Direção: José
Mojica Marins
Roteiro: Rubens
Francisco Luchetti, José Mojica Marins
Produção: José
Mojica Marins
Elenco: José
Mojica Marins, Jorge Peres, Magna Miller, Jaime Cortez
Delírios de Um Anormal é um delírio
psicodélico, lisérgico e terrível de José Mojica Marins. O auge que seu cinema
transgressor conseguiu alcançar, atingindo o status de um
verdadeiro pesadelo seguido de cenas e mais cenas de alucinações, medo e
tortura, recauchatadas de quatro de seus filmes anteriores. Mojica foi um dos
cineastas brasileiros que mais sofreram durante os anos de chumbo, com a
ditadura militar passando a navalha em seus filmes, censurando-os
impiedosamente e até proibindo sumariamente de serem exibidos no cinema, como
aconteceu com O Despertar da Besta (Ritual de
Sádicos).
O que veio a seguir foi a decadência de Mojica. Deixou seu maior personagem, Zé
do Caixão, jogado para escanteio, começou a dirigir pornochanchadas, se
envolveu em problemas familiares, caiu no alcoolismo e teve até que decretar
falência. Mas eis que no final dos anos 70, com a censura começando a abrandar
e o Brasil engatinhando para o processo de redemocratização política no final
da década seguinte, foi o momento perfeito para Mojica fazer seu maior ultraje
e desafiar de vez o sistema. Tendo guardado todos os frames cortados de O
Despertar da Besta, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, Exorcismo Negro e O Estranho Mundo de Zé do Caixão, o gênio do cinema
de horror nacional resolve fazer Delírios de Um Anormal a sua
colcha de retalhos cinematográfica. A partir do resto de seus restos, como o
próprio cineasta declarou, Delírios de Um Anormal traz apenas 35
minutos de cenas novas, escritas pelo habitual roteirista colaborador de seus
filmes, Rubens Francisco Luchetti, com um único fiapo de história que irá
tentar dar uma narrativa convencional para o cinema experimental de Mojica
colando, recortando e juntando todas as mais devassas cenas que ficaram de fora
dos seus longas anteriores, em um trabalho, que por mais que acabe se tornando
repetitivo, massante e por vezes desconexo, é divinamente executado pelo editor
Nilcemay Leyart, acompanhado dos já surtadíssimos efeitos sonoros
característicos dos filmes de Mojica, crédito de Orlando Macedo. A trama, se é
que podemos chamar desta forma, gira em torno do Dr. Hamilton (Jorge Peres)
outrora proeminente psiquiatra que começa a sofrer terríveis alucinações com a
figura soturna de Zé do Caixão, que em seus pesadelos e devaneios vem atrás de
sua esposa, Tânia (Magna Miller), querendo tomá-la como sua mulher para lhe dar
seu tão procurando filho superior. O doutor surta de vez e somos testemunhas
oculares de sua pesada viagem tétrica ao submundo perverso e infernal do
personagem. Ou seja, tudo isso é pretexto para Mojica chutar o balde e emendar
cenas de tortura, evisceração, demência, canibalismo, nudez, e muito, mas muito
sangue falso em profusão, em uma explosão psicodélica de imagens fortes, cores
berrantes e gritos de sofrimento e pavor, comprovando a eficácia do Efeito
Mosjoukine, ou Efeito K, experimento realizado em 1921, onde a adição de um
plano, ou mesmo a colagem de vários planos, pode alterar o significado de
outro, levantando a questão se o significado está no espectador ou na forma
como as imagens são montadas. O único que pode ajudar o pobre Dr. Hamilton é o
próprio cineasta, mais uma vez brincando com a metalinguagem que separa de
forma tênue o criador e a criatura. Mojica, procurado por uma respeitosa junta
psiquiátrica, pode curar Hamilton, fazendo-o crer durante uma sessão de hipnose
que Zé do Caixão não existe e é apenas um produto da imaginação de um diretor
de cinema. O grande ato falho então é que seus respeitados colegas de trabalho
nada podem fazer, mas de repente, Mojica torna-se um autodidata em psiquiatria
e conversa com seus pares numa boa, e todos agradecem e o elogiam. Mas esse
escapismo da vida real é uma das grandes metáforas do cinema de Mojica, que
pretende ajudar na descontrução de um esteriótipo que ele próprio criou. Em
seus filmes, sempre se mostrou como um cineasta bem sucedido, rico, detentor de
posses, fino gosto e erudição, quando sabemos que na vida real era exatamente o
contrário. Estava atolado em dívidas, falido, alcoólatra, era semianalfabeto,
tinha que muitas vezes dormir no próprio set de filmagens e era execrado por
crítica e motivo de xacota de público, ao contrário do milionário que possui
uma casa com piscina, dá festas para seus adorados funcionários e tem até uma governanta
em sua residência. Mas isso não importa. O que importa é que Delírios
de um Anormal é oito ou oitenta: é amado ou odiado. Simplesmente não
há um meio termo para essa obra ousada e inovadora que funciona como um grito
de desabafo preso na garganta de Mojica por mais de dez anos. E o mais irônico
é ter passado integralmente pela censura, mesmo sendo o seu mais imoral e
violento trabalho. E mais ainda, volta às origens de seu principal mote no
cinema desde que sonhou com aquele coveiro vestido de preto vindo lhe puxar o
pé à noite: o inferno que é a mente humana e os medos e terrores que vivem
escondidos em nossas almas. Delírios de Um Anormal é uma obra
impactante, significativamente única, exemplo maior da genialidade de um
injustiçado Dom Quixote do cinema de terror brasileiro. Um filme intenso,
perturbador, extremista, com uma concepção visual poderosíssima que apesar de
seus defeitos gritantes e de sua repetição contínua, escancara nossa psique e
nos mete um medo danado de que o inferno realmente exista e que alguma noite,
Josefel Zanatas venha nos assombrar.
FONTE:
http://101horrormovies.com/2014/02/11/368-delirios-de-um-anormal-1978/
Nenhum comentário:
Postar um comentário