Direção: Masaki Kobayashi
Roteiro: Yôko Mizuki (baseado na
obra de Lafcadio Hearn)
Produção: Shigeru Wakatsuki
Elenco: Michiyo Aratama,
Misako Watanabe, Rentarô Mikuni, Tatsuya Nakadai, Keiko Kishi, Katsuo Nakamura,
Takashi Shimura, Osamu Takizawa, Haruko Sugimura
Não é novidade para ninguém que é
fã do horror, a capacidade dos asiáticos, e principalmente dos japoneses, em
fazer histórias verdadeiramente assustadoras e repletas de poesia e lirismo.
Esse é o caso de As Quatro Faces do Medo, ou simplesmente Kaidan, uma das
sublimes obras primas do cinema de terror japonês. Mas já vou avisando de
antemão: se você é fã do J-Horror moderno, graças a fitas
como Ringu – O Chamado e Ju-On – O Grito, e principalmente suas
refilmagens americanas e estiver esperando um filme repleto de jump
scares e espíritos demoníacos com seus longos cabelos negros, esqueça, bem
capaz de você se decepcionar com As Quatro Faces do Medo. Quer dizer, você
até verá espíritos e personagens femininos com longos cabelos negros, mas nada
perto do impacto de Sadako, Kaiako e companhia limitada. O filme de Masaki
Kobayashi, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e à Palma de Ouro
em Cannes e ganhador do prêmio especial do Júri no mesmo festival, é baseado no
livro do escritor irlandês Lafcadio Hearn, um apaixonado pela cultura
nipônica, Kwaidan: Stories and
Studies of Strange Things. Kwaidan é uma tradução da palavra arcaica Kaidan, que significa “história de fantasmas”. Estes contos
foram traduzidos de antigos manuscritos japoneses, baseado em experiências dos
camponeses e pessoas simples do Japão feudal, registradas por historiadores e
folcloristas. Kobayashi então escolheu quatro contos do livro, e criou uma obra
que enche os olhos, que agiu como responsável pela introdução da mitologia
japonesa para o mundo ocidental, fortemente influenciado pelas religiões
budistas e xintoístas, trazendo alguns elementos que são comuns nestas chamadas
histórias de horror japonesas, como espíritos vingativos, almas torturadas,
remorso, culpa, simbolismos morais e românticos, e também como influência
estética e narrativa para muito do que se foi visto no cinema de terror
oriental futuramente. Em toda sua extensa metragem (o filme tem 183 minutos), o
cineasta constrói fábulas sobrenaturais, com todos os elementos fantasmagóricos
que tem direito, sem a mínima violência explícita, calcada no suspense
arrastado, vezes silencioso e vezes pontuado pela contundente trilha sonora de
Tôru Takemitsu e os perturbadores efeitos sonoros de Hideo Nishizaki. Também
formado em Belas Artes, Kobayashi abusa de uma notável beleza plástica, domínio
completo sobre os planos, luz e sombra, tonalidades quentes e frias, paisagens
exuberantes que mesclam tomadas externas, de estúdio e o uso de cenários
artificiais, tudo isso captado pela belíssima fotografia de Yoshio Miyajima a
tiracolo.
O primeiro segmento é O Cabelo Negro. Para traçar um
paralelo, esse conto em particular é uma espécie da gênese
do J-Horror moderno. Um samurai de província de Kyoto é submetido a
pobreza ao final das batalhas, e cansado da vida que leva naquelas parcas
condições, resolve abandonar a esposa para tentar ascender na vida, mesmo a
pobre implorando para que ficasse com ela, que ela teceria noite e dia sem
parar e trabalharia como escrava se fosse preciso. O samurai então casa-se com
uma mulher de família e consegue a tão sonhada fortuna e status, porém, como
diz o ditado, “dinheiro não traz felicidade”, a nova esposa não consegue fazer
o homem feliz. Ao término de seu contrato oficial, ele resolve voltar à cidade
e aos braços de sua antiga esposa, a qual nunca deixou de pensar sequer um
minuto. Os dois passam uma noite juntos, quando as coisas mostram-se não ser
bem o que aparentam na manhã seguinte. Daí pelo final do segmento, onde os longos
cabelos negros vingativos partem para o ataque, que eu concluo que a personagem
é no mínimo avó de Sadako e da Kaiako. Para mim, é a melhor história das
quatro, realmente aterradora em seu final, com uma excelente fotografia,
cenário desolador, maquiagem e efeitos especiais.
Segue-se a próxima história, A Mulher das Neves, outro conto
assustador, um verdadeiro espetáculo visual em sua primeira metade, quando dois
lenhadores, um velho e seu jovem aprendiz, são apanhados por uma terrível
nevasca ao voltarem para a casa, e à beira da morte tentando se proteger em uma
cabana abandonada, recebem a visita da Yuki-Onna, figura folclórica japonesa
que dá o título a este segmento. O espírito suga todo o sangue do velho,
matando-o congelado no mesmo instante. Ao ver o desespero de Minokichi, o
ajudante mais novo, ela fica tocada em tirar a vida de alguém tão jovem, e
resolve poupá-lo, fazendo-o prometer que ele nunca contará aquela história para
ninguém, nem para senhora sua mãe. O tempo passa e após uma longa recuperação,
Monokichi volta a trabalhar e um dia nos campos encontra a bela e triste Yuki,
que buscava trabalho no vilarejo após ter perdido sua família. Monokichi a
acolhe em sua casa e logo os dois se apaixonam e tem três filhos. Mas detalhe
que a garota nunca envelhecia e sempre mantinha-se bela, despertando a inveja
das lavadeiras fofoqueiras da aldeia. Até que certa noite, o homem lembra-se da
história que se passou na floresta congelada e conta para sua esposa. Daí já
viu. Só colocar os pingos nos is, ver que o nome da garota é Yuki e pronto,
você já vai sacar o que pode acontecer. Um parêntese é que o sujeito ficou
casado por anos com a mulher, teve três filhos, mas nunca reparou que ela era a
mesma figura fantasmagórica que poupou sua vida. Isso que é não reparar na
esposa mesmo.
O terceiro conto, para mim é o
pior de todos. O mais longo, o mais chato e o que mais testa a paciência do
espectador, isso após já ter se passado mais de 1h de filme. Eu sei, a história
é de uma beleza plástica ímpar, narrando uma batalha entre dois clãs de
samurais sobre o controle do Japão. A história medieval japonesa é bela e
lírica. Mas ficar aguentando um sujeito cantando essa história com uma voz
desafinadíssima, é duro de aguentar. No final desta épica batalha o clã Taira é
derrotado e uma tragédia acomete todos que resolvem se suicidar, inclusive o
pequeno imperador, pois essa alternativa é preferível a cair nas mãos do
inimigo. Pois bem, o personagem principal do conto é Hoichi (sendo que o
segmento leva o seu nome, Hoichi – O Sem
Orelha), um biwa hoshi, termo que designa jovens músicos viajantes, geralmente
cegos e com a cabeça raspada, que se veste como um monge e cantam os folclores
japoneses. Inofensivo, tímido e frágil, certa noite o rapazinho recebe a visita
de um samurai que conhecia seu grande talento para cantar as histórias sobre
aquela antiga batalha e o convida para se apresentar aos seus mestres. E isso
se repete por todas as noites dali por diante. Hoichi não dorme mais, está
fraco e estafado. Até que certa noite, preocupado com sua saúde, dois monges o
seguem e descobrem que ele está sendo levado por espíritos para o cemitério
onde o imperador dos Taira fora enterrado, e obrigam-no a cantar repetidas
vezes, todas as noites, as histórias do passado deles. A lenda de Hoichi é
famosa pelo Japão, e o momento de maior violência de todo o filme, é quando ele
irá perder suas orelhas, explicando assim o título do conto, quando um dos
samurais o faz pagar pela sua ofensa de parar de responder e visitar os
espíritos. É uma história comovente, detalhada e com uma ambientação
riquíssima, mas sua mais de uma hora de duração e ritmo extremamente lento,
além da conclusão que deixa a desejar, torna esse segmento o mais estafante de
ser visto.
A última história é Em uma Xícara de Chá, com apenas 25
minutos, rápida e objetiva, e traz uma surreal trama de um oficial de um destacamento
militar que ao ver seu reflexo na água, é surpreendido por outra pessoa,
sorrindo, de forma cínica, que ficava o encarando. Sem hesitação, ele bebe a
água e passa a ser assombrado pela presença do homem na xícara, que o desafia
para um duelo. Após vencer esse misterioso homem, mais outros três aparecem
para atormentá-lo, o que acaba criando um novo embate entre eles. No dia
seguinte, um velho senhor vai até sua casa para lhe desejar feliz ano novo e
ele e a madame não o encontram, até que então teremos o impactante e aterrador
desfecho, que lembra muito também os J-Horrors modernos, sem oferecer
nenhuma explicação lógica e plausível, e acentuado o horror e o medo nas
pessoas que descobrem o destino do guarda.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2013/06/06/180-as-quatro-faces-do-medo-1964/
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