Direção: Jörg Buttgereit
Roteiro: Jörg Buttgereit, Franz Rodenkirchen
Produção: Manfred O. Jelinski
Elenco: Daktari Lorenz, Beatrice Manowski,
Harald Lundt, Collosseo Schulzendorf, Heike Surban
Amiguinho (e amiguinha), você precisa ser forte
para assistir Nekromantik, vou logo avisando. Esse é
daquele tipo de filme que pode despertar sentimentos dúbios no espectador, e
até por isso é tamanha a sua controvérsia. Você pode achar que é tudo gratuito
apenas para chocar, sem nenhuma razão de ser, ou você pode se esbaldar no gore e na perversão, ou você pode
vomitar logo na primeira cena e amaldiçoar a fita para sempre. Mas o fato é que
nada realmente é gratuito na fita cult e transgressora do alemão
retardado Jörg Buttgereit. Tá, pode ser de um mau gosto tremendo, mas cada uma
das obscuridades e tabus levantados em Nekromantik, revelam uma crítica ao status
quo social e aos labirintos da mente humana. Até mesmo a maldita cena
chocante do coelho sendo morto em frente às câmeras e esfolado vivo tem sua
razão se estar ali no meio da película (diferente, por exemplo, de Cannibal Holocaust). Você pode compreender isso como um apreciador do cinema, ou você pode
estar se lixando e só quer ver tripas e cenas bizarríssimas, ou você pode achar
que eu sou doente e que o filme é uma afronta a moral, aos bons costumes, à
sociedade, e tudo mais e num tem nada disso daí não. O pano central, claro, é a
necrofilia (o título já é uma junção de necrofilia = nekrophilie e
romântico = romantik) e isso por si só já é um tema delicadíssimo. Agora
você ver um casal que se excita e curte trepar com um cadáver em decomposição,
já é uma das barbaridades mais chocantes que o cinema de terror extremo já
produziu. E olha, apesar da precariedade do filme, feito sem orçamento (tudo
bancado do bolso do diretor), realmente o defunto está muito bem caracterizado
e funciona bem para embrulhar o estômago da maioria. Você assistindo a cinco
minutos dos seus curtíssimos 75 de duração (e sinceramente, não dava mesmo para
ter mais do que isso, tanto pelo grotesco quanto pela simplicidade do roteiro)
já sabe a que o filme veio ao mundo. Um acidente terrível de carro destroça um
casal em pedacinhos, e uma equipe da empresa Joe Streetcleaning (que com
certeza não esta na lista das 500 melhores empresas para se trabalhar segundo a
revista Exame), cuja função é recolher os cadáveres de lugares públicos, é
chamada para o serviço asqueroso de remoção. Um dos funcionários é Rob
Schmadtke (excelente interpretação de Daktari Lorenz), o anti-herói que tem uma
vidinha miserável sem perspectiva alguma, mora com sua namorada, Betty
(Beatrice Manowski) em um apartamento imundo, vivendo apenas do sustento do seu
subemprego, e tem o estranho hábito de colecionar partes de corpos humanos
dentro de jarros em um museu negro particular. Certo dia, ele “resgata” um
cadáver putrefato em um pântano lamacento e o leva para sua casa, para dar uma
apimentada na relação, sabe como é. Rola então uma quase poética cena de um ménage
à trois com Rob, Betty e o presunto. A moça prega um pedaço de madeira simulando
o falo do sujeito, mete até uma camisinha (olha aí o engajamento ao sexo seguro
em pleno BOOM da AIDS) e os três vão para o rala e rola ali mesmo, com direito
a mão do cadáver acariciando os peitinhos da moça e umas chupadas no olho
decomposto. Enquanto Rob vai trabalhar, mas sempre chegando atrasado e deixando
o encarregado puto, a moça fica em casa lendo histórias para o cadáver e
transando com ele. Quando o desleixado Rob finalmente perde o emprego, Betty
resolve lhe dar um pé na bunda (deixando apenas um bilhete), afinal não via
nenhum futuro com aquele perdedor e principalmente após tomar gosto pela
necrofilia (afinal, como ele conseguiria outros corpos perdendo emprego tão
gabaritado, uma vez que aquele estava começando a apodrecer?). O pobre diabo
entra em uma depressão aguda e nada mais o anima. Nem mesmo enfiar um gato
dentro de um saco de lixo e estourá-lo contra a parede, e depois tomar banho de
banheira com seu sangue e vísceras escorrendo. Tentando se animar, ele vai ao
cinema assistir a uma crítica escrachada de um típico filme slasher todo misógino e depois vai
atrás de uma prostituta. Ele a leva para o cemitério, dá uma bela de uma
broxada, e quando a moça de vida fácil ri de sua cara, ele a estrangula e aí
sim consegue ficar com o membro em riste e transa com a morta. Só que Rob
adormece no local e acorda na manhã seguinte acordado pelo coveiro, que toma um
golpe de pá que arranca sua cabeça fora.
ALERTA DE
SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
Desiludido, com uma séria disfunção sexual, crise
existencial e isolamento social, Rob não tem outra opção que não dar cabo de
sua própria vida. Ele pratica um hara-kiri,
enfiando uma faca em seu bucho, ao mesmo tempo em que fica de pau duro (de
borracha, claro) ejaculando sêmen e sangue em tudo quanto é lado. É
simplesmente uma das cenas mais ofensivas e nojentas que seus olhos que a terra
hão de comer já terão visto. De todas as barbaridades, a pior cena mesmo é do
pequeno coelhinho esfolado, que chega a ser revoltante, mas funciona como um
prelúdio para entender como nasceram os desvios psicológicos de Rob, uma vez
que se supõe que aquele seja o pai dele e o bicho, seu animalzinho de estimação
preferido. A cena foi enxertada de uma filmagem real de um criador de coelhos
fazendo seu “trabalho”. Além disso, sem contar com um puto para efeitos
especiais, foram usados no decorrer do longa intestinos de animais e glóbulos
oculares de porcos. Apesar de seu realismo assustador, de sua sujeira,
amoralidade e mau gosto ímpar, ao ponto que a necrofilia cumpre seu papel de
quebra de tabu cinematográfico, há uma profundidade que cabe em debate em meio
a tamanha falta de recursos, cinematografia pobre e cenas grotescas e
aberrantes. Nekromantik funciona como um “ataque às percepções da
moralidade da burguesia”, como mesmo disse o crítico Bartlomiej Paszylk e
aborda em suas entrelinhas a dependência, carência emocional, impotência física
e financeira, desilusão amorosa, solidão, falta de empatia e convívio em
sociedade, e fetiches sexuais estranhos. Obviamente Nekromantik foi
completamente banido em diversos países ao redor do globo, como Islândia,
Noruega, Malásia, Cingapura, Canadá, Austrália e Reino Unido (onde foi liberado
sem cortes apenas NESTE ANO DE 2014 pelo BBFC) e desafiou a censura da Alemanha
Ocidental da época, que mutilava praticamente todos os filmes de terror que
chegavam ao país, como O Massacre da Serra Elétrica, A Morte do Demônio e Dia dos Mortos, não
submetendo o filme para avaliação do órgão regulador do país. Agora a questão é
se você já encarou Nekromantik (que rendeu até uma continuação em
1991), ou ainda irá encarar e se conseguiu ou conseguirá enxergar fora da caixa
sobre toda a profundidade psicológica ali embutida entre uma cena dantesca e
outra, está só a fim do gore e
da aberração e ama muito tudo isso ou realmente o vê apenas como uma verdadeira
afronta e lixo em forma de cinema. Vai de cada um.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/11/08/562-nekromantik-1988/
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