terça-feira, 19 de abril de 2016

#562 1988 NEKROMANTIK (Alemanha Ocidental)


Direção: Jörg Buttgereit
Roteiro: Jörg Buttgereit, Franz Rodenkirchen
Produção: Manfred O. Jelinski
Elenco: Daktari Lorenz, Beatrice Manowski, Harald Lundt, Collosseo Schulzendorf, Heike Surban

Amiguinho (e amiguinha), você precisa ser forte para assistir Nekromantik, vou logo avisando. Esse é daquele tipo de filme que pode despertar sentimentos dúbios no espectador, e até por isso é tamanha a sua controvérsia. Você pode achar que é tudo gratuito apenas para chocar, sem nenhuma razão de ser, ou você pode se esbaldar no gore e na perversão, ou você pode vomitar logo na primeira cena e amaldiçoar a fita para sempre. Mas o fato é que nada realmente é gratuito na fita cult e transgressora do alemão retardado Jörg Buttgereit. Tá, pode ser de um mau gosto tremendo, mas cada uma das obscuridades e tabus levantados em Nekromantik, revelam uma crítica ao status quo social e aos labirintos da mente humana. Até mesmo a maldita cena chocante do coelho sendo morto em frente às câmeras e esfolado vivo tem sua razão se estar ali no meio da película (diferente, por exemplo, de Cannibal Holocaust). Você pode compreender isso como um apreciador do cinema, ou você pode estar se lixando e só quer ver tripas e cenas bizarríssimas, ou você pode achar que eu sou doente e que o filme é uma afronta a moral, aos bons costumes, à sociedade, e tudo mais e num tem nada disso daí não. O pano central, claro, é a necrofilia (o título já é uma junção de necrofilia = nekrophilie e romântico = romantik) e isso por si só já é um tema delicadíssimo. Agora você ver um casal que se excita e curte trepar com um cadáver em decomposição, já é uma das barbaridades mais chocantes que o cinema de terror extremo já produziu. E olha, apesar da precariedade do filme, feito sem orçamento (tudo bancado do bolso do diretor), realmente o defunto está muito bem caracterizado e funciona bem para embrulhar o estômago da maioria. Você assistindo a cinco minutos dos seus curtíssimos 75 de duração (e sinceramente, não dava mesmo para ter mais do que isso, tanto pelo grotesco quanto pela simplicidade do roteiro) já sabe a que o filme veio ao mundo. Um acidente terrível de carro destroça um casal em pedacinhos, e uma equipe da empresa Joe Streetcleaning (que com certeza não esta na lista das 500 melhores empresas para se trabalhar segundo a revista Exame), cuja função é recolher os cadáveres de lugares públicos, é chamada para o serviço asqueroso de remoção. Um dos funcionários é Rob Schmadtke (excelente interpretação de Daktari Lorenz), o anti-herói que tem uma vidinha miserável sem perspectiva alguma, mora com sua namorada, Betty (Beatrice Manowski) em um apartamento imundo, vivendo apenas do sustento do seu subemprego, e tem o estranho hábito de colecionar partes de corpos humanos dentro de jarros em um museu negro particular. Certo dia, ele “resgata” um cadáver putrefato em um pântano lamacento e o leva para sua casa, para dar uma apimentada na relação, sabe como é. Rola então uma quase poética cena de um ménage à trois com Rob, Betty e o presunto. A moça prega um pedaço de madeira simulando o falo do sujeito, mete até uma camisinha (olha aí o engajamento ao sexo seguro em pleno BOOM da AIDS) e os três vão para o rala e rola ali mesmo, com direito a mão do cadáver acariciando os peitinhos da moça e umas chupadas no olho decomposto. Enquanto Rob vai trabalhar, mas sempre chegando atrasado e deixando o encarregado puto, a moça fica em casa lendo histórias para o cadáver e transando com ele. Quando o desleixado Rob finalmente perde o emprego, Betty resolve lhe dar um pé na bunda (deixando apenas um bilhete), afinal não via nenhum futuro com aquele perdedor e principalmente após tomar gosto pela necrofilia (afinal, como ele conseguiria outros corpos perdendo emprego tão gabaritado, uma vez que aquele estava começando a apodrecer?). O pobre diabo entra em uma depressão aguda e nada mais o anima. Nem mesmo enfiar um gato dentro de um saco de lixo e estourá-lo contra a parede, e depois tomar banho de banheira com seu sangue e vísceras escorrendo. Tentando se animar, ele vai ao cinema assistir a uma crítica escrachada de um típico filme slasher todo misógino e depois vai atrás de uma prostituta. Ele a leva para o cemitério, dá uma bela de uma broxada, e quando a moça de vida fácil ri de sua cara, ele a estrangula e aí sim consegue ficar com o membro em riste e transa com a morta. Só que Rob adormece no local e acorda na manhã seguinte acordado pelo coveiro, que toma um golpe de pá que arranca sua cabeça fora.
ALERTA DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
Desiludido, com uma séria disfunção sexual, crise existencial e isolamento social, Rob não tem outra opção que não dar cabo de sua própria vida. Ele pratica um hara-kiri, enfiando uma faca em seu bucho, ao mesmo tempo em que fica de pau duro (de borracha, claro) ejaculando sêmen e sangue em tudo quanto é lado. É simplesmente uma das cenas mais ofensivas e nojentas que seus olhos que a terra hão de comer já terão visto. De todas as barbaridades, a pior cena mesmo é do pequeno coelhinho esfolado, que chega a ser revoltante, mas funciona como um prelúdio para entender como nasceram os desvios psicológicos de Rob, uma vez que se supõe que aquele seja o pai dele e o bicho, seu animalzinho de estimação preferido. A cena foi enxertada de uma filmagem real de um criador de coelhos fazendo seu “trabalho”.  Além disso, sem contar com um puto para efeitos especiais, foram usados no decorrer do longa intestinos de animais e glóbulos oculares de porcos. Apesar de seu realismo assustador, de sua sujeira, amoralidade e mau gosto ímpar, ao ponto que a necrofilia cumpre seu papel de quebra de tabu cinematográfico, há uma profundidade que cabe em debate em meio a tamanha falta de recursos, cinematografia pobre e cenas grotescas e aberrantes. Nekromantik funciona como um “ataque às percepções da moralidade da burguesia”, como mesmo disse o crítico Bartlomiej Paszylk e aborda em suas entrelinhas a dependência, carência emocional, impotência física e financeira, desilusão amorosa, solidão, falta de empatia e convívio em sociedade, e fetiches sexuais estranhos. Obviamente Nekromantik foi completamente banido em diversos países ao redor do globo, como Islândia, Noruega, Malásia, Cingapura, Canadá, Austrália e Reino Unido (onde foi liberado sem cortes apenas NESTE ANO DE 2014 pelo BBFC) e desafiou a censura da Alemanha Ocidental da época, que mutilava praticamente todos os filmes de terror que chegavam ao país, como O Massacre da Serra ElétricaA Morte do Demônio e Dia dos Mortos, não submetendo o filme para avaliação do órgão regulador do país. Agora a questão é se você já encarou Nekromantik (que rendeu até uma continuação em 1991), ou ainda irá encarar e se conseguiu ou conseguirá enxergar fora da caixa sobre toda a profundidade psicológica ali embutida entre uma cena dantesca e outra, está só a fim do gore e da aberração e ama muito tudo isso ou realmente o vê apenas como uma verdadeira afronta e lixo em forma de cinema. Vai de cada um.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/11/08/562-nekromantik-1988/

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