Direção: Nicolas Roeg
Roteiro: Allan Scott, Chris Bryant, Daphne Du
Maurier (história)
Produção: Peter Katz, Frederico Mueller
(Produtor Associado), Anthony B. Unger (Produtor Executivo)
Elenco: Julie Christie, Donald Sutherland,
Hilary Mason, Clelia Matania, Massimo Serato, Renato Scarpa
O exercício de se fazer cinema de suspense
praticado em Inverno de Sangue em Veneza é simplesmente soberbo, por assim dizer.
Existem grandes filmes, atemporais, que se encaixaram perfeitamente em certo
período da história da sétima arte e que funcionam como referência imortal de
estilos para determinado gênero. E esse é o caso desta obra prima dirigida por
Nicolas Roeg. Escrito por Allan Scott e Chris Bryant, baseado no livro de
Daphne Du Maurier, a mesma autora de Os Pássaros de
Alfred Hitchcock, Inverno de Sangue em Veneza é uma obra complexa que
mistura elementos sobrenaturais com uma intrincada trama entrecortada sobre pré
e pós-cognição, narrativa envolvente e cheia de mistérios levantados por ações
e personagens dúbios, dor da perda, medo e perturbação psicológica, capaz de
prender e criar diversos pontos de interrogação na cabeça do espectador, tal
qual somente um grande filme é capaz, até chegar ao seu final inesperado e
completamente arrebatador, em um dos melhores desfechos que o cinema de terror
já testemunhou. Com uma narrativa não linear do diretor britânico, recheado de
elipses de tempo que irão permear a trama, a impactante cena de abertura de
Inverno de Sangue em Veneza é simplesmente sufocante, e lida com a morte
da filha mais nova do casal Laura e John Baxter, vividos pelos excelentes Julie
Christie e Donald Sutherland. A garotinha, Christine, afoga-se no lago nas
proximidades da residência dos dois, enquanto brincava com o irmão, alheios da
atenção dos pais, e a famosa e impactante cena onde o desesperado pai sai com a
criança morta em seus braços do fundo do gelado lago é sufocante, assim como o
grito de dor e indignação da mãe dado pela tragédia. Tentando levar suas vidas
adiante após algum tempo, o casal inglês muda-se para Veneza, pois John foi
contratado para restaurar uma velha igreja local. Enquanto ele afunda-se na
rotina de trabalho e pretende renovar os laços familiares com sua esposa, ela
busca aceitar a tragédia agarrando-se a qualquer sinal de perdão, o que a leva
a conhecer duas misteriosas mulheres em um restaurante, a cega Heather (Hilary
Manson) e sua irmã Wendy (Clelia Matania), sendo que Heather possui um poder
mediúnico e alega ter visto a filha morta deles junto ao casal. Laura desaba e
mesmo a contragosto do marido, que tenta manter-se racional a tudo que
acontece, resolve encontrá-las para uma sessão espírita, sendo que a cega
adverte John de que ele deve deixar Veneza, pois corre risco de vida. No meio
disso, um cruel assassino está à solta entre os canais e as ruas labirínticas e
claustrofóbicas da cidade, e em determinado momento em um passeio noturno pela
cidade alagada, John vislumbra uma pequena figura correndo pelas vielas,
utilizando uma capa vermelha, a mesma usada por sua filha na ocasião de sua
morte. Neste momento do filme, os personagens começam a embarcar nas suas
próprias espirais de dúvida que também afligem aquele que está do outro lado da
tela: primeiro, tentando decifrar se John vislumbrou o fantasma da filha
naquela noite; segundo se as duas irmãs são charlatonas ou realmente estão
falando a verdade para a impressionável Laura; e terceiro, a quantidade de
personagens dúbios que também levantam todo tipo de suspeita, como o próprio
Bispo Barbarrigo (Massimo Serato), que contatou John para restaurar a Igreja,
com sua postura soturna e inquietante, ou o inspetor Longhi (Renato Scarpa),
que parece pouco interessado, suspeito e esnobe quando John resolve pedir a
ajuda da polícia. Após o outro filho do casal sofrer um acidente no internato
que estuda, Laura volta para a Inglaterra e deixa John em Veneza para finalizar
seu trabalho. É então que uma espiral de acontecimentos sombrios se iniciará
quando John fica a beira da morte ao quase cair de um andaime da igreja
(afinal, a médium havia lhe dito que ele corria perigo de vida) e quando mais
tarde ele avista sua esposa, que supostamente havia deixado a cidade, em meio a
multidão. Um quebra- cabeça mental se dá início até que John recebe o fatídico
telefonema da esposa na Inglaterra, dizendo que o filho estava bem e que iria
voltar para a Itália no próximo voo. Culpando as irmãs e levando-as até a serem
detidas para investigação, John se desculpa acompanhando a cega até o hotel
onde estava hospedada, para ser testemunha da mesma entrar em uma espécie de
ataque epilético ao se contactar com alguma entidade espírita. Daí uma série de
eventos entrecortados irão convergir e transformar todas as perguntas em
respostas na fatídica e inesquecível cena final.
ALERTA DE SPOILER.
Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
Eis que após deixar o quarto de hotel de Heather e
Wendy, John mais uma vez se depara com a misteriosa figura de capa vermelha, ao
mesmo tempo em que um comerciante local grita entre os becos que ela está “possuída”
pelo demônio, Heather explode em uma terrível convulsão enquanto é possuída
pelo suposto espírito de Christine, refutando mais uma vez que John deve deixar
a cidade, o bispo de forma inquieta acorda de seu sono pressentindo um mal
terrível e Laura já de volta à Veneza começa a seguir John que partiu em
disparada. Ao encurralar a estranha criaturinha, John estupefato (assim como
nós) descobre que na verdade o personagem é uma grotesca anã (interpretada pela
cantora Adelina Poerio), que tira do bolso da capa vermelha uma lâmina e atinge
a sua jugular. Inverno de Sangue em Veneza termina com o verdadeiro
intuito de nos deixar boquiabertos. E Nicolas Roeg consegue atingir seu feito
de forma avassaladora, com sua incrível habilidade de conduzir as cenas de
forma impressionista e usando certas associações de imagens e cores como
vidros, água e a cor vermelha, ajudado pela impecável edição de Graeme
Clifford, misturando flashbacks e flashforwards a todo
instante com cenas do presente (algo até então inédito no gênero) dando maior
ênfase ao subtexto sobre clarividência do filme, a cinematografia de Anthony
Richmond, que captura com estética barroca os cenários, ora deslumbrantes, ora
sujos e sufocantes de Veneza, funcionando como um verdadeiro personagem do filme,
e a trilha sonora contida e pontual de Pino Donaggio em seu primeiro trabalho
para o cinema (descoberto por um dos produtores durante um passeio de gôndola
enquanto procurava locações para a fita). Mas a cena mais famosa do
longa-metragem, mesmo com todo o impacto de sua abertura e conclusão, sem
dúvida é a cena de sexo entre o casal, poética e magistralmente captada pelas
lentes de Roeg, realizada em um momento de desencontros entre os dois durante a
estada em Veneza, editada de forma magnânima entre a carnal fusão dos dois
corpos, com cenas dos dois já se vestindo após o ato consumado, preparando-se
para sair para jantar, explorando a intimidade do casal no momento específico e
no pós-sexo, auxiliado pela química entre Christie e Sutherland, sendo que na
verdade foi uma cena decidida de última hora por Roeg, ou seja, feita no
improviso, pois o diretor alegava haver muitas cenas apenas com o casal
discutindo e escancarando a crise conjugal instaurada com a perda do ente
querido. Por mais que a trama envolva o espectador, os aspectos técnicos por
trás da filmagem são a cereja do bolo de Inverno de Sangue em Veneza,
principalmente sua edição como já destaquei, que mantém o ritmo quase perfeito
da película. Fora isso, a verdadeira salada de fruta de gêneros nunca
funcionara tão bem quanto nesse exemplar, misturando na dose certa momentos de
terror, drama familiar, mistério, sobrenatural e até pitadas dos thrillers italianos
e todas as especulações e questionamento que vão se levantando, até todas as
possibilidades se esvaírem como sangue pelos canais da chamada Cidade do Amor,
mas que aqui, nos é apresentada como uma opressiva e assustadora cidade do
terror.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2013/10/22/289-inverno-de-sangue-em-veneza-1973/
1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER
568 1973 Inverno de Sangue em Veneza (Don’t Look Now)
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