sexta-feira, 3 de julho de 2015

#180 1964 AS QUATRO FASCES DO MEDO (Kaidan / Kwaidan / Ghost Stories, Japão)


Direção: Masaki Kobayashi
Roteiro: Yôko Mizuki (baseado na obra de Lafcadio Hearn)
Produção: Shigeru Wakatsuki
Elenco: Michiyo Aratama, Misako Watanabe, Rentarô Mikuni, Tatsuya Nakadai, Keiko Kishi, Katsuo Nakamura, Takashi Shimura, Osamu Takizawa, Haruko Sugimura

Não é novidade para ninguém que é fã do horror, a capacidade dos asiáticos, e principalmente dos japoneses, em fazer histórias verdadeiramente assustadoras e repletas de poesia e lirismo. Esse é o caso de As Quatro Faces do Medo, ou simplesmente Kaidan, uma das sublimes obras primas do cinema de terror japonês. Mas já vou avisando de antemão: se você é fã do J-Horror moderno, graças a fitas como Ringu – O Chamado e Ju-On – O Grito, e principalmente suas refilmagens americanas e estiver esperando um filme repleto de jump scares e espíritos demoníacos com seus longos cabelos negros, esqueça, bem capaz de você se decepcionar com As Quatro Faces do Medo. Quer dizer, você até verá espíritos e personagens femininos com longos cabelos negros, mas nada perto do impacto de Sadako, Kaiako e companhia limitada. O filme de Masaki Kobayashi, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e à Palma de Ouro em Cannes e ganhador do prêmio especial do Júri no mesmo festival, é baseado no livro do escritor irlandês Lafcadio Hearn, um apaixonado pela cultura nipônica, Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things. Kwaidan é uma tradução da palavra arcaica Kaidan, que significa “história de fantasmas”. Estes contos foram traduzidos de antigos manuscritos japoneses, baseado em experiências dos camponeses e pessoas simples do Japão feudal, registradas por historiadores e folcloristas. Kobayashi então escolheu quatro contos do livro, e criou uma obra que enche os olhos, que agiu como responsável pela introdução da mitologia japonesa para o mundo ocidental, fortemente influenciado pelas religiões budistas e xintoístas, trazendo alguns elementos que são comuns nestas chamadas histórias de horror japonesas, como espíritos vingativos, almas torturadas, remorso, culpa, simbolismos morais e românticos, e também como influência estética e narrativa para muito do que se foi visto no cinema de terror oriental futuramente. Em toda sua extensa metragem (o filme tem 183 minutos), o cineasta constrói fábulas sobrenaturais, com todos os elementos fantasmagóricos que tem direito, sem a mínima violência explícita, calcada no suspense arrastado, vezes silencioso e vezes pontuado pela contundente trilha sonora de Tôru Takemitsu e os perturbadores efeitos sonoros de Hideo Nishizaki. Também formado em Belas Artes, Kobayashi abusa de uma notável beleza plástica, domínio completo sobre os planos, luz e sombra, tonalidades quentes e frias, paisagens exuberantes que mesclam tomadas externas, de estúdio e o uso de cenários artificiais, tudo isso captado pela belíssima fotografia de Yoshio Miyajima a tiracolo.
O primeiro segmento é O Cabelo Negro. Para traçar um paralelo, esse conto em particular é uma espécie da gênese do J-Horror moderno. Um samurai de província de Kyoto é submetido a pobreza ao final das batalhas, e cansado da vida que leva naquelas parcas condições, resolve abandonar a esposa para tentar ascender na vida, mesmo a pobre implorando para que ficasse com ela, que ela teceria noite e dia sem parar e trabalharia como escrava se fosse preciso. O samurai então casa-se com uma mulher de família e consegue a tão sonhada fortuna e status, porém, como diz o ditado, “dinheiro não traz felicidade”, a nova esposa não consegue fazer o homem feliz. Ao término de seu contrato oficial, ele resolve voltar à cidade e aos braços de sua antiga esposa, a qual nunca deixou de pensar sequer um minuto. Os dois passam uma noite juntos, quando as coisas mostram-se não ser bem o que aparentam na manhã seguinte. Daí pelo final do segmento, onde os longos cabelos negros vingativos partem para o ataque, que eu concluo que a personagem é no mínimo avó de Sadako e da Kaiako. Para mim, é a melhor história das quatro, realmente aterradora em seu final, com uma excelente fotografia, cenário desolador, maquiagem e efeitos especiais.
Segue-se a próxima história, A Mulher das Neves, outro conto assustador, um verdadeiro espetáculo visual em sua primeira metade, quando dois lenhadores, um velho e seu jovem aprendiz, são apanhados por uma terrível nevasca ao voltarem para a casa, e à beira da morte tentando se proteger em uma cabana abandonada, recebem a visita da Yuki-Onna, figura folclórica japonesa que dá o título a este segmento. O espírito suga todo o sangue do velho, matando-o congelado no mesmo instante. Ao ver o desespero de Minokichi, o ajudante mais novo, ela fica tocada em tirar a vida de alguém tão jovem, e resolve poupá-lo, fazendo-o prometer que ele nunca contará aquela história para ninguém, nem para senhora sua mãe. O tempo passa e após uma longa recuperação, Monokichi volta a trabalhar e um dia nos campos encontra a bela e triste Yuki, que buscava trabalho no vilarejo após ter perdido sua família. Monokichi a acolhe em sua casa e logo os dois se apaixonam e tem três filhos. Mas detalhe que a garota nunca envelhecia e sempre mantinha-se bela, despertando a inveja das lavadeiras fofoqueiras da aldeia. Até que certa noite, o homem lembra-se da história que se passou na floresta congelada e conta para sua esposa. Daí já viu. Só colocar os pingos nos is, ver que o nome da garota é Yuki e pronto, você já vai sacar o que pode acontecer. Um parêntese é que o sujeito ficou casado por anos com a mulher, teve três filhos, mas nunca reparou que ela era a mesma figura fantasmagórica que poupou sua vida. Isso que é não reparar na esposa mesmo.
O terceiro conto, para mim é o pior de todos. O mais longo, o mais chato e o que mais testa a paciência do espectador, isso após já ter se passado mais de 1h de filme. Eu sei, a história é de uma beleza plástica ímpar, narrando uma batalha entre dois clãs de samurais sobre o controle do Japão. A história medieval japonesa é bela e lírica. Mas ficar aguentando um sujeito cantando essa história com uma voz desafinadíssima, é duro de aguentar. No final desta épica batalha o clã Taira é derrotado e uma tragédia acomete todos que resolvem se suicidar, inclusive o pequeno imperador, pois essa alternativa é preferível a cair nas mãos do inimigo. Pois bem, o personagem principal do conto é Hoichi (sendo que o segmento leva o seu nome, Hoichi – O Sem Orelha), um biwa hoshi, termo que designa jovens músicos viajantes, geralmente cegos e com a cabeça raspada, que se veste como um monge e cantam os folclores japoneses. Inofensivo, tímido e frágil, certa noite o rapazinho recebe a visita de um samurai que conhecia seu grande talento para cantar as histórias sobre aquela antiga batalha e o convida para se apresentar aos seus mestres. E isso se repete por todas as noites dali por diante. Hoichi não dorme mais, está fraco e estafado. Até que certa noite, preocupado com sua saúde, dois monges o seguem e descobrem que ele está sendo levado por espíritos para o cemitério onde o imperador dos Taira fora enterrado, e obrigam-no a cantar repetidas vezes, todas as noites, as histórias do passado deles. A lenda de Hoichi é famosa pelo Japão, e o momento de maior violência de todo o filme, é quando ele irá perder suas orelhas, explicando assim o título do conto, quando um dos samurais o faz pagar pela sua ofensa de parar de responder e visitar os espíritos. É uma história comovente, detalhada e com uma ambientação riquíssima, mas sua mais de uma hora de duração e ritmo extremamente lento, além da conclusão que deixa a desejar, torna esse segmento o mais estafante de ser visto.
A última história é Em uma Xícara de Chá, com apenas 25 minutos, rápida e objetiva, e traz uma surreal trama de um oficial de um destacamento militar que ao ver seu reflexo na água, é surpreendido por outra pessoa, sorrindo, de forma cínica, que ficava o encarando. Sem hesitação, ele bebe a água e passa a ser assombrado pela presença do homem na xícara, que o desafia para um duelo. Após vencer esse misterioso homem, mais outros três aparecem para atormentá-lo, o que acaba criando um novo embate entre eles. No dia seguinte, um velho senhor vai até sua casa para lhe desejar feliz ano novo e ele e a madame não o encontram, até que então teremos o impactante e aterrador desfecho, que lembra muito também os J-Horrors modernos, sem oferecer nenhuma explicação lógica e plausível, e acentuado o horror e o medo nas pessoas que descobrem o destino do guarda.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/06/06/180-as-quatro-faces-do-medo-1964/

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