sábado, 10 de outubro de 2015

#268 1972 O ESTRANHO BOSQUE DOS SONHOS (Non si sevizia um paperino / Don’t Torture a Duckling, Itália)


Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Gianfranco Clerici, Lucio Fulci, Roberto Gianviti
Produção: Renato Jaboni (Produtor Executivo)
Elenco: Florinda Bolkan, Barbara Bouchet, Tomas Milian, Irene Papas, Marc Porel, Georges Wilson

Foi em O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos (mas que diabos de título é esse?) que Lucio Fulci começou a se tornar Lucio Fulci, aquele que conhecemos hoje em dia. Mesmo antes já tendo dirigido vários western spaghetti e também contribuído com o giallo em Uma Sobre a Outra e Uma Lagartixa no Corpo de Mulher, é aqui que temos o vislumbre total do gênio do terror italiano que nos entregaria mais tarde preciosidades como Zumbi 2 – A Volta dos Mortos e a trilogia composta por A Casa do Cemitério, Pavor na Cidade dos Zumbis e Terror nas Trevas. A completa falta de moralidade do longa, o tema controverso e chocante, e algumas cenas de violência gráfica mais brutais feitas até então, misturada com aquela poesia inquietante, visceral e grosseira que só Fulci é capaz de imprimir, transformam a experiência de se assistir O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos em um deleite cinematográfico para qualquer fã do gênero.  E todos estes elementos magistralmente executados explodem sob a ótica do espectador, passados em um ambiente árido e sufocante, auxiliado pela excelente fotografia de Sergio D’Offizi e ainda com a sempre ótima trilha sonora de Riz Ortolani (aquele mesmo da trilha de Cannibal Holocaust). Como disse no parágrafo acima, o controverso tema central que orbita pelo filme é o assassinato de crianças. Indigesto, não é? Em um pequeno vilarejo no sul da Itália, um misterioso serial killer está matando os meninos da região, o que dará início a uma engendrada investigação policial, que não é lá das muito eficientes, junto com uma investigação pessoal de um jornalista, Andrea Martelli (Tomas Milian), enviado de um jornal de Milão para acompanhar o caso. O rol de suspeitos cresce a cada cena, e parece que todos ali têm algum motivou ou alguma sujeira a esconder. Logo na primeira e impactante cena, vemos a atriz cearense Florinda Bolkan, que vive o papel de Maciara, desenterrando o esqueleto de uma criança morta. Já dá para ver por aí que os conceitos morais do filme estão prestes a degringolar. Florinda fez bastante sucesso no cinema italiano, tendo sido descoberta por Luchino Visconti e também trabalhado com outros diretores importantes do neorealismo, como Vittorio de Sica e Elio Petri. Aqui, Maciara é uma espécie de praticante de magia negra, que tem raiva declarada das crianças e gosta de fazer vodu com bonecos infantis de cera. Vai vendo… Logo na sequência, os garotos começam a zombar de um sujeito com retardo mental chamado Giuseppe Barra (Vito Passeri) ao flagrá-lo espiando alguns homens transando com prostitutas que iam esporadicamente ao vilarejo satisfazer o desejo sexual deles em troca de dinheiro. É logo após o acontecido que o primeiro infante aparecerá morto, e chocará a cidade, dando início às investigações policiais e todas as suspeitas cairão sobre o pobre diabo. Paralelo a isso, somos apresentados a Patrizia, interpretada pela belíssima Barbara Bouchet, que em sua primeira aparição em cena, está nuazinha em pelo, esperando que um dos garotos, envergonhado, lhe leve um copo de suco, enquanto tenta seduzi-lo sem a menor vergonha na cara. Como se não bastasse, Patrizia está confinada na cidade como uma espécie de detox pessoal, pois seu pai crescera no local e mandara a filha para lá após um escândalo em que se envolveu com drogas, fazendo-a destoar completamente daquele habitat, tanto pelos seus modos quanto pela decoração psicodélica de sua residência em art-deco, contrastando com a ruralidade, as planícies áridas e simplicidade dos moradores do povoado. E seu tédio, promiscuidade e seu vício em entorpecentes começam a torná-la suspeita em determinado momento do filme. Fora isso, mais e mais personagens suspeitos vão surgindo para transformar O Estanho Bosque dos Sonhos em um verdadeiro exercício de suspense, ao melhor estilo whodunit?, entre eles: o padre Don Alberto Avallone (Marc Porel), que catequiza os garotos, joga futebol com ele e tem uma estranha aura pedófila que o circunda; sua mãe, Dona Aurélia (Irene Papas) que também possui uma filha deficiente mental, o que poderia despertar algum tipo de desprezo e ciúmes pelas “crianças normais”; e Francesco, outro personagem ligado a bruxaria e magia negra que vive naquele vilarejo inóspito. Mas os dois momentos em que Lucio Fulci se torna Lucio Fulci, como disse no começo do texto, são na verdade dois momentos ímpares do filme, dotados de uma beleza macabra poética. O primeiro, é quando Maciara é presa e depois libertada, após confessar que praticava vodu e isso seria o motivo da morte das crianças. Inocente por não ser a verdadeira executora, os pais dos garotos assassinados, com reações tais quais de aldeões medievais, encurralam-na e decidem cometer justiça com as próprias mãos. Armados de correntes pesadas, eles começam a espancar a mulher sem piedade, cena regada de gore grotesco, marca registrada futura do splatter de Lucio Fulci, que nos brinda com nacos de carne ensanguentados sendo arrancados de pernas, barrigas e rosto, enquanto Maciara sofre com os flagelos provocados com toda força. Tudo isso com a tocante música “Quei Giorni Insieme a Te” de Ornella Vanoni, tocada no rádio. Já o segundo, e agora vem um 
ALERTA DE SPOILER, então aconselho a pular para o próximo parágrafo ou ler por sua conta e risco,
é quando finalmente a identidade do assassino é revelada, e o mesmo é o padre Alberto (algo que já começamos a desconfiar muito obviamente em determinado momento do filme), que em sua demência, matava as crianças a qual tinha tanto ciúmes e uma relação doentia de possessão, antes que eles caíssem na tentação do pecado da carne, garantindo assim sua alma pura e sua entrada no reino dos céus. Numa luta final contra Martelli na beirada de um penhasco, quando Don Alberto estava preste a assassinar a própria irmã, o carola é derrubado e em sua queda, tem o rosto completamente desfigurado enquanto vai batendo nos pedregulhos do desfiladeiro, até se estatelar no chão, isso em meio a flashbacks de cenas dos garotos e dizeres do padre que o incriminam e a trilha contundente de Ortolani. O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos é de tirar o chapéu. Lucio Fulci em um dos seus maiores momentos como diretor. E não por menos, Fulci foi excomungado após o lançamento do filme, assim como sua obra. O diretor pouco se importou, pois sua ideia de chocar e explorar os problemas morais da religiosidade, em um país católico como a Itália, funcionou, e todo esse niilismo e decadência religiosa acabou se tornando ainda mais contundente e ácido em produções futuras, mesmo com o protesto da Igreja. Um detalhe é que o filme foi exibido em pouquíssimos cinemas ao redor do mundo em seu lançamento na década de 70, e permaneceu inédito nos EUA, sendo lançado apenas em VHS e DVD em 1999.

FONTE: http://101horrormovies.com/2013/09/21/268-o-estranho-segredo-do-bosque-dos-sonhos-1972/

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