Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Produção: Meta Louise Foldager, Peter Garde (Produtor
Executivo)
Elenco: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg
Já vou logo dizendo no começo desse post que eu
tenho um baita bode de Lars Von Trier. Se quiser, pode atirar as pedras, mas eu
não gosto de Dogville, não
gosto de Manderlay, eu não
suporto Melancolia e
principalmente Dançando no Escuro e
não vi Ninfomaníaca.
Mas Anticristo eu
tenho que dar o braço a torcer. O cineasta dinamarquês chama esse filme de o
mais importante de toda sua carreira e é aqui que ele exorcisa todos os seus
demônios. E um filme que tem essa conotação pessoal, vindo de um cara como
Trier, que passou dois anos mergulhado em uma depressão profunda, não poderia
ter um resultado mais perturbado, dramático e niilista. E Anticiristo é mais um exemplo
claro daqueles filmes que extrapolam o limite do gênero terror e como ele não
se resume somente a estereótipos, como muitos ainda pensam. Trier é filho de
pais ateus e desde os 12 anos seu livro de cabeceira é “O Anticristo” de
Nietzsche, ensaio anti-cristão do filósofo alemão. Nessa sua produção, o
diretor usa e abusa de uma criação estética singular, de uma beleza plástica
perfeita, com fotografia de Antony Dod Mantle, para julgar e subverter os
valores cristãos e humanos em quatro capítulos: Luto, Dor (Caos Reina),
Desepero (Feminicídio) e Os Três Mendigos, além de um prólogo e um epílogo. O
prólogo é o fio condutor que vai marcar o destino dos dois personagens
principais, interpretados por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, em uma das
cenas mais lindas e marcantes de toda a história do cinema. Toda filmada em
câmera lenta e em preto e branco, o casal está transando (visto como algo
moralmente errado e reprovado pela Bíblia) em uma cena de sexo explícito e
orgasmo abundante, enquanto acidentalmente seu filho pequeno foge do berço em
direção à morte ao cair de uma janela, tudo isso com um trecho da ópera Rigoleto de Händel tocando
ao fundo. Ver essa cena em alta definição é um verdadeiro desbunde. Ela,
incapaz de conseguir lidar com a dor da perda entra em um estágio de culpa e
depressão profunda, e Ele que é terapeuta, resolve transformá-la em sua
paciente e tentar ajudá-la a superar a morte da criança. Durante o processo, os
dois resolvem se isolar em uma cabana no meio da floresta ironicamente
conhecido como Éden. Ironicamente porque o que eles irão passar ali está o mais
longe possível do significado literal da palavra. É muito mais próximo do
inferno na terra. Cercado de metáfora e elementos extremamente bizarros e
estranhos, como o aborto de um cervo ou uma raposa desgranhenta que olha para a
terra e diz em alto e bom som: “O caos reina”, Anticristo desenvolve uma batalha psicológica e tortuosa
entre os dois personagens, extrapolando a dualidade entre os opostos, a culpa,
a negligência e a repressão sexual e joga o espectador em uma espiral de
desconforto e violação das ideias e desapego dos valores, até que em seus dois
últimos capítulos, transforma a fita em uma espécie de toture porn sublime,
se é que um dia você imaginou que isso fosse capaz de acontecer. E tu vais
se sentindo mal durante todo o andamento do filme, recheado de cinismo e
desilusão, achando que está invadindo a vida e a intimidade daquele casal ao
tentar acompanhar com demasiado choque as brutais e realistas conversas e
sessões terapêuticas, que vem trazendo à tona percepções sobre a verdadeira
natureza do medo e do instinto humano, tudo isso em cenas que deixam um gosto
amargo na boca, amparadas por uma beleza singular narrativa e visual e doses
cavalares de sexo e nu frontal. Então vamos presenciado o total descontrole
emocional da personagem de Charlotte Gainsbourg, conhecendo um pouco mais sobre
a pesquisa de sua tese sobre o feminicídio e como as mulheres eram brutalmente
assassinadas por homens, principalmente na Idade Média, por serem uma espécie
de semente do mal pecadora. E Ela abraça essa causa e vira refém de seus medos
e de suas neuroses numa demonstração atroz de misandria, onde o terror que até
então era psicológico, transforma-se em visceral e gráfico graças a
contundentes cenas de tortura, mutilação genital e assassinato. É preciso ter
muito estômago para assistir Anticristo.
E estar no clima principalmente. É polêmico e pesado, chegando ao ponto mais
puro do horror da psique humana e do condicionamento do medo e do pecado.
Causou um imenso bafafá no Festival de Cannes de 2009 (como já é de praxe
tratando-se de Lars Von Trier) e foi alvo de vários tipos de críticas, das mais
positivas às mais negativas. Uma coisa é certa: é impossível passar incólume ao
filme. Você pode detestá-lo ou você pode odiá-lo. Mas é um mergulho dentro do
abismo. E como o próprio Nietzsche escreveu em outra obra: “quando se olha
muito tempo para o abismo, o abismo também olha dentro de você”.
FONTE:
https://101horrormovies.com/2016/06/17/857-anticristo-2009/
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