quinta-feira, 7 de abril de 2016

#554 1988 GÊMEOS MÓRBIDA SEMELHANÇA (Dead Ringers, Canadá, EUA)


Direção: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg, Norman Snider (baseado no livro de Bari Wood e Jack Geasland)
Produção: Marc Boyman, David Cronenberg; John Board (Produtor Associado); Carol Baum, Sylvio Tabet (Produtores Executivos); James G. Robinson, Joe Roth (Produtores Executivos não creditados)
Elenco: Jeremy Irons, Geneviève Bujold, Heidi von Palleske, Barbara Gordon, Shirley Douglas, Stephen Lack

Gêmeos – Mórbida Semelhança é mais uma das escancaradas estranhezas cinematográficas do diretor canadense David Cronenberg, especialista em explorar os mais terríveis medos humanos, distúrbios psicológicos e sociais, prazeres sexuais doentios e desejos carnais. Porém a grande diferença de Gêmeos – Mórbida Semelhança dos demais filmes que ajudaram a pavimentar a alcunha de “Rei do Terror Venéreo” de Cronenberg, é que o apreço pela carne e o seu cinema visceral desta vez deu espaço para um terror psicológico completamente perturbado, brindando o espectador um mergulho assustador na consciência e dualidade humana. Além disso, há um estudo profundo sobre a dependência, conflitos pessoais, obsessões e loucura, trazendo a bizarra relação entre dois gêmeos univitelinos ginecologistas, Elliot e Beverly Mantle, interpretados de forma MONSTRUOSA pelo ator Jeremy Irons (auxiliado por uma excelente edição e um dos primeiros filmes a utilizar técnicas de efeitos especiais de fotografia matte em movimento controlada por computador quando ambos aparecem juntos em cena), que conseguiu imprimir duas características psicológicas completamente diferentes entre os dois, que irá simplesmente explodir sua cabeça no decorrer do filme. Elliot é o dominante, crápula, frio, calculista, arrogante, confiante, sedutor e narcisista, enquanto Bev é tímido, doce, inseguro, introspectivo, confuso, dependente, que tem sua vida sexual à sombra do irmão. Porém um completa o outro, como se possuíssem uma única consciência mútua, vivendo tão intrinsecamente a dicotomia de suas existências, tornando-os capazes de trocar publicamente (ou intimamente) de papel em diversas circunstâncias. E o grande ponto de virada da relação quase simbiótica entre os dois começa justamente quando a atriz decadente e promíscua Claire Niveau (Geneviève Bujold) vai até o consultório dos irmãos, especialistas em fertilidade, com a obsessão de engravidar, achando-se incompleta pelo fato de não conseguir ter um filho. Acontece que tecnicamente falando a mulher é uma mutante, já que ela possui um útero trifurcado. O ponto de ruptura começa com Elliot transando com ela e passando a bola para Bev, como fez durante toda sua vida. Só que Bev acaba se apaixonando e isso iniciará um processo de afastamento do irmão gêmeo em busca da criação de uma nova personalidade independente, porém sem qualquer sucesso, uma vez tendo a ligação tão profunda entre os dois. A cena que pontua exatamente o caos que essa atitude irá desenrolar é a mais Cronenberg de todo o longa, onde Bev sonha com uma ligação xipófaga com Elliot e Clarie irá cortá-la literalmente a dentadas. É o mais puro momento visualmente grotesco que o diretor irá proporcionar aos mais aficionados pelo seu cinema de início de carreira. Surge então um problema de Bev com drogas, tornando-se viciado em barbitúricos, motivo que o levará a ruína física e psicológica, contribuindo para que ele seja lançado em um espiral de loucura, que sistematicamente vai arrastando também Elliot, uma vez que a vida profissional, pessoal e acadêmica deles começa a convergir para a decadência, tamanho a dependência dos dois. Bev simplesmente surta de vez, colocando em risco até a vida de suas pacientes, e em um momento de completa insanidade e perda da noção real, quando Claire viaja para concluir umas filmagens e ele é deixado a própria sorte. Completamente alienado de uma personalidade própria, ao romper com Elliot, e sofrendo de ciúme doentio ao imaginar que está sendo traído, procura um artista local chamado Anders Wolleck (Stephen Lack, deScanners – Sua Mente Pode Destruir) para que ele construa objetos cirúrgicos quase medievais que ele nomeia de “instrumentos ginecológicos para operar mutantes”, a fim de reparar os defeitos de todas as mulheres, vendo todas como a sua amada. Elliot tenta intervir, trancando Bev no escritório para um detox, e a relação neurótica dos dois irá explodir com a volta de Claire, uma vez que o caminho traçado entre a dependência psicológica dos irmãos não poderá ser desfeito, e finalmente Bev irá tentar a separação definitiva de seu irmão, tratando a relação de ambos como umbilical, trazendo a tona a sina dos irmãos siameses Eng e Chang Bunker. Quando o mais fraco morreu, o outro morreu de choque ao acordar na manhã seguinte.
AVISO DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
A tensão crescente (devidamente auxiliada pela ótima trilha sonora de Howard Shore, parceiro habitual de Cronenberg) nos leva ao desesperado ato final de separação, onde uma acachapante inversão de valores e personalidade bombardeia a mente do espectador, quando o até então dominante Elliot é paciente da tal carniceira cirurgia de separação comandada pelo até então submisso Bev, sendo o primeiro a morrer. Bev, incólume, se veste, sai à rua para trabalhar, telefona para Claire mas não consegue falar com ela, ativando novamente seu mecanismo de medo, defesa e dependência, fazendo com que volte ao consultório, abrace o irmão morto e espere sua própria morte, tal qual os irmãos Bunker, impossibilitado de viver sem sua metade. A bizarra história dos irmãos Mantle foi baseada em um caso real, onde os gêmeos Stewart e Cyril Marcus foram encontrados mortos por overdose de drogas em seu apartamento. O acontecido foi contado no livro “Twins” de Bari Wood e Jack Geasland, publicado em 1977, e serviu de base para o roteiro escrito pelo próprio Cronenberg e Norman Snider. Gêmeos – Mórbida Semelhança é aquele típico filme que te deixa com um profundo mal estar ao terminar de assisti-lo. Um exercício de bizarrice autoral orquestrado magistralmente por Cronenberg, explorando os horrores dos cantos mais sombrios de duas mentes humanas, que se completam como uma só em sua obsessão.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/10/29/554-gemeos-morbida-semelhanca-1988/

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