sábado, 7 de novembro de 2015

#310 1974 O PERFUME DA DAMA DE NEGRO (Il profumo della signora in nero / The Perfume of the Lady in Black, Itália)


Direção: Francesco Barilli
Roteiro: Francesco Barilli, Massimo D’Avak
Produção: Giovanni Bertolucci, Aldo U. Passalacqua (não creditado)
Elenco: Mimsy Farmer, Maurizio Bonuglia, Aldo Valletti, Mario Scarccia, Jho Jhenkins, Nike Arrighi, Lara Wendel

Em uma primeira impressão, por conta do nome O Perfume da Dama de Negro, você pode até se pegar pensando que se trata de um autêntico giallo italiano. Ledo engano, meu amigo fã do horror. Apesar de ser uma obra de terror tipicamente italiana dos anos 70, desde sua preocupação com a direção de arte e afinco na construção das cenas, esta pequena obra prima na verdade é um filme completamente surreal e bizarro, repleto de experiências sensoriais e sinestesias. Impossível encaixotar O Perfume da Dama de Negro em um único estilo. É cinema tétrico, de pesadelo, onírico, subjetivo ao melhor estilo Roman Polanski, confundido o espectador que fica preso em um mundo real, tangível, com outro imaginário, opressivo, repleto de vai e vem narrativo, onde nada realmente parece ser o que seus olhos veem. Um dos poucos filmes da carreira de Franscisco Barilli (na verdade ele só tem dois em seu currículo), sabidamente o diretor bebe na fonte de mestres como Mario Bava e Alfred Hitchcock e apresenta uma versão colorida e explosiva de um filme sobre traumas psicológicos infantis que se escancaram em um mundo adulto, onde uma pessoa de bem, neste caso Silvia Hacherman, interpretada divinamente por Mimsy Farmer, workaholic, obstinada a ganhar o prêmio Nobel, que tem um namorado, Roberto (Maurizio Bonuglia), bom convívio social com seus (excêntricos) vizinhos de prédio e amigos (que também são estranhos, como todos os personagens do filme), é jogada na espiral de loucura quando certos eventos que envolvem sua mãe e seu vestido negro (e o perfume, claro) começam a sair dos confins de sua mente reprimida e assombrá-la. Não há muito que dizer sobre o filme, por conta da experiência particular de cada um em assisti-lo. É uma questão de ficar completamente imerso dentro dele. E até mesmo porque o filme é uma esquisitice do começo ao fim, e o espectador é uma mera marionete nas mãos de Barilli, que não faz a menor questão de aliviar a nossa barra, e segue seu fiapo de história para ligar o roteiro, que é uma imagem de Silvia, ainda garota, flagrando sua mãe transando com um estranho, sujeitinho agressivo e escroque que provavelmente abusaria da filha também, e como o descarrilhar de emoções é capaz de deixar a sanidade de Silvia em frangalhos e sugar todos a sua volta como um buraco negro, numa complexidade fílmica que irá explodir em assassinato, vingança, loucura, estupro e até canibalismo. Elementos jogados meticulosamente em uma betoneira surreal e visceral, travestida de poesia em filme de autor e nada mais, feito nos melhores moldes europeus, sem se preocupar necas com qualquer sucesso comercial. Mas como estamos falando de Itália dos anos 70, e com a avalanche de gialli enchendo as telas de cinema, O Perfume da Dama de Negro até parece um filme deslocado, jogado para escanteio enquanto mortes ultraviolentas de belas mulheres nuas, praticadas por sádicos vestindo capote e luvas de couro, dominavam o imaginário popular quando se referia a filmes vindos da Terra da Bota. Por isso ao ver o título, é muito fácil julgá-lo como apenas mais um giallo. Mas como quem vê cara, não vê coração… Em meio a isso, há o ritmo preciso que Barilli imprime, com todas os seus nuances e viagens imagéticas, confundindo o espectador com seus acontecimentos paradoxais e personagens tétricos (sendo entre eles o mais emblemático a jovem Silvia que visita sua versão mais velha frequentemente) e todas as alusões ao pesadelo surreal que a envolve (e ela não percebe, ou é alheia a essa troca de mundos, entre passado/presente e realidade/loucura), brincando de entrar na toca do coelho de sua mente obscura e reprimida (um dos detalhes importantíssimos do filme é que Silvia lê constantemente “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carrol). Outro golaço é claro, é a direção de arte de Franco Velchi, impecável, desde um vaso que Silvia ganha de presente, até os estonteantes papéis de parede e mobiliário de seu apartamento (ambiente porto seguro que se transforma em um local claustrofóbico, ao melhor estilo Roman Polanski, principalmente com as recorrentes aparições da jovem Silvia) e a fotografia abusada e colorida de Mario Masini. A junção destes dois elementos, sob a regência de Barilli, funciona em uma sinergia impressionante, principalmente para meter o incauto espectador neste labirinto irreal que é a psique de uma personagem que aos poucos vai ficando sem eira nem beira e traz esses elementos insanos para o mundo palatável, que irá explodir em descontrole emocional e assassinato. Horror puramente psicológico e envolvente, que pega emprestados elementos do sobrenatural e até dos próprios gialli, com um final acachapante, onde o consumo de vísceras e sangue completa uma sinfonia macabra de delírio. O Perfume da Dama de Negro é uma gema do pesadelo. O cinema italiano setentista em seu momento mais sublime, mesmo que muito menos badalado do que obras de seus patrícios. É para ser visto e revisto, com olhos grudados na tela, admirando toda a beleza presente naquele mise-én-scene e ficar enfeitiçado com o seu surrealismo macabro.
FONTE: http://101horrormovies.com/2013/11/21/310-o-perfume-da-dama-de-negro-1974/

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