quarta-feira, 4 de novembro de 2015

#300 1974 EXORCISMO NEGRO (Brasil)


Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubens Francisco Luchetti, José Mojica Marins, Adriano Stuat
Produção: Anibal Massaini Neto
Elenco: José Mojica Marins, Geórgia Gomide, Wanda Kosmo, Rubens Franciso Luchetto, Adriano Stuart, Walter Stuart

Até o cinema de horror brasileiro seguiu a onda do estrondoso sucesso de O Exorcista, lançado em 1973. Pegando carona, José Mojica Marins resolve trazer Zé do Caixão de volta à vida em Exorcismo Negro, alegando, segundo palavras próprias, que “americano não entende nada de diabo, quem entende é brasileiro”.  Acho até que o diabo é brasileiro, e não Deus, mas enfim… A tarefa árdua encarada por Mojica era concorrer com o arrasa-quarteirão de William Friedkin, e estrear no mesmo dia aqui no Brasil. Desta vez, com muito mais recursos financeiros do que em seus longas anteriores, onde tudo era feito a toque de caixa e no improviso, devido a produção de Anibal Massaini Neto, conhecido por produzir pornochanchadas e filmes de Walter Khouri, e com o reconhecimento que o gênero do terror estava recebendo, era o momento ideal para lançar um filme com essa pegada sobrenatural e reviver o famoso personagem caricato com sua cartola, capa e longas unhas. Mas como o atraso da censura (sempre ela) em liberar o filme, não entrou em cartaz junto com O Exorcista, mas Mojica se vestiu de Zé do Caixão e foi nas filas dos cinemas, enquanto o público esperava para ver Linda Blair girando a cabeça em 360º, fazer a propaganda de seu próximo longa e até criticou O Exorcista em entrevistas, o que rendeu uma boa procura e bilheteria, principalmente tendo em vista que alguns de seus longas anteriores foram amplamente censurados, como O Estranho Mundo de Zé do Caixão ou sumariamente proibidos, como O Despertar da BestaMesmo sendo menosprezado e considerado anos luz inferior aos seus trabalhos anteriores, ainda mais se comparados com À Meia-Noite Levarei sua Alma e Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, e recheado de defeitos técnicos e tosquices alarmantes, eu gosto muito de Exorcismo Negro, de sua premissa sobrenatural e de possessão e da quantidade de blasfêmias que ele resolve colocar em cena para chocar. A fita começa com Mojica dando uma coletiva para alguns jornalistas para falar sobre seus próximos projetos e a repercussão de seus filmes na Europa, lembrando sempre que fora do país, Coffin Joe era cultuado e aqui, motivo de escárnio, tornado-se eternamente uma caricatura de si próprio animando eventos e apresentando programas de televisão, nunca sendo encarado como o cineasta autodidata e desbravador que sempre foi. Nesta coletiva, perguntando sobre quem ele acha mais importante, se ele ou Zé do Caixão, Mojica enfatiza que obviamente era ele, e que o Zé do Caixão “não existe”. Com certo bloqueio criativo, Mojica resolve passar um tempo com um casal de amigos e seus filhos em uma suntuosa casa de campo, buscando inspiração para seu próximo trabalho, que seria “O Tirador de Demônios”, um filme sobre exorcismo. Chegando ao local, várias situações bizarras começam a acontecer, ao melhor estilo casa mal assombrada, como Mojica sendo perseguidos por vultos, cortinas esvoaçantes, portas que se abrem e fecham sozinhas, móveis que se movimentam e livros que são arremessados nele. Isso quando ele não se depara com animais peçonhentos na árvore de Natal ou a enlouquecida possessão de Julio (Joffre Soares), pai do personagem de Agenor Alves, que fica com os olhos negros, falando ofensas hereges e com a voz modificada. E não é só o Sr. Julio que sofrerá de possessão diabólica não. A filha mais nova do casal, Luciana (interpretada por Alcione Mazzeo, mãe de Bruno Mazzeo), a mais velha Wilma (Ariana Arantes), que é seduzida e abusada pelas forças das trevas, se contorcendo peladinha na cama, ao melhor estilo O Bebê de Rosemary, e Carlos (Marcelo Picchi) noivo de Wilma, também em determinado do longa está com o “cramunhão “ no corpo e tentará atacar Mojica. Nesse ínterim, somos apresentados a uma trama paralela que irá explicar o motivo do tormento sobrenatural que ataca aquela outrora pacata família. Lúcia na verdade não conseguia ficar grávida e recorreu a uma macumbeira, Malvina (Wanda Kosmo) para que lhe fosse gerado um filho, em troca de qualquer favor que ela quisesse. Lúcia simulou uma gravidez e a filha mais velha, Wilma, é fruto de uma gestação entre a adoradora das trevas e… Zé do Caixão! E o favor era que Wilma se casasse com quem fosse da escolha de Malvina, no caso, Eugênio (Adriano Stuart) que é na verdade o filho de Satã. Como Wilma estava noiva de Carlos, todas as maledicências começaram a recair sobre a família, com Mojica sendo o epicentro do furacão. O desenrolar da trama irá colocar Mojica frente a frente com sua criação, Zé do Caixão, que não deve ter ficado nada feliz com o seu criador tendo dito que ele não existe. Em um ritual macabro, com direto a todos os exageros que estamos acostumados nas elocubrações cinematográficas chocantes de Mojica, Zé celebra um casamento negro, unindo Wilma e Eugênio, em meio a uma sessão sangrenta de tortura, mutilações e canibalismo. Cabe então a Mojica, em uma batalha metalinguística sobre o domínio do criador sobre a criatura, mal que diversos autores sofreram no decorrer da vida, citando o próprio Arthur Conan Doyle enfatizado por Mojica, confrontar a criação do qual ele próprio duvida da existência, em um embate recheado de simbolismos jungianos e o poder da influência de uma criação cinematográfica. Expondo isso Zé até tripudia sobre Mojica perguntando: “Mas qual é o problema? Você não acredita no que você faz?”, em uma clara alusão as suas próprias dúvidas como cineasta e autor. E muito além do personagem coveiro fictício, Mojica aproveita Exorcismo Negro para criar outra personalidade para si próprio, inversamente proporcional à vida particular e seus problemas do “mundo real”. Enquanto o Mojica do filme é intelectual respeitado, cultuado como um dos principais diretores do cinema nacional, fuma cigarrilhas, bebe uísque, passa os feriados em casarões ao lado de família felizes e funcionais, discursa sobre literatura, psicologia e parapsicologia e é enxadrista, na realidade, era ridicularizado pela imprensa e “cineastas esnobes”, era praticamente analfabeto funcional, tinha que dormir no estúdio por não poder pagar aluguel, alcoólatra e violento com suas esposas e era motivo de chacota por seu tom popularesco. Infelizmente, Mojica nunca colheu os louros e o devido reconhecimento de sua genialidade, e principalmente, pela sua coragem de investir em um gênero maldito no cinema nacional (até hoje) e é mais conhecido pelas suas unhas compridas do que pelas suas obras altamente controversas e autorais. Exorcismo Negro pode ficar aquém de outros clássicos, tanto técnica quanto narrativa, desse nosso único representante contínuo do horror nacional, mas é mais um de seus filmes característicos e ousados, que deve ser visto e eternamente resgatado pelas gerações dos fãs brasileiros deste gênero.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/11/06/300-exorcismo-negro-1974/

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