícita, sexualidade e tragédia. É Jodorowsky saindo por todos os
poros, homenageando o cinema de nicho mexicano e o gênero do terror, do
clássico ao brutal, tendo ganhado o conceituado Saturn Award, o prêmio de melhor filme no Festival Internacional de
Cinema Fantástico de Paris, integrado a seleção oficial de Cannes na categoria Un Certain Regard e presença na
lista dos 500 maiores filmes de todos os tempos da revista Empire.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/12/12/582-santa-sangre-1989/
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