Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubens Francisco
Luchetti, José Mojica Marins, Adriano Stuat
Produção: Anibal Massaini Neto
Elenco: José Mojica Marins,
Geórgia Gomide, Wanda Kosmo, Rubens Franciso Luchetto, Adriano Stuart, Walter
Stuart
Até o cinema de horror brasileiro
seguiu a onda do estrondoso sucesso de O Exorcista, lançado em 1973. Pegando carona,
José Mojica Marins resolve trazer Zé do Caixão de volta à vida em Exorcismo Negro,
alegando, segundo palavras próprias, que “americano não entende nada de diabo,
quem entende é brasileiro”. Acho até que o diabo é brasileiro, e não
Deus, mas enfim… A tarefa árdua encarada por Mojica era concorrer com o
arrasa-quarteirão de William Friedkin, e estrear no mesmo dia aqui no Brasil.
Desta vez, com muito mais recursos financeiros do que em seus longas
anteriores, onde tudo era feito a toque de caixa e no improviso, devido a
produção de Anibal Massaini Neto, conhecido por produzir pornochanchadas e
filmes de Walter Khouri, e com o reconhecimento que o gênero do terror estava
recebendo, era o momento ideal para lançar um filme com essa pegada
sobrenatural e reviver o famoso personagem caricato com sua cartola, capa e
longas unhas. Mas como o atraso da censura (sempre ela) em liberar o filme, não
entrou em cartaz junto com O Exorcista, mas Mojica se vestiu de Zé do
Caixão e foi nas filas dos cinemas, enquanto o público esperava para ver Linda
Blair girando a cabeça em 360º, fazer a propaganda de seu próximo longa e até
criticou O Exorcista em entrevistas, o que rendeu uma boa procura e
bilheteria, principalmente tendo em vista que alguns de seus longas anteriores
foram amplamente censurados, como O Estranho Mundo de Zé do Caixão ou sumariamente proibidos,
como O Despertar da Besta. Mesmo sendo menosprezado e considerado
anos luz inferior aos seus trabalhos anteriores, ainda mais se comparados
com À Meia-Noite Levarei sua Alma e Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, e recheado de defeitos técnicos e
tosquices alarmantes, eu gosto muito de Exorcismo Negro, de sua premissa
sobrenatural e de possessão e da quantidade de blasfêmias que ele resolve
colocar em cena para chocar. A fita começa com Mojica dando uma coletiva para
alguns jornalistas para falar sobre seus próximos projetos e a repercussão de
seus filmes na Europa, lembrando sempre que fora do país, Coffin Joe era cultuado
e aqui, motivo de escárnio, tornado-se eternamente uma caricatura de si próprio
animando eventos e apresentando programas de televisão, nunca sendo encarado
como o cineasta autodidata e desbravador que sempre foi. Nesta coletiva,
perguntando sobre quem ele acha mais importante, se ele ou Zé do Caixão, Mojica
enfatiza que obviamente era ele, e que o Zé do Caixão “não existe”. Com certo
bloqueio criativo, Mojica resolve passar um tempo com um casal de amigos e seus
filhos em uma suntuosa casa de campo, buscando inspiração para seu próximo
trabalho, que seria “O Tirador de Demônios”, um filme sobre exorcismo. Chegando
ao local, várias situações bizarras começam a acontecer, ao melhor estilo casa
mal assombrada, como Mojica sendo perseguidos por vultos, cortinas esvoaçantes,
portas que se abrem e fecham sozinhas, móveis que se movimentam e livros que
são arremessados nele. Isso quando ele não se depara com animais peçonhentos na
árvore de Natal ou a enlouquecida possessão de Julio (Joffre Soares), pai do personagem
de Agenor Alves, que fica com os olhos negros, falando ofensas hereges e com a
voz modificada. E não é só o Sr. Julio que sofrerá de possessão diabólica não.
A filha mais nova do casal, Luciana (interpretada por Alcione Mazzeo, mãe de
Bruno Mazzeo), a mais velha Wilma (Ariana Arantes), que é seduzida e abusada
pelas forças das trevas, se contorcendo peladinha na cama, ao melhor
estilo O Bebê de Rosemary, e Carlos (Marcelo Picchi) noivo de Wilma, também em
determinado do longa está com o “cramunhão “ no corpo e tentará atacar Mojica.
Nesse ínterim, somos apresentados a uma trama paralela que irá explicar o
motivo do tormento sobrenatural que ataca aquela outrora pacata família. Lúcia
na verdade não conseguia ficar grávida e recorreu a uma macumbeira, Malvina
(Wanda Kosmo) para que lhe fosse gerado um filho, em troca de qualquer favor
que ela quisesse. Lúcia simulou uma gravidez e a filha mais velha, Wilma, é
fruto de uma gestação entre a adoradora das trevas e… Zé do Caixão! E o favor
era que Wilma se casasse com quem fosse da escolha de Malvina, no caso, Eugênio
(Adriano Stuart) que é na verdade o filho de Satã. Como Wilma estava noiva de
Carlos, todas as maledicências começaram a recair sobre a família, com Mojica
sendo o epicentro do furacão. O desenrolar da trama irá colocar Mojica frente a
frente com sua criação, Zé do Caixão, que não deve ter ficado nada feliz com o seu
criador tendo dito que ele não existe. Em um ritual macabro, com direto a todos
os exageros que estamos acostumados nas elocubrações cinematográficas chocantes
de Mojica, Zé celebra um casamento negro, unindo Wilma e Eugênio, em meio a uma
sessão sangrenta de tortura, mutilações e canibalismo. Cabe então a Mojica, em
uma batalha metalinguística sobre o domínio do criador sobre a criatura, mal
que diversos autores sofreram no decorrer da vida, citando o próprio Arthur
Conan Doyle enfatizado por Mojica, confrontar a criação do qual ele próprio
duvida da existência, em um embate recheado de simbolismos jungianos e o poder
da influência de uma criação cinematográfica. Expondo isso Zé até tripudia
sobre Mojica perguntando: “Mas qual é o problema? Você não acredita no que você
faz?”, em uma clara alusão as suas próprias dúvidas como cineasta e autor. E
muito além do personagem coveiro fictício, Mojica aproveita Exorcismo
Negro para criar outra personalidade para si próprio, inversamente
proporcional à vida particular e seus problemas do “mundo real”. Enquanto o
Mojica do filme é intelectual respeitado, cultuado como um dos principais
diretores do cinema nacional, fuma cigarrilhas, bebe uísque, passa os feriados
em casarões ao lado de família felizes e funcionais, discursa sobre literatura,
psicologia e parapsicologia e é enxadrista, na realidade, era ridicularizado
pela imprensa e “cineastas esnobes”, era praticamente analfabeto funcional,
tinha que dormir no estúdio por não poder pagar aluguel, alcoólatra e violento
com suas esposas e era motivo de chacota por seu tom popularesco. Infelizmente,
Mojica nunca colheu os louros e o devido reconhecimento de sua genialidade, e
principalmente, pela sua coragem de investir em um gênero maldito no cinema
nacional (até hoje) e é mais conhecido pelas suas unhas compridas do que pelas
suas obras altamente controversas e autorais. Exorcismo Negro pode
ficar aquém de outros clássicos, tanto técnica quanto narrativa, desse nosso
único representante contínuo do horror nacional, mas é mais um de seus filmes
característicos e ousados, que deve ser visto e eternamente resgatado pelas
gerações dos fãs brasileiros deste gênero.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2013/11/06/300-exorcismo-negro-1974/
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