Direção: Mario Bava
Roteiro: Mario Bava, Alfredo
Leone
Produção: Alfredo Leon
Elenco: Telly Savalas, Elke
Sommer, Sylvia Koscina, Alessio Orano, Gabriele Tinti
Mario Bava é um gênio do car...,
e Lisa e o Diabo é
a quintessência de sua genialidade, sua obra prima autoral, atemporal, amoral,
incompreendida e exemplo vivo de toda sua imensa capacidade como diretor que
nos salta aos olhos. Devo confessar que Lisa e o Diabo não é um filme
fácil de se entender. É um pesadelo tétrico subjetivo, onde nada é o que
realmente parece, aberto as mais diversas impressões, e onde Bava destila com
mais clareza todo seu apreço pela morte (daí seu apelido de Maestro do Macabro)
e principalmente, o texto subentendido sobre a decadência humana e de suas
instituições e o jogo de controle, expediente que vire e mexe aparece
escancarado em suas obras, como em Seis Mulheres para o Assassino, Drácula, o Vampiro do Sexo e A Mansão da Morte.
Pois bem, eis que depois do sucesso comercial de seu filme anterior, Os Horrores do Castelo de Nuremberg, o produtor Alfredo Leone feliz da
vida deu carta branca para que Bava dirigisse o que quisesse, sem nenhuma
interferência no conduzir do seu processo criativo. Se isso para qualquer
cineasta é um paraíso, para Bava, é o inferno, mas não o inferno no sentido
metafórico de um desespero, ou pesadelo. Inferno no sentido metafórico de que
finalmente ele faria um filme extremamente autoral calcado na maldade. E ponto.
Por isso, Bava deixou fluir toda sua capacidade imensa e envolve a Lisa do
título (Elke Sommer) em uma trama macabra e insólita às voltas com o Diabo, na
forma do mordomo e titeteiro Leandro, habilmente interpretado por um impecável
Telly Savalas, o eterno Kojack. Tudo no filme é um jogo de cena. Apenas sabemos
que Lisa é uma turista em um país estrangeiro, que se depara com uma pintura em
uma praça pública, da figura do diabo carregando uma pessoa. Diabo com a cara
de Savalas. Na reviravolta da história não linear e sem lógica aparente, Lisa
se perde de sua amiga e do grupo de turistas, e pega carona com um casal
aristocrático Sophia (Sylva Koscina) e Francis (Eduardo Fajardo) e seu chofer,
George (Gabriel Tinti) que tem um caso com a patroa. Tarde da noite, o carro
quebra bem em frente a mansão da Condessa (Alida Valli), que vive com seu
filho, Max (Alessio Orano) e onde Leandro, que já havia se encontrado com Lisa
antes e dado a ela informações erradas sobre o caminho, trabalha como mordomo.
Ao menos é o que parece. Então o surreal começa a tomar forma, com uma
narrativa não linear onde passado e presente se misturam, com Lisa sendo
obrigada a reviver um passado obscuro e uma vida anterior, onde ela é Elena,
esposa de Max e que tinha um caso proibido como Carlo, marido da Condessa. No
meio dessa confusão mental, Leandro, com seu pirulito na boca (Savalas tinha
largado o cigarro e usava o doce para tentar atenuar a necessidade, e mais
tarde seria uma característica marcante do próprio Kojack), completamente
sacana e travesso, vai puxando suas cordas e manipulando todos ali presentes
sem que ao menos eles se deem a mínima conta disso, nas suas divagações
desconcertantes e na dualidade da justaposição entre os personagens em carne e
osso e seus bonecos de tamanho real. Como se não bastasse, a salada que Bava
tempera ainda dá pano para manga para uma série de assassinatos perversos que
ocorrem dentro e nas imediações daquele decadente casarão gótico, como nos
melhoresgialli, e o destempero social e emocional da Condessa e principalmente
de seu filho necrófilo, que perdidamente apaixonado por Lisa, por ver nela sua
amada Elena, a dopa com clorofórmio e deita-a na cama enquanto pratica uma, hã,
sofisticada cena de estupro não consumada (delicadamente filmada por Bava,
acompanhada pela triste música de Carlo Savina) ao lado do esqueleto de Elena. Muitos
porquês surgem no decorrer da fita, e aqui vou tentar elucidá-los da melhor
forma possível, pelo menos ao meu entender, e também colhendo informações
publicadas no livro “The Haunted World of Mario Bava” de Troy Howarth. Então, senta que lá
vem SPOILER (quase parafraseando o Ra-Tim-Bum) e pule esse parágrafo
e o próximo, ou leia por sua conta e risco.
O que se subentende é que Lisa e Elena
são as mesmas pessoas realmente, e que na verdade, desde o começo da fita a
nossa protagonista está morta, sendo apenas mais uma marionete nas mãos do
Diabo, sendo obrigada a reviver intensamente e de forma cíclica, aquele
pesadelo gótico. Lisa é apenas uma alegoria, uma sombra que funciona como o fio
condutor da obsessão de Bava em jogar na nossa cara, reles mortais, seu apreço
pelas aparências e superfícies. Apesar de o espectador ver através dos seus
olhos, Lisa, ou Elena, é apenas mais um peão no tabuleiro de Leandro. E o final
do filme, na última e deslumbrante cena, quando amanhece e Lisa consegue fugir
daquele seu “purgatório individual” e toma um avião para se livrar de uma vez
por todas de todo o desenrolar sobrenatural e hediondo que viveu naquela noite
bizarra, eis que em um avião completamente vazio, ela se depara com Leandro
como piloto, conduzindo a aeronave com seu sorriso mais cínico, ao mesmo tempo
em que Lisa transforma-se em Elena, virando apenas uma carcaça de um cadáver,
enquanto todos aqueles outros personagens, os quais talvez ela tenha feito mal
de alguma forma quando em vida, estão ali como zumbis espectadores de seu
infortúnio, forçando-a reviver essa memória desagradável, por todo o sempre,
enquanto o Diabo chupa seu pirulito docinho e se delicia. Filmaço certo?
Acontece que após ser exibido no Festival de Cannes daquele ano, o
momento de glória de realização completa de um diretor, ainda mais se tratando
de Bava, que sempre teve de lutar contra produtores, estúdio, falta de verba e
tudo mais, se esvai quando os distribuidores assustados por aquele filme
complexo e dificílimo de ser vendido, principalmente aos americanos,
consideraram Lisa e o Diabo impossível de ser lançado comercialmente.
Assim e pronto. O que então Bava teve de fazer a contragosto? Editá-lo
novamente, forçado por Leone, em um filme completamente diferente, com cenas
adicionais de possessão e exorcismo, para surfar na onda do sucesso de O Exorcista de William Friedkin,
transformando-o em outra película, chamado de La casa dell’exorcismo,
ou House of Exorcism, seu título internacional. Bava e Leone quebraram o
pau, com o diretor recusando-se a gravar qualquer cena blasfema, e o próprio
produtor incumbiu-se de dirigir essas cenas, tomando-lhe a direção, terminando
as cenas adicionais e supervisionando a re-edição final. Olhe, não assisti
a La casa dell’exorcismo, mas segundo consta também em “The Haunted World
of Mario Bava” é um filme grosseiro, que foi execrado pela crítica, risível e
odiável. A obra-prima de Bava tornou-se um dos piores plágios de O
Exorcista de todos os tempos. Apenas na década de 80, após a morte de
Bava, que o original foi finalmente exibido, e ironicamente seu debute foi na
TV americana, e só assim ele ganhou o reconhecimento necessário. Mas
infelizmente Bava não conseguiu ver os elogios para sua verdadeira
obra. Lisa e o Diabo é arte em forma de cinema de terror. Precisa ser
conhecido por todos, cinéfilos, fãs do horror, ou neófitos entrando nesse
universo. Bava merece ser reverenciado. E tenho dito.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2013/11/14/306-lisa-e-o-diabo-1974/
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