Direção: Kaneto Shindô
Roteiro: Kaneto Shindô
Produção: Nichiei Shinsha
Elenco: Kichiemon Nakamura,
Nabuko Otowa, Kiwako Taichi, Kei Satô, Taiji Tonoyama
Antes que alguém me pergunte (ou
se pergunte), esse filme não tem nada a ver com o famoso conto homônimo de
Edgar Allan Poe, que inclusive inspirou diversas adaptações cinematográficas. O Gato Preto é
um dos maiores exemplares do cinema de horror japonês, dirigido por Kaneto
Shindô, diretor de outro clássico da Terra do Sol Nascente, Onibaba – A Mulher Demônio. Na verdade, Onibaba e O
Gato Preto possuem uma grande semelhança narrativa, passando-se no mesmo
momento histórico do Japão medieval, o período Sengoku, trazendo como pano de
fundo os efeitos que essa longeva guerra civil teve no povo japonês,
principalmente nas mulheres, que viam seus maridos e filhos irem para a guerra
e nunca retornarem, sendo largadas à sua própria sorte em uma sociedade
brutalmente machista. Onibaba representa a luta de classes, a opressão, e
traz a história de duas mulheres, uma sogra e sua nora, que vivem juntas no
limiar da subsistência enquanto aguarda o filho / marido retornar, e incumbe-se
de entocar e matar samurais que se perdem na vasta plantação de junco onde
moram em um trapiche, para trocar suas armas por comida. Aqui em O Gato
Preto, a estrutura é extremamente parecida, só que menos opressora e mais
fantástica (sendo que o elemento do terror surge apenas nos momentos final de
Onibaba): duas mulheres, uma sogra e sua nora, que enquanto aguardam o filho /
marido retornar, são estupradas e mortas por um grupo de soldados samurais, que
ainda colocam fogo em sua casa. Um gato preto, importante simbolismo para toda
a trama, aparece e lambe o sangue das duas falecidas. Do além, elas juram
vingança (como todo bom espírito japonês que se preze) e fazem um pacto com o
demônio, de matar todos os samurais, chupando seu sangue e o oferecendo ao
demônio como oferenda. Para tal feito, elas retornam do além-túmulo como
espíritos errantes, e atraem todos os samurais que passarem pelo bambuzal perto
de sua antiga residência, na região de Kyoto (onde também se passa Onibaba),
perto do portão sul de Rashomon, para a armadilha sobrenatural. A jovem
convence o soldado de que está com medo de atravessar o sinistro bambuzal, e
pede ajuda para acompanhá-la até sua casa. Lá ele é bem recebido pela velha
(que ela diz ser sua mãe), que embebeda o samurai de saquê, enquanto a jovem
começa a seduzi-lo sexualmente. Aí não dá outra: o espírito enfurecido da
garota ataca o samurai, cravando seus dentes no pescoço do pobre diabo,
matando-o e bebendo seu sangue, depois se transformando em um gato preto.
Seguidamente, diversos samurais são mortos, até que um general dá a missão para
um samurai recém-promovido descubrir quem está matando todos os seus soldados.
Ao chegar ao local, vem a revelação que irá permear o restante do filme: o
samurai é na verdade filho da velha e marido da jovem, que havia sido levado de
casa para a guerra e ao retornar, encontrado apenas as cinzas. Então um dilema
irá se construir, já que elas são obrigadas, por conta do pacto, a matar todos
os samurais, mas não conseguem fazer o mesmo com o próprio filho e marido,
ainda mais com o reacender da paixão do casal. Por outro lado, há a pressão do
general para que aqueles terríveis monstros sejam destruídos. E para ilustrar,
todo esse desenrolar será mostrado por meio de um misto de poesia sublime com
horror fantasmagórico, ao melhor estilo artístico do cinema oriental, contando
também com a belíssima fotografia preta e branca de Kiyomi Kuroda, e a trilha
sonora de Hikaru Hayashi, rústica, utilizando tambores e bambus. Ambos também
acompanharam Shindô em Onibaba. Mais uma vez, somos submersos nas
alegorias e lendas do Japão feudal de forma competente, já que o roteiro,
também de Shindô, é baseado em um conto folclórico japonês. Muito diferente do stablishment causado pelo J-Horror moderno,
principalmente após o sucesso estrondoso de Ring – O Chamado de Hideo Nakata, O Gato Preto é
calcado em uma elegância visual peculiar, investe no terror psicológico sem
nenhum jump scare, e aposta em movimentos sinuosos de câmera e na dança
graciosa das almas penadas, que apesar de diabólicas, ainda são dotadas de um
sentimento de sofrimento humano. Isso tudo além de momentos de extrema
violência gráfica quando são cometidos os assassinatos, tornando-o um filme de
terror perfeito.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/07/12/212-o-gato-preto-1968/