Direção: Lucio
Fulci
Roteiro: Gianfranco
Clerici, Lucio Fulci, Roberto Gianviti
Produção: Renato
Jaboni (Produtor Executivo)
Elenco: Florinda
Bolkan, Barbara Bouchet, Tomas Milian, Irene Papas, Marc Porel, Georges Wilson
Foi em O Estranho Segredo do Bosque dos
Sonhos (mas
que diabos de título é esse?) que Lucio Fulci começou a se tornar Lucio Fulci,
aquele que conhecemos hoje em dia. Mesmo antes já tendo dirigido vários western
spaghetti e também contribuído com o giallo em Uma Sobre a
Outra e Uma Lagartixa no Corpo de Mulher, é aqui que temos o
vislumbre total do gênio do terror italiano que nos entregaria mais tarde
preciosidades como Zumbi 2 – A Volta dos Mortos e a trilogia
composta por A Casa do Cemitério, Pavor na Cidade dos
Zumbis e Terror nas Trevas. A completa falta de
moralidade do longa, o tema controverso e chocante, e algumas cenas de
violência gráfica mais brutais feitas até então, misturada com aquela poesia
inquietante, visceral e grosseira que só Fulci é capaz de imprimir, transformam
a experiência de se assistir O Estranho Segredo do Bosque dos
Sonhos em um deleite cinematográfico para qualquer fã do gênero. E
todos estes elementos magistralmente executados explodem sob a ótica do espectador,
passados em um ambiente árido e sufocante, auxiliado pela excelente fotografia
de Sergio D’Offizi e ainda com a sempre ótima trilha sonora de Riz Ortolani
(aquele mesmo da trilha de Cannibal
Holocaust). Como disse no parágrafo acima, o controverso tema
central que orbita pelo filme é o assassinato de crianças. Indigesto, não é? Em
um pequeno vilarejo no sul da Itália, um misterioso serial killer está
matando os meninos da região, o que dará início a uma engendrada investigação
policial, que não é lá das muito eficientes, junto com uma investigação pessoal
de um jornalista, Andrea Martelli (Tomas Milian), enviado de um jornal de Milão
para acompanhar o caso. O rol de suspeitos cresce a cada cena, e parece que
todos ali têm algum motivou ou alguma sujeira a esconder. Logo na primeira e
impactante cena, vemos a atriz cearense Florinda Bolkan, que vive o papel de
Maciara, desenterrando o esqueleto de uma criança morta. Já dá para ver por aí
que os conceitos morais do filme estão prestes a degringolar. Florinda fez
bastante sucesso no cinema italiano, tendo sido descoberta por Luchino Visconti
e também trabalhado com outros diretores importantes do neorealismo, como
Vittorio de Sica e Elio Petri. Aqui, Maciara é uma espécie de praticante de
magia negra, que tem raiva declarada das crianças e gosta de fazer vodu com
bonecos infantis de cera. Vai vendo… Logo na sequência, os garotos começam a
zombar de um sujeito com retardo mental chamado Giuseppe Barra (Vito Passeri)
ao flagrá-lo espiando alguns homens transando com prostitutas que iam
esporadicamente ao vilarejo satisfazer o desejo sexual deles em troca de
dinheiro. É logo após o acontecido que o primeiro infante aparecerá morto, e
chocará a cidade, dando início às investigações policiais e todas as suspeitas
cairão sobre o pobre diabo. Paralelo a isso, somos apresentados a Patrizia,
interpretada pela belíssima Barbara Bouchet, que em sua primeira aparição em
cena, está nuazinha em pelo, esperando que um dos garotos, envergonhado, lhe
leve um copo de suco, enquanto tenta seduzi-lo sem a menor vergonha na cara. Como
se não bastasse, Patrizia está confinada na cidade como uma espécie
de detox pessoal, pois seu pai crescera no local e mandara a filha
para lá após um escândalo em que se envolveu com drogas, fazendo-a destoar
completamente daquele habitat, tanto pelos seus modos quanto pela decoração
psicodélica de sua residência em art-deco, contrastando com a ruralidade,
as planícies áridas e simplicidade dos moradores do povoado. E seu tédio,
promiscuidade e seu vício em entorpecentes começam a torná-la suspeita em
determinado momento do filme. Fora isso, mais e mais personagens suspeitos vão
surgindo para transformar O Estanho Bosque dos Sonhos em um
verdadeiro exercício de suspense, ao melhor estilo whodunit?, entre eles:
o padre Don Alberto Avallone (Marc Porel), que catequiza os garotos, joga
futebol com ele e tem uma estranha aura pedófila que o circunda; sua mãe, Dona
Aurélia (Irene Papas) que também possui uma filha deficiente mental, o que
poderia despertar algum tipo de desprezo e ciúmes pelas “crianças normais”; e
Francesco, outro personagem ligado a bruxaria e magia negra que vive naquele
vilarejo inóspito. Mas os dois momentos em que Lucio Fulci se torna Lucio
Fulci, como disse no começo do texto, são na verdade dois momentos ímpares do
filme, dotados de uma beleza macabra poética. O primeiro, é quando Maciara é
presa e depois libertada, após confessar que praticava vodu e isso seria o
motivo da morte das crianças. Inocente por não ser a verdadeira executora, os
pais dos garotos assassinados, com reações tais quais de aldeões medievais,
encurralam-na e decidem cometer justiça com as próprias mãos. Armados de
correntes pesadas, eles começam a espancar a mulher sem piedade, cena regada
de gore grotesco, marca registrada futura do splatter de
Lucio Fulci, que nos brinda com nacos de carne ensanguentados sendo arrancados
de pernas, barrigas e rosto, enquanto Maciara sofre com os flagelos provocados
com toda força. Tudo isso com a tocante música “Quei Giorni Insieme a Te” de
Ornella Vanoni, tocada no rádio. Já o segundo, e agora vem um
ALERTA DE SPOILER, então aconselho a pular para o próximo
parágrafo ou ler por sua conta e risco,
é quando finalmente a
identidade do assassino é revelada, e o mesmo é o padre Alberto (algo que já
começamos a desconfiar muito obviamente em determinado momento do filme), que
em sua demência, matava as crianças a qual tinha tanto ciúmes e uma relação
doentia de possessão, antes que eles caíssem na tentação do pecado da carne,
garantindo assim sua alma pura e sua entrada no reino dos céus. Numa luta final
contra Martelli na beirada de um penhasco, quando Don Alberto estava preste a
assassinar a própria irmã, o carola é derrubado e em sua queda, tem o rosto
completamente desfigurado enquanto vai batendo nos pedregulhos do desfiladeiro,
até se estatelar no chão, isso em meio a flashbacks de cenas dos
garotos e dizeres do padre que o incriminam e a trilha contundente de Ortolani.
O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos é de tirar o chapéu. Lucio Fulci
em um dos seus maiores momentos como diretor. E não por menos, Fulci foi
excomungado após o lançamento do filme, assim como sua obra. O diretor pouco se
importou, pois sua ideia de chocar e explorar os problemas morais da
religiosidade, em um país católico como a Itália, funcionou, e todo esse
niilismo e decadência religiosa acabou se tornando ainda mais contundente e
ácido em produções futuras, mesmo com o protesto da Igreja. Um detalhe é que o
filme foi exibido em pouquíssimos cinemas ao redor do mundo em seu lançamento
na década de 70, e permaneceu inédito nos EUA, sendo lançado apenas em VHS e
DVD em 1999.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/09/21/268-o-estranho-segredo-do-bosque-dos-sonhos-1972/
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