sábado, 14 de novembro de 2015

#328 1976 CARRIE A ESTRANHA (Carrie, EUA)


Direção: Brian De Palma
Roteiro: Lawrence D. Cohen (Baseado no livro de Stephen King)
Produção: Paul Monash, Brian De Palma (não creditado), Louis A. Stroller (Produtor Associado)
Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, John Travolta

Carrie – A Estranha é o primeiro sucesso comercial do diretor Brian De Palma, que passou a década toda aperfeiçoando suas técnicas de filmagem inspiradas em Alfred Hitchcock, e também a primeira de inúmeras adaptações às telas de um livro de Stephen King. E me atrevo a dizer que mais de trinta anos passados, ainda assim é a minha adaptação preferida de todas as suas obras para o cinema, mesmo com suas diferenças em relação ao texto do escritor. Isso se deve muito a três forças motrizes que elevam esse filme aos altos degraus do Olimpo do cinema de horror: A primeira, claro é a direção de De Palma, que trabalha muito bem os nuances do terror, o crescente suspense, o descontrole emocional dos personagens, a descoberta da sexualidade, e o cotidiano com cenas poéticas e de uma beleza ímpar, além da sua peculiar maneira de filmar com a câmera acompanhando os personagens e sua tara por planos sequência.
Alerta de SPOILER (se ainda não assistiu ao filme, vá para o armário e reze, e pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco).
 A antológica sequência do baile de formatura traz diversos elementos e técnicas de narrativa que vão deixando o espectador tenso até que o balde cheio de sangue de porco caia sobre a pobre garota esquisita. Tudo começa com Carrie vencendo o concurso de rainha do baile, num esquema preparado pelas rivais de escola como a mais perfeita tradução da palavra bullying. É um momento mágico e sublime em câmera lenta. Em seguida, uma tensão avassaladora vai tomando conta do espectador enquanto uma de suas amigas descobre o terrível plano e tenta alertar a professora. E depois, a sequência final parece um trem desgovernado, com Carrie dando vazão a todo seu poder descomunal, enquanto De Palma utiliza de separações da tela em dois planos diferentes para mostrar tanto a garota quanto os pobres coitados presos naquele salão de baile, além de brincar com o jogo de cores, entre o vermelho e o azul. Fora isso, De Palma pinça toda a sexualidade latente sugerida por King em seu livro e decide extrapolar esse limite, logo no começo do longa na fatídica cena do chuveiro, quase tão emblemática quanto o baile de formatura em si, que funciona como o estopim de todo esse turbilhão de sentimentos que vão desde vergonha à prazer que se inicia exatamente no banho de Carrie. Pintado quase como um quadro de ninfas gregas, enquanto as garotas colegiais desfilam com seus seios à mostra e pelos pubianos em meio ao vapor saído dos chuveiros quentes, Carrie solitária, inocente pero no mucho, acaricia delicadamente seu corpo nu molhado, suas coxas, seu sexo, incrementando uma mensagem erótica subliminar, até que apavorada tem sua primeira menstruação, e desesperada por não ter nenhum tipo de instrução sexual, tenta pedir ajuda às colegas de colégio, que começam a jogar absorventes nela e a tratar ofensivamente. Pronto, o palco está montado para o final explosivo. A segunda é o texto de King. Antes de Carrie – A Estranha, ele era apenas um professor de inglês medíocre que morava com sua esposa em um trailer em Portland, no Maine, aspirando um dia tornar-se um escritor famoso. Largamente influenciado em sua vida por Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft e pelos quadrinhos de terror da EC Comics, King havia escrito um romance sobre uma garota que vive em uma cidadezinha ordinária nos Estados Unidos, é feita de gato e sapato na escola, com necessidade de ser aceita como todas as garotas adolescentes e a dificuldade dessa inserção social, pena nas mãos de uma mãe cristã fundamentalista radical, tudo isso além do fato dela possuir poderes telecinéticos. Ele havia detestado o resultado do livro e jogou o manuscrito na lixeira, resgatado por sua esposa, que achou incrível e o encorajou a terminar o romance. O resto é história. Por fim, a terceira é a atuação de Sissy Spacek como Carrie e Piper Laurie como sua mãe afetada, ambas indicadas ao Oscar como melhor atriz e melhor atriz coadjuvante respectivamente. Spacek está fantástica no papel título, melhor atuação de toda a sua carreira sem dúvida. Seus olhares, a forma como seu rosto e seu corpo se contorcem e reagem na cena do baile de formatura, são um espetáculo a parte. E daqui até o final, ela vai passar praticamente todo filme completamente ensanguentada. Laurie como a Sra. White e todo seu alucinado fervor religioso, onde tudo é pecado e penitência, também dá um show de atuação, principalmente na sequência final (Alerta de SPOILER de novo) quando revela como Carrie nasceu, ao ceder às tentações e ter feito sexo (e gostado!) com o pai bêbado da garota, e ao ser esfaqueada na posição da cruz, nitidamente sente uma espécie de prazer reprimido em toda aquela dor. Fora que ela fica igualzinha uma figura bizarra de Jesus Cristo alojado no armário onde Carrie roga por seus pecados. É tipo um Jesus de cabelão crespo, sem barba, mais parecendo um cantor de rock de arena dos anos 60, com várias flechadas no peito e os olhos esbugalhados e brilhantes. Vai entender… Carrie – A Estranha é cercado de subtextos para quem quiser enxergá-los além do horror. Fala sobre o preconceito às diferenças, sobre o desejo de vingança que nasce, cresce e corrói dentro de todos aqueles excluídos socialmente (principalmente em um ambiente opressor como o colégio), fala sobre os absurdos do fundamentalismo religioso que é capaz de gerar monstros em nome da fé e principalmente,  fala do poder feminino, da repressão, da misoginia, do estigma da sexualidade da mulher ter de ser escondida e combatida por movimentos religiosos e retrógradas convenções sociais, e que o poder sobrenatural (que pode ser substituído por prazer, personalidade, desejos, liberdade, vontades, o que que quer você escolha) tem de ser escondido dentro de um armário escuro, e que vindo à tona, vem recoberto de fúria, de sangue e fogo. E todos aqueles que contribuíram para que essa situação chegasse ao limite, família, colegas de escola, sociedade (afinal no livro Carrie simplesmente destrói a CIDADE INTEIRA, não apenas o baile como no filme com seu orçamento apertado) devem e serão punidos. O remake de Carrie – A Estranha chegou aos cinemas em 2013. Isso depois de uma sequência tosca e um filme água com açúcar chato, mambembe e interminável feito diretamente para a TV. Infelizmente o clássico de Brian De Palma e Stephen King e transformou em um terrorzinho desnecessário para essa geração de adolescentes que estão acostumados com A Saga Crepúsculo, Jogos Vorazes e afins.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/12/14/328-carrie-a-estranha-1976/

1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER
607 1976 CARRIE, AESTRANHA (Carrie)

Nenhum comentário:

Postar um comentário