segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

#311 1974 RABID DOGS (Cani arrabbiati, Itália)


Direção: Mario Bava
Roteiro: Alessandro Parenzo, Cesar Frugoni (não creditado)
Produção: Alfredo Leone, Roberto Loyola, Lamberto Bava, David E. Allen e Harmon Kaslow (Produtores Executivos – versão restaurada)
Elenco: Ricardo Cucciolla, Don Backy, Lea Lander, Maurice Poli, George Eastman

Rabid Dogs é o mais incomum, brutal e grosseiro filme do Maestro do Macabro, Mario Bava. Quem conhece a filmografia do diretor italiano, sabe muito bem que estamos acostumados a excelente mistura técnica e cênica que Bava imprime em seus filmes. Preocupações com detalhes, com o kitsch, com o jogo de cores, fotografia e misé-en-scene, que resultam quase em uma pintura, uma obra de arte sobre a morte e o terror. Lisa e o Diabo, por exemplo, é o auge dessa estética imagética concebida cinematograficamente por Bava. Aqui em Rabid Dogs, vemos um filme sujo, cru e cruel, regado de uma tensão e claustrofobia limítrofes, conduzindo uma sinfonia de morte e horror não pelo viés gótico e sobrenatural, uma das marcas registradas do diretor, ou pelas suas incursões no próprio giallo, como em Seis Mulheres para o Assassino, mas sim, pela brutalidade e maldade humana, mais próximo do que fez em A Mansão da Morte, por exemplo. Rabid Dogs é violento (porém sem ser explícito) e psicologicamente angustiante. Uma trama simples, levada ao extremo, onde três escroques assaltam um banco e raptam uma garota e um pai motorista que levava o filho enfermo para o hospital. Em um longo trajeto dentro de um apertado carro, os cinco elementos (mais a criança que passa o filme todo desacordada) vivem uma explosão psicológica de destemperos que atingem um nível estratosférico, e somos testemunhas oculares, impotentes, da maldade humana em sua forma mais pura e sinistra, com atitudes repugnantes dos bandidos que fazem por um momento você até perder a fé na humanidade. Os três criminosos são: Dottore (Maurice Poli), cabeça do grupo e o mais centrado, podemos assim dizer; Blade ou Bisturi na versão italiana (vivido pelo famoso cantor italiano nos anos 60, Aldo Caponi, sob o pseudônimo de Don Backy); e seu amigo de longa data Thirytwo (ou Trentadue – apelido dado pelo tamanho em centímetros de seu pênis! – personagem de George Eastman, o eterno canibal do infame Anthropophagus de Joe D’Amato) aquele que se provará o mais desequilibrado e cruel, o verdadeiro “cani arrabbiati” (ou cão raivoso) dos três. A tentativa de assalto dá errado e encurralados pela polícia, eles pegam duas garotas como refém em um estacionamento, Marisa, que é morta à sangue frio por Blade e sua amiga Maria (Lea Lander), que é sequestrada. Quando o seu carro dá problema, eles abordam Riccardo (Riccardo Cucciolla), um pai de família que tenta levar o filho com convulsão às pressas ao hospital. Começa por aí que você já vê que os três poucos se importam com o estado de saúde do infante e tampouco com a preocupação de seu pai. Metidos dentro do carro, em uma situação claustrofóbica e angustiante, Bava com câmera na mão e ritmo de guerrilha, aumenta ainda mais a agonia dentro daquele veículo não somente com os abusos mentais em que os bandidos, principalmente os desequilibrados Blade e Thirtytwo, praticam com os reféns, sob constante ameaça de morte, e de violência sexual no caso de Maria, mas também pelos vidros do carro permanecerem sempre fechados,  tendo o filme inteiro sido rodado em um calor escaldante. A tortura psicológica e a ebulição daqueles hormônios masculinos sádicos irão transbordar em cenas revoltantes, com a pobre Maria sendo abusada maliciosamente por aqueles dois brutamontes, mesmo Dottore tentando manter um pouco de liderança e controle nos dois. Cena emblemática, provavelmente inspirada por Aniversário Macabro de Wes Craven, lançado dois anos antes, é quando Thirtytwo e Blade obrigam a garota a urinar no chão em frente a eles, após tentar fugir dos seus raptores. Claro que aquele caldeirão irá explodir em um momento com consequências trágicas para os envolvidos, mesmo que no ínterim, durante uma parada a um posto de gasolina para abastecer, uma nova personagem, Maria Sbravati (Maria Fabbri), pega carona desavisadamente com os marginais e começa a tagarelar e cantar sem parar, deixando todos constrangidos e ainda mais enraivecidos dentro do veículo. É um momento que aquele sorriso de nervosismo, até involuntário talvez, surge no canto da boca do espectador. Ao final, depois que toda a tensão tornou-se insuportável, e finalmente livres da polícia ou de qualquer perigo de serem capturados pelas autoridades, os meliantes que ainda estão vivos (não farei nenhum SPOILER e contar qual deles morre durante o percurso, e principalmente, como) irão à forra mas haverá ainda tempo para Bava dar seu toque de mestre, e continuar elevando nosso nível de adrenalina para que fiquemos boquiabertos quando subir a música (que por sinal, é uma trilha sonora igualmente lancinante, conduzida por Stelvio Cipriani) na cena final. Bava sendo Bava, crudelíssimo e obcecado pela morte e baixeza humana. Por pouco, por muito pouco, eu não teria escrito essa resenha sobreRabid Dogs e você não a teria lido. Porque infelizmente, Bava encontrou inúmeras dificuldades para finalizá-lo (talvez mas até do que já estávamos acostumados).  O diretor estava em um momento de declínio de sua carreira e acreditava que Rabid Dogs seria sua volta triunfal ao gênero de suspense/ policial italiano, que fazia tanto sucesso nos cinemas naquela época. Quase sem grana (depois de dois dias de filmagens teve de demitir o diretor de fotografia, Emilio Varriano, e assumir também este posto para economizar) e faltando apenas alguns takes para concluí-lo, o produtor do filme morreu em um trágico acidente de carro e a sua produtora faliu. O filme (não finalizado), foi apreendido pelos tribunais e tornou-se alvo de uma disputa jurídica. Bava nunca o viu ser lançado e finalizado, morrendo em 1980 de ataque cardíaco aos 65 anos. Foi só então na década de 90, que Lea Lander, a Maria, conseguiu os direitos do filme após esse imbróglio judicial todo, e foi lançado em 1997 nos cinemas, 23 anos depois de ser feito, finalizado por Lamberto Bava, filho de Mario, que o editou e filmou as cenas restantes, incluindo o início da fita, com a moça chorando por trás da janela. O produtor Alfredo Leone, amigo de Bava, que havia produzido Os Horrores do Castelo de Nuremberg e Lisa e o Diabo, comprou o filme futuramente, e providenciou uma segunda versão, com 20 minutos a mais de duração, alterando seu final e com nova trilha sonora, lançado comercialmente com o título de “Kidnapped”. Rabid Dogs é o cinema brutal e marginal da Itália. Mario dizia a Lamberto que esse seria seu melhor filme. Não chegou a vê-lo montado, e tampouco é realmente seu melhor filme, mas é mais uma das demonstrações cabais do talento indiscutível do diretor. E um detalhe, desmistificando algumas informações que você pode ler por aí na Internet, Rabid Dogs não influenciou o famoso Cães de Aluguel de Quentin Tarantino como alguns falam, apesar do plot e nomes parecidos. Só fazer a matemática, já que ninguém nunca tinha o visto até 1997, e o longa de Tarantino foi lançado em 1992, cinco anos antes.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/11/22/311-rabid-dogs-1974/

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