Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubes Francisco
Luchetti, José Mojica Marins (história)
Produção: José Mojica
Marins, George Michel Serkeis, Christo Courcouvelis (Supervisor de Produção)
Elenco: José Mojica Marins,
Luis Sérgio Person, Vany Miller, Nelita Aparecida, George Michel Serkeis, Íris
Bruzzi, Oswaldo de Souza, Nidi Reis
Não pense que só a Amicus vivia
de antologias de terror nos anos 60, não. O nosso expoente nacional, dirigido
pela lenda José Mojica Marins, é muito mais cruel e sádico do que qualquer
filmezinho inglês de contos de horror do período. O Estranho
Mundo de Zé do Caixão é sinônimo da transgressão do cinema
brasileiro de horror. Em plena década de 60, Brasil passando pela Ditadura
Militar, Mojica me aparece com um filme contendo três histórias macabras,
recheadas de violência explícita, gore e nudez feminina, que abordam temas como
canibalismo, necrofilia, estupro, tortura, sadismo e até vampirismo! Com o
devido sucesso de seus filmes anteriores, À Meia-Noite Levarei sua Alma e Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, Mojica escancara de vez
toda sua estética marginal, e mais uma vez rompe as rupturas apostando no
cinema de gênero da Boca do Lixo paulistana, dando uma tapa na cara da
sociedade conservadora e nos padrões do cinema nacional feitos até então,
trazendo argumentos completamente violentos e desmiolados, adentrando mais
profundamente em sua filosofia niilista, popularesca e existencialista
propagada pelo seu famoso personagem, Josefel Zanatas (ou Zé do Caixão, para os
mais chegados), mesmo que ele dê título ao filme, mas não apareça no longa
(apesar do personagem do último conto ser uma variação do mesmo). Mas o seu
apelo ao cinema trash de horror é muito mais físico e brutal
em O Estranho Mundo de Zé do Caixão, do que no terror psicológico e de
cunho estritamente religioso de seus dois primeiros filmes. Início da parceria
entre Mojica e o roteirista Rubens Francisco Lucchetti, que escreveu os contos
a partir da ideia original do diretor, o filme traz três episódios distintos,
com estéticas e ideias completamente diferentes, que vai do clássico ao
contemporâneo, com cenas realmente perturbadoras, que obviamente foi mutilado
de forma impiedosa pela censura, mas com sorte o filme foi preservado para as
plateias posteriores, e incluso no excelente box do mestre lançado pela
Cinemagia em 2002. O primeiro conto, O Fabricante de Bonecas, traz a história
de um popular fabricante de bonecas local, conhecido pelo extremo realismo de
seus produtos, feitos por suas quatro belas e jovens filhas, principalmente
pelos seus olhos. Bom, bonecas de porcelana já são assustadoras por si só, como
já sabemos. Um grupo de assaltantes resolve invadir a casa do velho, para
roubá-lo, ao descobrir que ele guarda seu dinheiro em sua oficina. Primeiro
eles atacam o velho com um canivete, considerando-o morto, para depois
estuprarem suas filhas. Obviamente as coisas não sairão como o esperado para os
belos escroques, e vamos descobrir de onde vem o realismo dos olhos das
bonecas. No elenco deste segmento, está o diretor Luis Sérgio Person, pai de
Marina Person, como um dos criminosos. O segundo, Tara, é uma poesia mórbida
silenciosa de Mojica, desprovida de diálogos, que nos remete aos traços do
expressionismo alemão, trazendo diversas referências estéticas claras do cinema
mudo. Um vendedor de balões (George Michel Serkeis) tem um fetiche por uma
garota que vê passar todos os dias na rua, seguindo-a e observando todos os
seus atos, até quando em seu casamento, ela é assassinada por uma rival megera
ciumenta. É na morte, que o vendedor encontra a sua única chance de conseguir
chegar até a garota, rompendo as barreiras e paradigmas morais e religiosos e
praticando sexo com o cadáver. Após o ato consumado, ele a veste de volta e
finalmente calça em seus pés um par de sapatos que recuperou quando a moça os
deixou cair ao fazer uma compra. Para finalizar, a cereja do bolo. O conto
Ideologia é o mais brutal e pesado dos três. Mojica interpreta o professor
Oãxiac Odez (anagrama de Zé do Caixão), louco de pedra que desenvolve uma
bizarríssima teoria do instinto sobre a razão, utilizando-se de métodos nada
ortodoxos para comprová-la. O professor convida um rival e sua esposa para um
jantar em sua casa, para apresentar as provas da sua teoria sobre a redução do
ser humano ao instinto completo quando exposto às condições mais primárias de
sobrevivência, sobrepujando a razão, o amor e demais sentimentos. Para isso,
recorre as mais brutais sessões de orgia (ou bacanal do diabo, depravação de
débeis mentais, como ele define) tortura, cárcere, chicotadas e canibalismo.
Capturando-os e mantendo-os cativos por sete dias, inspirando-se na cronologia
da criação bíblica do Universo por Deus, Oãxiac leva-os até o limite para
provar sua tese. No final bombástico, o personagem de Mojica e sua trupe
realizam um farto banquete das suas vítimas. O Estranho Mundo do Zé do
Caixão tem grandes problemas técnicos, orçamentários e estéticos. O
principal é a pobreza na edição de som (pelo menos da versão do DVD que eu
assisti), sendo que há vezes em que o áudio abafado mal consegue ser ouvido,
principalmente no primeiro segmento. Além disso, há sempre uma reviravolta
religiosa cristã em sua conclusão, para dar uma amenizada, como nos filmes
anteriores, onde o mal não acaba impune, e a ira de Deus irá castigá-los por
todas as suas blasfêmias e heresias. Algumas declamações sem sentido de Zé,
como no início do longa, e também a música tema, composta pro Mojica e cantada
por Edson Lopes e o grupo de samba Titulares do Ritmo, são completamente
dispensáveis. Mojica atinge o nível do grotesco, indo além da simples estética
do cinema marginal brasileiro, mesmo que dialogue de forma travestida com
questões sociais e religiosas. Em O Estranho Mundo de Zé do Caixão, já se
projeta uma tendência, e pioneirismo do diretor, por assim dizer,
ao trash, à cultura grindhouse, ao exploitation e
ao torture porn, que até hoje são subgêneros dos mais controversos e
adorados pelos fãs do horror moderno. Quando digo que o cara é um gênio, está
aí a prova.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/07/11/211-o-estranho-mundo-de-ze-do-caixao-1968/
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