Direção: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg, Norman Snider
(baseado no livro de Bari Wood e Jack Geasland)
Produção: Marc Boyman, David Cronenberg; John
Board (Produtor Associado); Carol Baum, Sylvio Tabet (Produtores Executivos);
James G. Robinson, Joe Roth (Produtores Executivos não creditados)
Elenco: Jeremy Irons,
Geneviève Bujold, Heidi von Palleske, Barbara Gordon, Shirley Douglas, Stephen
Lack
Gêmeos – Mórbida Semelhança é mais uma das escancaradas
estranhezas cinematográficas do diretor canadense David Cronenberg,
especialista em explorar os mais terríveis medos humanos, distúrbios psicológicos
e sociais, prazeres sexuais doentios e desejos carnais. Porém a grande
diferença de Gêmeos – Mórbida Semelhança dos demais filmes que
ajudaram a pavimentar a alcunha de “Rei do Terror Venéreo” de Cronenberg, é que
o apreço pela carne e o seu cinema visceral desta vez deu espaço para um terror
psicológico completamente perturbado, brindando o espectador um mergulho
assustador na consciência e dualidade humana. Além disso, há um estudo profundo
sobre a dependência, conflitos pessoais, obsessões e loucura, trazendo a
bizarra relação entre dois gêmeos univitelinos ginecologistas, Elliot e Beverly
Mantle, interpretados de forma MONSTRUOSA pelo ator Jeremy Irons (auxiliado por
uma excelente edição e um dos primeiros filmes a utilizar técnicas de
efeitos especiais de fotografia matte em movimento controlada por computador
quando ambos aparecem juntos em cena), que conseguiu imprimir duas
características psicológicas completamente diferentes entre os dois, que irá
simplesmente explodir sua cabeça no decorrer do filme. Elliot é o dominante,
crápula, frio, calculista, arrogante, confiante, sedutor e narcisista, enquanto
Bev é tímido, doce, inseguro, introspectivo, confuso, dependente, que tem sua
vida sexual à sombra do irmão. Porém um completa o outro, como se possuíssem
uma única consciência mútua, vivendo tão intrinsecamente a dicotomia de suas
existências, tornando-os capazes de trocar publicamente (ou intimamente) de
papel em diversas circunstâncias. E o grande ponto de virada da relação quase
simbiótica entre os dois começa justamente quando a atriz decadente e promíscua
Claire Niveau (Geneviève Bujold) vai até o consultório dos irmãos,
especialistas em fertilidade, com a obsessão de engravidar, achando-se
incompleta pelo fato de não conseguir ter um filho. Acontece que tecnicamente
falando a mulher é uma mutante, já que ela possui um útero trifurcado. O ponto
de ruptura começa com Elliot transando com ela e passando a bola para Bev, como
fez durante toda sua vida. Só que Bev acaba se apaixonando e isso iniciará um
processo de afastamento do irmão gêmeo em busca da criação de uma nova
personalidade independente, porém sem qualquer sucesso, uma vez tendo a ligação
tão profunda entre os dois. A cena que pontua exatamente o caos que essa
atitude irá desenrolar é a mais Cronenberg de todo o longa, onde Bev sonha com
uma ligação xipófaga com Elliot e Clarie irá cortá-la literalmente a dentadas.
É o mais puro momento visualmente grotesco que o diretor irá proporcionar aos
mais aficionados pelo seu cinema de início de carreira. Surge então um problema
de Bev com drogas, tornando-se viciado em barbitúricos, motivo que o levará a
ruína física e psicológica, contribuindo para que ele seja lançado em um
espiral de loucura, que sistematicamente vai arrastando também Elliot, uma vez
que a vida profissional, pessoal e acadêmica deles começa a convergir para a
decadência, tamanho a dependência dos dois. Bev simplesmente surta de vez,
colocando em risco até a vida de suas pacientes, e em um momento de completa
insanidade e perda da noção real, quando Claire viaja para concluir umas
filmagens e ele é deixado a própria sorte. Completamente alienado de uma
personalidade própria, ao romper com Elliot, e sofrendo de ciúme doentio ao
imaginar que está sendo traído, procura um artista local chamado Anders Wolleck
(Stephen Lack, deScanners –
Sua Mente Pode Destruir) para que ele construa objetos cirúrgicos
quase medievais que ele nomeia de “instrumentos ginecológicos para operar
mutantes”, a fim de reparar os defeitos de todas as mulheres, vendo todas como
a sua amada. Elliot tenta intervir, trancando Bev no escritório para um detox,
e a relação neurótica dos dois irá explodir com a volta de Claire, uma vez que
o caminho traçado entre a dependência psicológica dos irmãos não poderá ser
desfeito, e finalmente Bev irá tentar a separação definitiva de seu irmão,
tratando a relação de ambos como umbilical, trazendo a tona a sina dos irmãos
siameses Eng e Chang Bunker. Quando o mais fraco morreu, o outro morreu de
choque ao acordar na manhã seguinte.
AVISO DE
SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
A tensão crescente (devidamente auxiliada pela
ótima trilha sonora de Howard Shore, parceiro habitual de Cronenberg) nos leva
ao desesperado ato final de separação, onde uma acachapante inversão de valores
e personalidade bombardeia a mente do espectador, quando o até então dominante
Elliot é paciente da tal carniceira cirurgia de separação comandada pelo até
então submisso Bev, sendo o primeiro a morrer. Bev, incólume, se veste, sai à
rua para trabalhar, telefona para Claire mas não consegue falar com ela,
ativando novamente seu mecanismo de medo, defesa e dependência, fazendo com que
volte ao consultório, abrace o irmão morto e espere sua própria morte, tal qual
os irmãos Bunker, impossibilitado de viver sem sua metade. A bizarra história
dos irmãos Mantle foi baseada em um caso real, onde os gêmeos Stewart e Cyril
Marcus foram encontrados mortos por overdose de drogas em seu apartamento. O
acontecido foi contado no livro “Twins” de Bari Wood e Jack Geasland, publicado
em 1977, e serviu de base para o roteiro escrito pelo próprio Cronenberg e
Norman Snider. Gêmeos – Mórbida Semelhança é aquele típico filme que te
deixa com um profundo mal estar ao terminar de assisti-lo. Um exercício de
bizarrice autoral orquestrado magistralmente por Cronenberg, explorando os
horrores dos cantos mais sombrios de duas mentes humanas, que se completam como
uma só em sua obsessão.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/10/29/554-gemeos-morbida-semelhanca-1988/
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