terça-feira, 17 de novembro de 2015

#332 1976 UMA FILHA PARA O DIABO (To the Devil a Daughter, Reino Unido, Alemanha Ocidental)


Direção: Peter Sykes
Roteiro: Chris Wicking, John Peacock (baseado na obra de Dennis Wheatley)
Produção: Roy Skeggs
Elenco: Richard Windmark, Christopher Lee, Honor Blackman, Denholm Elliott, Michael Goodlife, Nastassja Kinski

Uma Filha para o Diabo é o canto do cisne da Hammer, antes de fechar as portas. O prego no caixão daquele que foi o mais importante estúdio de terror durante o final das décadas de 50 e 60, reinventando os monstros da Universal e trazendo sangue, sexualidade e cores para o gênero, e que desde o começo dos anos 70, vinha mostrando perda de força e principalmente de público, em grande parte por se ater a uma narrativa gótica com seus vampiros e criaturas sobrenaturais, que a audiência não queria mais ver nos cinemas. Tanto que Uma Filha para o Diabo é uma tardia tentativa da Hammer de se equiparar ao crescente anseio dos fãs de terror pelo satanismo, muito impulsionado primeiramente por O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, de 1968, e depois pelo sucesso estrondoso de O Exorcista, de William Friedkin, lançado no ano anterior. Reflexo do final da Era de Aquarius e aquele sentimento desgostoso na boca dos americanos com o fim da geração “paz e amor” e o crescimento do pessimismo pós-guerra do Vietnã, que tentou ser aproveitado pelo estúdio assim como outras modinhas de época, que deram miseravelmente errados (como os filmes de kung-fu no inenarrável A Lenda dos Sete Vampiros, ou de espionagem em Ritos Satânicos de Drácula). Porém, como tudo que envolvia A Casa do Horror em seus últimos anos, o filme foi cercado de problemas, insatisfação de atores, escolhas de casting de última hora e até revolta do escritor Dennis Wheatley, que escreveu o livro em que o filme se baseia. Após ver o resultado final, o sujeito simplesmente proibiu que qualquer outro livro dele fosse levado às telas pela Hammer, por considerar o filme obsceno e muito longe de sua fonte literária. E olha que quase dez anos antes, a Hammer lançaria talvez seu melhor filme, As Bodas de Satã, também baseado em um livro do autor. Entre a penca de problemas envoltos na produção, a Hammer e a EMI, co-produtora do filme, tiveram percalços financeiros e atritos para conseguir chegar a um consenso e selecionar tanto o responsável pela direção do longa, que ficou a cargo de Peter Sykes e para o papel de John Verner (Richard Widmark). A contratação de Windmark fez com que outros atores fossem dispensados, pois seu cachê era muito alto para o orçamento que tinham em mãos, e com isso os atores Michael Goodlife e Anthony Valentine foram escalados de última hora. Junte isso também a polêmica envolvendo duas cenas de nudez, uma de Christopher Lee, feita pelo seu habitual dublê de corpo, e outra o nu frontal da ninfeta Nastassja Kinski, que tinha só 17 aninhos na época. Tudo corria para ser um desastre. O filme até que tem uma temática interessante e se sustenta por grande parte dos seus 95 minutos, principalmente por conta da caralhada de heresias e blasfêmias colocadas em cena, algo que a audiência clamava desde que Regan McNeil, sob influência de Pazuzu, mandou o moralismo dos filmes de horror às favas, e a magnânima atuação do sempre ótimo Christopher Lee como Michael Rayner, um padre excomungado que resolve se tornar adorador de Astaroth, e de Natassja Kinski como a freirinha Catherine Beddows, que apesar da bata, foi criada desde pequena para ser uma serva do mal e transpira malícia e sensualidade. O que dá muito errado é exatamente a nêmese do padre Michael, o escritor inglês de livros sobre ocultismo, Verner, que não é um adversário a altura do eterno Drácula, os efeitos especiais bisonhos (como o pequeno bebê demônio, que mais provoca riso que espanto), o roteiro desconexo, as situações atabalhoadas, principalmente do controle mental que o padre Michael tem sobre a jovem Catherine, a direção frouxa de Sykes e o final abrupto e que deixa muito a dever. É um filme ambíguo que tinha tudo para dar certo, e tenho certeza que se fosse lançado na fase áurea da Hammer (vide o próprio As Bodas de Satã) seria um filmaço. A trama é que o padre Michael ao abandonar a Igreja há vinte anos, tornou-se um seguidor do chifrudo e começou uma nova ordem satânica no interioria da Bavária, na Alemanha. Os Beddows fizeram um pacto e ofereceram sua filha recém-nascida, Catherine, para que quando florescesse os seus 18 anos, na noite de Todos os Santos, seria usada como receptáculo para trazer o Coisa-Ruim à terra e dominar o mundo. Porém, arrependido, o pai da moçoila, Henry Beddows (Denholm Elliot) resolve voltar atrás e pede ajuda de Verney para manter a menina em segurança e frustrar os planos do padre Michael, com a ajuda de sua agente literária e seu amante. O embate entre dois entendedores das artes ocultas se dará até seu final, mas em uma dinâmica que não chega nem aos pés de Duc de Richeleau (Lee, bonzinho) contra o terrível satanista Mocata (Charles Gray) em As Bodas de Satã. Você vê que não paro de comparar as duas produções, tamanho o abismo entre elas. Uma curiosidade é que aquele final tosco e do nada não é o final original de Uma Filha para o Diabo. 
ALERTA DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco.
No roteiro original, o padre Rayner se recupera da pedrada que leva (sim, o vilão do filme é detido com uma pedrada!) e persegue Verner que acabara de salvar Catherine e levá-la carregada para fora do local onde está para acontecer a missa negra. Ele então é atingido por um relâmpago quando ele cruza o círculo de sangue protetor que fez no chão. Seria “menos pior”. Vale a pena dar uma conferida em Uma Filha para o Diabo, obviamente. A Hammer não atingiu sua redenção, e teve que encerrar suas atividades, sendo revivida como o próprio Drácula só depois de quarenta anos. Mas apesar da gema em mãos, que foi literalmente jogada fora por um conjunto de fatores internos e externos, poderia ser muito pior. Imagine se o último filme do estúdio tivesse sido o anterior e sofrível A Lenda dos Sete Vampiros? Ainda bem que este aqui foi lançado pelo menos com certo esforço para tentar, pela última vez, fazer dar certo.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/12/20/332-uma-filha-para-o-diabo-1976/

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