sábado, 13 de fevereiro de 2016

#322 1975 PIQUENIQUE NA MONTANHA MISTERIOSA (Picnic at Hanging Rock, Austrália)


Direção: Peter Weir
Roteiro: Cliff Green (baseado na obra de Joan Lindsay)
Produção: Hal McElroy, Jim McElroy, Patricia Lovell e John Graves (Produtores Executivos)
Elenco:Rachel Roberts, Vivean Gray, Helen Morse, Kirsty Child, Anne-Louise Lambert, Karen Robson, Christine Schuler, Margaret Nelson

Já vou avisando logo de cara: Piquenique na Montanha Misteriosa não é um filme fácil e dificilmente agrada o público médio de cinema. É uma obra hermética, onírica e com um final completamente em aberto, sem respostas. Não sei nem ao certo o quanto ele se encaixa em uma lista de filmes de terror, mas se encaixa, isso tenho certeza, não pelo tal clima de mistério que o próprio título alardeia, mas pela sensação etérea, pungente e quase sobrenatural que o primeiro grande trabalho do diretor Peter Weir emana, atingindo em cheio àqueles que assistem a fita e deixam uma sensação incômoda, típica do gênero. Para quem não sabe, o australiano Peter Weir tem uma carreira invejável em seu currículo e já foi indicado a nada menos que seis vezes ao Oscar. Entre seus mais conhecidos trabalho para Hollywood estão: A TestemunhaSociedade dos Poetas MortosO Show de Trumam e Mestre dos Mares – O Lado Mais Distante do Mundo. E foi justamente Piquenique na Montanha Misteriosa que catapultou sua carreira, fazendo-o cruzar o mundo até a América, sendo também o primeiro grande filme australiano a ser conhecido no resto do mundo. A trama, que se passa na virada do século passado, gira em torno do desaparecimento de três estudantes e uma professora durante uma visita a Hanging Rock, a montanha do título, passeio programado para as alunas de uma elitizada escola de moças de fino trato gerida pela Sra. Appleyard (Rachel Roberts). A fita abre contando sobre esse misterioso caso que aconteceu no dia 14 de fevereiro de 1900 na Austrália, tal qual fosse baseado em um fato real. Mas não foi. Na verdade o filme é inspirado no livro escrito por Joan Lindsay. Ficção, porém inspirada em um lugar considerado maldito na região de Victoria, na Austrália, onde durante séculos há casos registrados de desaparecimentos por ali. Se bem que desaparecimentos na Austrália é algo bastante corriqueiro. Todas as garotas do internato vão ao piquenique, ficando apenas na escola a jovem Sara (Margaret Nelson), sem nenhuma explicação dada do porquê ela não acompanhar as demais amigas no passeio (subentende-se uma certa rixa com a Sra. Appleyard, que vou voltar mais tarde a falar sobre, e o fato de que a garota órfã estava com atraso no pagamento das mensalidades). Ao chegarem na imponente e assustadora formação rochosa que está ali há um milhão de anos, esperando pelas garotas (como uma mesmo diz durante a viagem), os relógios tanto do cocheiro Tom (Anthony Llewellyn-Jones) quanto da tutora legal e responsável pelas meninas na viagem (e braço direito da Sra. Appleyard), Srta. MCcraw (Vivean Gray), param misteriosamente ao meio-dia. O grupo então se divide. A maioria das garotas ficam na base da montanha enquanto quatro delas, Miranda (Anne-Louis Lambert), Irma (Karen Robson), Marion (Jane Vallis) e Edith (Christine Schuler) resolvem adentrar àquela formação rochosa tão hipnótica e vão cada vez mais subindo até seu cume. As garotas, assim como o espectador, parecem entrar em um transe completo. Weir abusa de tomadas em câmera lenta que se assemelham a um sonho poético ou quadros em movimento (para dar a noção perfeita de perda do tempo transcorrido), misturando belíssimas cenas das paisagens, inóspitas e extasiantes ao mesmo tempo, com formações de rochas vulcânicas que parecem rostos que apenas fitam a travessia das garotas, com a fauna e flora da região, criando um clima completamente inebriante, altamente alucinógeno, principalmente por conta da trilha sonora de Bruce Smeaton e a flauta pan tocada por Gheorghe Zamfir. Ao atingirem determinado ponto da montanhas, primeiramente as garotas começam a deixar para trás peças de roupa, como meias, sapatos e espartilhos. Atingidas por essa força magnética, todas elas repentinamente caem no sono, assim como aqueles que ficaram na base. Ao acordarem, três delas continuam a sua peregrinação por entre as rochas, quando Edith insiste para as demais não irem à frente. As três desaparecem sem deixar nenhum vestígio, e Edith volta para a base em um estado semi catatônico. Então, o resto do filme rondará em círculos sobre tentativas fracassadas da polícia local em conseguir encontrar as garotas e o clima insustentável que se abate àquela instituição de ensino, tanto das garotas que começam a ser tiradas da escola por preocupados pais, quanto do descontrole da Sra. Appleyard, tendo atitudes extremas com as professoras e alunas (principalmente Sara, como já disse), regadas a altas doses de bebida alcoólica. Dois personagens igualmente intrigantes tem uma importância enorme na trama, mas que também se mostram tão misteriosos quanto o próprio sumiço das garotas. Michael Fitzhubert (Dominic Guard) e Albert Crundall (John Jarratt) são dois jovens que tornam-se os últimos a verem as garotas. Os dois estavam acampados com sua família nas proximidades, e as veem subindo a montanha. Michael fica instantaneamente fascinado com a beleza de Miranda (que por si só já emana uma espécie de sensualidade e mistério inatos). Ele fica obcecado em tentar encontrar as garotas, e isso quase lhe tira a própria vida, ao subir sozinho em Hanging Rock e adormecer exatamente no mesmo ponto que as desaparecidas. É salvo por Albert que mais tarde volta ao local e encontra Irma, a única das desaparecidas que acabará sendo encontrada (também em estado semi catatônico). Muitas perguntas vão ficando no ar e Weir coloca as cartas na mesa deixando o espectador tirar as suas próprias conclusões, sem nunca revelar o verdadeiro paradeiro das meninas desaparecidas, ou a obsessão de Michael (ele teria algo a ver com o desaparecimento?) e muito menos responder os porquês. Se esse é um dos charmes do filme, algo completamente impensável para uma produção moderna para uma plateia preguiçosa acostumada a tudo mastigado e vomitado em sua frente, é uma aposta completamente arriscada, mas que funciona como um daqueles excelentes exercícios que fazem o filme continuar na cabeça do espectador e em bates papos assim que as luzes se acendem. O que de fato aconteceu com as garotas? Qual o poder sobrenatural que aquela formação geológica tem? Que tipo de força hipnótica e convidativa que ela exerce sobre suas incautas vítimas? Tudo parece um jogo de descoberta de sexualidade e fim de inocência implícito misturado à repressão sexual, por acontecer exatamente um dia dos namorados (que é comemorado em 14 de fevereiro por lá, Dia de São Valentim), tendo as garotas de viver sob um regime de conduta extremo e dominador da Sra. Appleyard, que por sua vez nutre algum sentimento escondido por Miranda, assim como a própria Sara, apaixonada secretamente pela amiga, o que a torna a personagem que mais sofra com o sumiço da bela loirinha. E a gasolina vai sendo jogada nesta fogueira de vaidade com a decadência, perda de dinheiro e de credibilidade da instituição da Sra. Appleyard (tida como negligente) e descontando na pobre Sara (por ciúmes?) até, podemos dizer, sua tomada de decisão extrema. Weir não responde nada ao terminar Piquenique na Montanha Misteriosa. Está mais preocupado na beleza estética, plástica, na jornada das personagens em busca das entranhas de Hanging Rock (ou na busca da liberdade?) e na congruência de elementos que são colocados em cena, do que na experiência narrativa em si ao invés de partir para uma explicação faceira. As garotas deixaram de existir nesse plano espectral. Desintegraram no próprio ar. Suas existências tem um final antes da fita terminar. E é isso que o espectador tem de estar pronto para encarar. Deixar-se absorver pela atmosfera contagiante e todos os nuances deste belíssimo filme.
FONTE: https://101horrormovies.com/2013/12/07/322-piquenique-na-montanha-misteriosa-1975/

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599 1975 PIQUENIQUE NA MONTANHA MISTERIOSA (Picnic at Hanging Rock)

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