Direção: Francesco Barilli
Roteiro: Francesco Barilli,
Massimo D’Avak
Produção: Giovanni Bertolucci,
Aldo U. Passalacqua (não creditado)
Elenco: Mimsy Farmer, Maurizio
Bonuglia, Aldo Valletti, Mario Scarccia, Jho Jhenkins, Nike Arrighi, Lara
Wendel
Em uma primeira impressão, por conta
do nome O Perfume da
Dama de Negro, você pode até se pegar pensando que se trata de um
autêntico giallo italiano. Ledo engano, meu amigo fã do horror. Apesar de
ser uma obra de terror tipicamente italiana dos anos 70, desde sua preocupação
com a direção de arte e afinco na construção das cenas, esta pequena obra prima
na verdade é um filme completamente surreal e bizarro, repleto de experiências
sensoriais e sinestesias. Impossível encaixotar O Perfume da Dama de
Negro em um único estilo. É cinema tétrico, de pesadelo, onírico,
subjetivo ao melhor estilo Roman Polanski, confundido o espectador que fica
preso em um mundo real, tangível, com outro imaginário, opressivo, repleto de
vai e vem narrativo, onde nada realmente parece ser o que seus olhos veem. Um
dos poucos filmes da carreira de Franscisco Barilli (na verdade ele só tem dois
em seu currículo), sabidamente o diretor bebe na fonte de mestres como Mario
Bava e Alfred Hitchcock e apresenta uma versão colorida e explosiva de um filme
sobre traumas psicológicos infantis que se escancaram em um mundo adulto, onde
uma pessoa de bem, neste caso Silvia Hacherman, interpretada divinamente por
Mimsy Farmer, workaholic, obstinada a ganhar o prêmio Nobel, que tem um
namorado, Roberto (Maurizio Bonuglia), bom convívio social com seus
(excêntricos) vizinhos de prédio e amigos (que também são estranhos, como todos
os personagens do filme), é jogada na espiral de loucura quando certos eventos
que envolvem sua mãe e seu vestido negro (e o perfume, claro) começam a sair
dos confins de sua mente reprimida e assombrá-la. Não há muito que dizer sobre
o filme, por conta da experiência particular de cada um em assisti-lo. É uma
questão de ficar completamente imerso dentro dele. E até mesmo porque o filme é
uma esquisitice do começo ao fim, e o espectador é uma mera marionete nas mãos
de Barilli, que não faz a menor questão de aliviar a nossa barra, e segue seu
fiapo de história para ligar o roteiro, que é uma imagem de Silvia, ainda
garota, flagrando sua mãe transando com um estranho, sujeitinho agressivo e
escroque que provavelmente abusaria da filha também, e como o descarrilhar de
emoções é capaz de deixar a sanidade de Silvia em frangalhos e sugar todos a
sua volta como um buraco negro, numa complexidade fílmica que irá explodir em
assassinato, vingança, loucura, estupro e até canibalismo. Elementos jogados
meticulosamente em uma betoneira surreal e visceral, travestida de poesia em
filme de autor e nada mais, feito nos melhores moldes europeus, sem se
preocupar necas com qualquer sucesso comercial. Mas como estamos falando de
Itália dos anos 70, e com a avalanche de gialli enchendo as telas de
cinema, O Perfume da Dama de Negro até parece um filme deslocado,
jogado para escanteio enquanto mortes ultraviolentas de belas mulheres nuas,
praticadas por sádicos vestindo capote e luvas de couro, dominavam o imaginário
popular quando se referia a filmes vindos da Terra da Bota. Por isso ao ver o
título, é muito fácil julgá-lo como apenas mais um giallo. Mas como quem
vê cara, não vê coração… Em meio a isso, há o ritmo preciso que Barilli
imprime, com todas os seus nuances e viagens imagéticas, confundindo o
espectador com seus acontecimentos paradoxais e personagens tétricos (sendo
entre eles o mais emblemático a jovem Silvia que visita sua versão mais velha
frequentemente) e todas as alusões ao pesadelo surreal que a envolve (e ela não
percebe, ou é alheia a essa troca de mundos, entre passado/presente e
realidade/loucura), brincando de entrar na toca do coelho de sua mente obscura
e reprimida (um dos detalhes importantíssimos do filme é que Silvia lê
constantemente “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carrol). Outro golaço é
claro, é a direção de arte de Franco Velchi, impecável, desde um vaso que
Silvia ganha de presente, até os estonteantes papéis de parede e mobiliário de
seu apartamento (ambiente porto seguro que se transforma em um local
claustrofóbico, ao melhor estilo Roman Polanski, principalmente com as
recorrentes aparições da jovem Silvia) e a fotografia abusada e colorida de
Mario Masini. A junção destes dois elementos, sob a regência de Barilli,
funciona em uma sinergia impressionante, principalmente para meter o incauto
espectador neste labirinto irreal que é a psique de uma personagem que aos
poucos vai ficando sem eira nem beira e traz esses elementos insanos para o
mundo palatável, que irá explodir em descontrole emocional e assassinato. Horror
puramente psicológico e envolvente, que pega emprestados elementos do
sobrenatural e até dos próprios gialli, com um final acachapante, onde o
consumo de vísceras e sangue completa uma sinfonia macabra de delírio. O
Perfume da Dama de Negro é uma gema do pesadelo. O cinema italiano
setentista em seu momento mais sublime, mesmo que muito menos badalado do que
obras de seus patrícios. É para ser visto e revisto, com olhos grudados na
tela, admirando toda a beleza presente naquele mise-én-scene e ficar
enfeitiçado com o seu surrealismo macabro.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2013/11/21/310-o-perfume-da-dama-de-negro-1974/
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