sexta-feira, 31 de julho de 2015

#211 1968 O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (Brasil)


Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubes Francisco Luchetti, José Mojica Marins (história)
Produção: José Mojica Marins, George Michel Serkeis, Christo Courcouvelis (Supervisor de Produção)
Elenco: José Mojica Marins, Luis Sérgio Person, Vany Miller, Nelita Aparecida, George Michel Serkeis, Íris Bruzzi, Oswaldo de Souza, Nidi Reis

Não pense que só a Amicus vivia de antologias de terror nos anos 60, não. O nosso expoente nacional, dirigido pela lenda José Mojica Marins, é muito mais cruel e sádico do que qualquer filmezinho inglês de contos de horror do período. O Estranho Mundo de Zé do Caixão é sinônimo da transgressão do cinema brasileiro de horror. Em plena década de 60, Brasil passando pela Ditadura Militar, Mojica me aparece com um filme contendo três histórias macabras, recheadas de violência explícita, gore e nudez feminina, que abordam temas como canibalismo, necrofilia, estupro, tortura, sadismo e até vampirismo! Com o devido sucesso de seus filmes anteriores, À Meia-Noite Levarei sua Alma e Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, Mojica escancara de vez toda sua estética marginal, e mais uma vez rompe as rupturas apostando no cinema de gênero da Boca do Lixo paulistana, dando uma tapa na cara da sociedade conservadora e nos padrões do cinema nacional feitos até então, trazendo argumentos completamente violentos e desmiolados, adentrando mais profundamente em sua filosofia niilista, popularesca e existencialista propagada pelo seu famoso personagem, Josefel Zanatas (ou Zé do Caixão, para os mais chegados), mesmo que ele dê título ao filme, mas não apareça no longa (apesar do personagem do último conto ser uma variação do mesmo). Mas o seu apelo ao cinema trash de horror é muito mais físico e brutal em O Estranho Mundo de Zé do Caixão, do que no terror psicológico e de cunho estritamente religioso de seus dois primeiros filmes. Início da parceria entre Mojica e o roteirista Rubens Francisco Lucchetti, que escreveu os contos a partir da ideia original do diretor, o filme traz três episódios distintos, com estéticas e ideias completamente diferentes, que vai do clássico ao contemporâneo, com cenas realmente perturbadoras, que obviamente foi mutilado de forma impiedosa pela censura, mas com sorte o filme foi preservado para as plateias posteriores, e incluso no excelente box do mestre lançado pela Cinemagia em 2002. O primeiro conto, O Fabricante de Bonecas, traz a história de um popular fabricante de bonecas local, conhecido pelo extremo realismo de seus produtos, feitos por suas quatro belas e jovens filhas, principalmente pelos seus olhos. Bom, bonecas de porcelana já são assustadoras por si só, como já sabemos. Um grupo de assaltantes resolve invadir a casa do velho, para roubá-lo, ao descobrir que ele guarda seu dinheiro em sua oficina. Primeiro eles atacam o velho com um canivete, considerando-o morto, para depois estuprarem suas filhas. Obviamente as coisas não sairão como o esperado para os belos escroques, e vamos descobrir de onde vem o realismo dos olhos das bonecas. No elenco deste segmento, está o diretor Luis Sérgio Person, pai de Marina Person, como um dos criminosos. O segundo, Tara, é uma poesia mórbida silenciosa de Mojica, desprovida de diálogos, que nos remete aos traços do expressionismo alemão, trazendo diversas referências estéticas claras do cinema mudo. Um vendedor de balões (George Michel Serkeis) tem um fetiche por uma garota que vê passar todos os dias na rua, seguindo-a e observando todos os seus atos, até quando em seu casamento, ela é assassinada por uma rival megera ciumenta. É na morte, que o vendedor encontra a sua única chance de conseguir chegar até a garota, rompendo as barreiras e paradigmas morais e religiosos e praticando sexo com o cadáver. Após o ato consumado, ele a veste de volta e finalmente calça em seus pés um par de sapatos que recuperou quando a moça os deixou cair ao fazer uma compra. Para finalizar, a cereja do bolo. O conto Ideologia é o mais brutal e pesado dos três. Mojica interpreta o professor Oãxiac Odez (anagrama de Zé do Caixão), louco de pedra que desenvolve uma bizarríssima teoria do instinto sobre a razão, utilizando-se de métodos nada ortodoxos para comprová-la. O professor convida um rival e sua esposa para um jantar em sua casa, para apresentar as provas da sua teoria sobre a redução do ser humano ao instinto completo quando exposto às condições mais primárias de sobrevivência, sobrepujando a razão, o amor e demais sentimentos. Para isso, recorre as mais brutais sessões de orgia (ou bacanal do diabo, depravação de débeis mentais, como ele define) tortura, cárcere, chicotadas e canibalismo. Capturando-os e mantendo-os cativos por sete dias, inspirando-se na cronologia da criação bíblica do Universo por Deus, Oãxiac leva-os até o limite para provar sua tese. No final bombástico, o personagem de Mojica e sua trupe realizam um farto banquete das suas vítimas. O Estranho Mundo do Zé do Caixão tem grandes problemas técnicos, orçamentários e estéticos. O principal é a pobreza na edição de som (pelo menos da versão do DVD que eu assisti), sendo que há vezes em que o áudio abafado mal consegue ser ouvido, principalmente no primeiro segmento. Além disso, há sempre uma reviravolta religiosa cristã em sua conclusão, para dar uma amenizada, como nos filmes anteriores, onde o mal não acaba impune, e a ira de Deus irá castigá-los por todas as suas blasfêmias e heresias. Algumas declamações sem sentido de Zé, como no início do longa, e também a música tema, composta pro Mojica e cantada por Edson Lopes e o grupo de samba Titulares do Ritmo, são completamente dispensáveis. Mojica atinge o nível do grotesco, indo além da simples estética do cinema marginal brasileiro, mesmo que dialogue de forma travestida com questões sociais e religiosas. Em O Estranho Mundo de Zé do Caixão, já se projeta uma tendência, e pioneirismo do diretor, por assim dizer, ao trash, à cultura grindhouse, ao exploitation e ao torture porn, que até hoje são subgêneros dos mais controversos e adorados pelos fãs do horror moderno. Quando digo que o cara é um gênio, está aí a prova.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/07/11/211-o-estranho-mundo-de-ze-do-caixao-1968/


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