quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

#368 1978 DELÍRIOS DE UM ANORMAL (Brasil)


Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubens Francisco Luchetti, José Mojica Marins
Produção: José Mojica Marins
Elenco: José Mojica Marins, Jorge Peres, Magna Miller, Jaime Cortez

Delírios de Um Anormal é um delírio psicodélico, lisérgico e terrível de José Mojica Marins. O auge que seu cinema transgressor conseguiu alcançar, atingindo o status de um verdadeiro pesadelo seguido de cenas e mais cenas de alucinações, medo e tortura, recauchatadas de quatro de seus filmes anteriores. Mojica foi um dos cineastas brasileiros que mais sofreram durante os anos de chumbo, com a ditadura militar passando a navalha em seus filmes, censurando-os impiedosamente e até proibindo sumariamente de serem exibidos no cinema, como aconteceu com O Despertar da Besta (Ritual de Sádicos). O que veio a seguir foi a decadência de Mojica. Deixou seu maior personagem, Zé do Caixão, jogado para escanteio, começou a dirigir pornochanchadas, se envolveu em problemas familiares, caiu no alcoolismo e teve até que decretar falência. Mas eis que no final dos anos 70, com a censura começando a abrandar e o Brasil engatinhando para o processo de redemocratização política no final da década seguinte, foi o momento perfeito para Mojica fazer seu maior ultraje e desafiar de vez o sistema. Tendo guardado todos os frames cortados de O Despertar da BestaEsta Noite Encarnarei no Teu CadáverExorcismo Negro e O Estranho Mundo de Zé do Caixão, o gênio do cinema de horror nacional resolve fazer Delírios de Um Anormal a sua colcha de retalhos cinematográfica. A partir do resto de seus restos, como o próprio cineasta declarou, Delírios de Um Anormal traz apenas 35 minutos de cenas novas, escritas pelo habitual roteirista colaborador de seus filmes, Rubens Francisco Luchetti, com um único fiapo de história que irá tentar dar uma narrativa convencional para o cinema experimental de Mojica colando, recortando e juntando todas as mais devassas cenas que ficaram de fora dos seus longas anteriores, em um trabalho, que por mais que acabe se tornando repetitivo, massante e por vezes desconexo, é divinamente executado pelo editor Nilcemay Leyart, acompanhado dos já surtadíssimos efeitos sonoros característicos dos filmes de Mojica, crédito de Orlando Macedo. A trama, se é que podemos chamar desta forma, gira em torno do Dr. Hamilton (Jorge Peres) outrora proeminente psiquiatra que começa a sofrer terríveis alucinações com a figura soturna de Zé do Caixão, que em seus pesadelos e devaneios vem atrás de sua esposa, Tânia (Magna Miller), querendo tomá-la como sua mulher para lhe dar seu tão procurando filho superior. O doutor surta de vez e somos testemunhas oculares de sua pesada viagem tétrica ao submundo perverso e infernal do personagem. Ou seja, tudo isso é pretexto para Mojica chutar o balde e emendar cenas de tortura, evisceração, demência, canibalismo, nudez, e muito, mas muito sangue falso em profusão, em uma explosão psicodélica de imagens fortes, cores berrantes e gritos de sofrimento e pavor, comprovando a eficácia do Efeito Mosjoukine, ou Efeito K, experimento realizado em 1921, onde a adição de um plano, ou mesmo a colagem de vários planos, pode alterar o significado de outro, levantando a questão se o significado está no espectador ou na forma como as imagens são montadas. O único que pode ajudar o pobre Dr. Hamilton é o próprio cineasta, mais uma vez brincando com a metalinguagem que separa de forma tênue o criador e a criatura. Mojica, procurado por uma respeitosa junta psiquiátrica, pode curar Hamilton, fazendo-o crer durante uma sessão de hipnose que Zé do Caixão não existe e é apenas um produto da imaginação de um diretor de cinema. O grande ato falho então é que seus respeitados colegas de trabalho nada podem fazer, mas de repente, Mojica torna-se um autodidata em psiquiatria e conversa com seus pares numa boa, e todos agradecem e o elogiam. Mas esse escapismo da vida real é uma das grandes metáforas do cinema de Mojica, que pretende ajudar na descontrução de um esteriótipo que ele próprio criou. Em seus filmes, sempre se mostrou como um cineasta bem sucedido, rico, detentor de posses, fino gosto e erudição, quando sabemos que na vida real era exatamente o contrário. Estava atolado em dívidas, falido, alcoólatra, era semianalfabeto, tinha que muitas vezes dormir no próprio set de filmagens e era execrado por crítica e motivo de xacota de público, ao contrário do milionário que possui uma casa com piscina, dá festas para seus adorados funcionários e tem até uma governanta em sua residência. Mas isso não importa. O que importa é que Delírios de um Anormal é oito ou oitenta: é amado ou odiado. Simplesmente não há um meio termo para essa obra ousada e inovadora que funciona como um grito de desabafo preso na garganta de Mojica por mais de dez anos. E o mais irônico é ter passado integralmente pela censura, mesmo sendo o seu mais imoral e violento trabalho. E mais ainda, volta às origens de seu principal mote no cinema desde que sonhou com aquele coveiro vestido de preto vindo lhe puxar o pé à noite: o inferno que é a mente humana e os medos e terrores que vivem escondidos em nossas almas. Delírios de Um Anormal é uma obra impactante, significativamente única, exemplo maior da genialidade de um injustiçado Dom Quixote do cinema de terror brasileiro. Um filme intenso, perturbador, extremista, com uma concepção visual poderosíssima que apesar de seus defeitos gritantes e de sua repetição contínua, escancara nossa psique e nos mete um medo danado de que o inferno realmente exista e que alguma noite, Josefel Zanatas venha nos assombrar.
FONTE: http://101horrormovies.com/2014/02/11/368-delirios-de-um-anormal-1978/

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