terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

#482 1983 DUBLÊ DE CORPO (Body Double, EUA)


Direção: Brian De Palma
Roteiro: Robert J. Avrech e Brian De Palma
Produção: Brian De Palma, Howard Gottfried (Produção Executiva)
Elenco: Craig Wasson, Melanie Griffith, Gregg Henry, Deborah Shelton, Guy Boyd, Dennis Franz

Não adianta, Brian De Palma é um sujeito capaz de criar sentimentos dúbios nos fãs de cinema. Você pode acha-lo um gênio ou um charlatão que apenas recicla obras de outros cineastas e também de seus próprios filmes, numa espécie de loop fazendo repeteco de elementos comuns, principalmente tratando-se de seu começo de carreira. Isso para dizer que EU acho Dublê de Corpo genial. Não se deve cair na armadilha de colocar Dublê de Corpo (e muito da obra de De Palma) como uma cópia de Hitchcock. Obviamente é uma homenagem rasgada ao Mestre do Suspense, como já havia feito anteriormente em Irmãs Diabólicas ou Vestida Para Matar (que considero sua obra-prima até então). Você respira tanto Janela Indiscreta quanto (e principalmente) Um Corpo que Cai em muitos dos frames. Mas tendo em vista que De Palma foi o sujeito que realmente pegou o bastão do cinema hitchcockiano, acredito que ele o tenha feito com louvor e esta fita é a prova definitiva disso. E muito mais que recauchutar elementos até mesmo já usados por ele, aqui De Palma manda tudo às favas e faz uma crítica elemental a Hollywood, ao sistema, debocha dos detratores que acusaram Vestida Para Matar de um thriller erótico vulgar e sexista e também manda uma banana para o controle dos estúdios logo depois do árduo processo de filmagem de Scarface e seus quatro cortes para abrandar a censura e garantir uma classificação indicativa menor. Nada melhor que um filme de baixo orçamento que subverta o gênero, do terror B ao pornô hardcore, brincando com produtores, diretores, atores, até roteiristas e seus plot twist e usando e abusando de metalinguagem para tal, como o impagável começo da fita, com seus créditos à lá filmes da Hammer e seu final onde utiliza uma dublê de corpo para remontar a própria cena do chuveiro de Vestida Para Matar com a nudez arrebatadora de Angie Dickinson. A trama de contornos nababescos e labirínticos escrita pelo próprio diretor e por Robert J. Avrech nos apresenta Jake Scully, interpretado por um não muito inspirado Craig Wasson (exceto nas cenas em que ele se passa por ator pornô, mas logo chego lá), ator medíocre que estrela uma produção de baixo orçamento de vampiro que sofre de um surto claustrofóbico (tal qual a acrofobia do personagem de James Stewart em Um Corpo que Cai) enquanto filma uma cena dentro de um caixão. Chutado pelo diretor (papel de Dennis Franz – que se inspirou no próprio De Palma) ao voltar para casa encontra sua esposa transando com outro sujeito e logo sua vida torna-se miserável. Sem trabalho e sem ter onde morar recebe a ajuda de outro ator, Sam Bouchard (Gregg Henry) para passar um tempo em uma esquisita mansão em Hollywood enquanto vai viajar. Como De Palma é ainda mais vouyer que Hitchcock, através de uma lente de aumento colocado na janela da casa, Scully descobre sua fixação pela vizinha de frente que gosta de se exibir e se masturbar na janela, Gloria Revelle (Deborah Shelton) e passa a observá-la (tal qual o também personagem de James Stewart em Janela Indiscreta). Até claro, que sabemos o que vai acontecer (ou pressupomos). Ele descobre que tem um sujeito índio deformado a perseguindo até o clímax do assassinato, atravessada por uma broca, testemunhado por um suspeito e paranoico Scully, que também passa a seguir Gloria tornando-se cada vez mais obcecado, sendo desacreditado pela polícia e visto como um tarado fetichista. A segunda metade do filme é hora do giro de 360º e percebemos que assim como o herói falível, incompetente e decadente, que tanto nos assemelhamos (assim como os heróis de Hitchcock, diga-se de passagem) estamos sendo enganados como patos,
e aí vai aquele famoso ALERTA DE SPOILER, e se você não assistiu ao filme, pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
 Na real a trama é muito mais complexa e Scully foi usado como testemunha para livrar a cara do marido de Revelle, uma dondoca rica, que está atrás do dinheiro do seguro. Sam Bouchard, que é o marido em questão, arquitetou um plano infalível ao melhor molde do Cebolinha, contratou uma atriz pornô, Holly Body (papel de Melanie Griffith, nova, deliciosa, provocante e desbocada, que é filha de Tippi Hedren de Os Pássaros e Marnie, Confissões de uma Ladra, dirigidos por você sabe quem) para se passar por Gloria (ser seu dublê de corpo), instigar o vouyerismo de Scully e usá-lo como uma peça de tabuleiro. Gênio é pouco. Você é conduzido por maestria por De Palma que joga na sua cara o quanto você foi um babaca, assim como o personagem principal. Sua câmera invasiva, o abuso dos travellings característicos do diretor e a trilha sonora incrível de Pino Donaggio te coloca dentro do filme como um espectador incauto, tão obsessivo em entender o que se passa quanto o próprio Jake Scully. A extensa cena sem diálogo de Scully seguindo Gloria (e, por conseguinte o índio horroroso que a persegue) pelo shopping, pelo condomínio na praia e pelas areias é digna de um dos grandes momentos da carreira do diretor (que coloco no mesmo patamar da cena do museu em Vestida Para Matar, a cena da escada na estação de trem de Os Intocáveis e a cena da escada rolante de O Pagamento Final). Isso sem contar todos os pormenores de escancarar a sórdida relação atores, diretores, cinema tanto do universo convencional quanto da pornografia e obviamente, os limites da paranoia e da obsessão e da dificuldade em acreditar até em si mesmo quando uma coisa extremamente inverossímil parece ter tomado forma, com consequências macabras. Afinal, um pouco (ou muito) de suspensão de descrença é necessário para não se ater em possíveis falhas de roteiro ou no absurdo do desenrolar da trama, assim como seu final aberto onde tudo e nada são respondidos ao mesmo tempo. Dublê de Corpo é cinema puro. É Brian De Palma puro. É o legado de Hitchcock puro. Sórdido, lascivo, brutal, envolvente, acachapante, que faz piada com Hollywood, faz piada com a indústria do cinema e como profissionais e vidas podem ser descartadas em um mundinho de vaidades, taras e obsessões.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/07/22/482-duble-de-corpo-1984/

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