Direção: Michael
Mann
Roteiro: Michael
Mann (baseado no livro de Thomas Harris)
Produção: Richard
Roth, Bernard Williams (Produtor Executivo), Dino de Laurentiis (Produtor
Executivo – Não creditado)
Elenco: William Petersen, Kim Greist, Joan Allen,
Brian Cox, Dennis Farina, Tom Noona, Stephen Lang
Muita gente não sabe, mas Anthony Hopkins não foi o
primeiro Hannibal Lecter do cinema e O Silêncio dos Inocentes não
foi o primeiro filme a trazer o famoso canibal, criação de Thomas Harris, para
as telas. Em 1986, um ainda novato Michael Mann dirigia Caçador de Assassinos, produção do todo poderoso Dino de Laurentiis, baseado no livro “Dragão
Vermelho” de Harris. Em tempos em que a história de “Dragão Vermelho”, com toda
sua liberdade poética, é revisitada no excelente, soturno e sangrento seriadoHannibal,
voltar os olhos para Caçador de Assassinos é uma tarefa que se
torna extremamente satisfatória até como uma forma de traçar um paralelo entre
as duas abordagens (claro que temos que pensar que são duas mídias diferentes:
cinema e televisão) e também até com a sua refilmagem mais recente, tendo aí um
papel de mais destaque para o antropófago (já vivido por Hopkins) e com Edward
Norton fazendo o papel do personagem aqui de William Petersen (hoje mais
conhecido por ter estrelado a série CSI: Investigação Criminal). A
pontual diferença entre as obras é a figura de Mann na cadeira de diretor (até
porque Brett Ratner do VERGONHOSO terceiro filme dos X-Men não merece sequer
nota). Caçador de Assassinos é um thriller oitentista na sua
mais perfeita definição e com um vislumbre da estética que o diretor atingiria
principalmente em seus filmes mais recentes da fase Colateral (ÚNICO
filme em que Tom Cruise tem uma boa atuação),Miami Vice (ótima
adaptação “moderna” da série deixando de lado a cafonalha – e as ombreiras e o
paletó branco – do show que o próprio Mann foi produtor executivo) e Inimigos
Públicos (onde Christian Bale e Johnny Depp dão show). Mann impõe uma
expectativa minimalista sufocante, com um amplo sentido de urgência se abatendo
na investigação antes que o assassino conhecido como “Fada dos Dentes” faça sua
nova vítima. A ação é contida, a investigação é toda baseada em detalhes e o
ritmo vai literalmente te consumindo até o final, quando aí sim, auxiliado
muito pela escolha pontual da trilha sonora, vemos aquele Michael Mann que hoje
conhecemos tão bem pisando no acelerador e transformando a experiência impaciente
em um rápido ritmo exagerado ao melhor molde anos 80. Na trama, também escrita
por Mann, somos agraciados com a atuação na medida de Petersen como o austero,
amargurado e intenso Will Graham, ex-agente do FBI, perito na construção de
perfis, que alcançou o estrelato ao prender Garry Jacob Hobs nos anos 70, o
assassino conhecido como o “Picanço de Minessotta”. Brevemente citado no filme
(e muito bem explorado na série), a experiência o traumatizara e Graham fora
submetido a tratamento psiquiátrico até voltar a ativa e se envolver na caçada
ao “Estripador de Chesapeake”, que descobre ser na verdade Hannibal (que aqui
tem o sobrenome de Lecktor), que o estrebucha e o deixa à beira da morte (nada
disso é de fato mostrado em Caçador de Assassinos). Lecktor é preso
e Graham afasta-se do trabalho para viver com a esposa Molly (Kim Greist) e
filho em uma praia paradisíaca, preocupado apenas com a sobrevivência de
tartarugas marinhas recém-nascidas. Até seu ex-chefe, Jack Crawford (Dennis
Farina) pedir sua ajuda na captura de um assassino que tem matado famílias
inteiras e substituído seus olhos por pedaços de vidro, seguindo o ciclo da
lua, o tal Fada dos Dentes. O que vemos então é Petersen levando Caçador
de Assassinosnas costas, até a rápida, porém importantíssima, aparição de
Lecktor, vivido pelo escocês Brian Cox e seu sotaque carregado. Graham vai
pedir sua ajuda, mas acaba mesmo é caindo em mais um de seus joguinhos mentais
e tendo sua própria família ameaçada em uma troca de correspondência por código
com a Fada. É dificílimo não imaginarmos Hopkins como Lecter no cinema, e mais
difícil ainda desassociá-lo. Cox continua se impondo, desta vez menos
fisicamente e mais com palavras, astuto em sua manipulação e escolha de frases.
O canibalismo não é sequer mencionado. É um personagem secundário de luxo, pois
o filme é de Graham. Mas não deixa de ser uma figura tenebrosa. E em seus
momentos de solilóquio, de total atenção aos detalhes da trama, pensando como
assassino e repetindo seus passos, o ex-agente, contando com a competência de
Mann que preferiu sobrepor o conteúdo à forma (exceto em sua sequência final),
coloca o espectador como seu parceiro, correndo contra o tempo e instigando
esse sentimento de pressa controlada, examinando todos os menores detalhes e
seguindo uma envolvente e coesa linha de investigação. E o que se segue é o
maniqueísmo, o preceito religioso e a dicotomia que reina o ser humano, no
embate entre o herói Graham e o vilão, Francis Dollarhyde, identidade da Fada
dos Dentes. Que por sinal é o elo fraco da corrente de Caçador de
Assassinos. Toon Noonan, apesar de fisicamente estar surpreendente e
assustar, com sua cicatriz na boca, a dentadura postiça que usa para morder as
vítimas, e principalmente, suas desequilibradas motivações e admiração pelos
quadros de William Blake, é muitas das vezes apático e como se estivesse no
automático. Suas frustrações, medos e pesadelos obscuros que vivem em sua
mente, e até a ligação afetiva e distante ao mesmo tempo com a cega Reba McLane
(Joan Allen) acaba por não convencer, apesar dos traumas de infância e das
bagagens pessoais do assassino que influenciam suas motivações. Além de sentir
falta da tatuagem em Dollarhyde, que Mann considerou “exagerada” após o término
de horas de maquiagem em Noolan. Outro ponto fraco é o final extremamente feliz
e positivo. Não que seja proibido um final feliz, mas foi completamente
ignorado em relação ao livro (e que contém na refilmagem) a ligação que Graham
cria com Dollarhyde durante essa caçada e a verdadeira ameaça que ele acaba
oferecendo à sua família para cumprir sua psicose. E isso acaba por
desvalorizar uma das poucas ações arquitetadas pela brilhante mente de Lecktor/
Lecter contra sua nêmese. Caçador de Assassinos é um baita filme.
Sabemos de todo o potencial inexplorado do psiquiatra que gosta de comer
fígados com fava e um bom Chianti, mas mais uma vez, o foco do filme é
completamente outro e se mostra uma experiência satisfatória em acompanhar a
mão de Michael Mann nos guiando pela tênue linha entre a loucura e obstinação,
entre o bem e o mal, entre o certo e o errado e entre o brilhantismo e a
psicose, num ótimo suspense.
FONTE:
https://101horrormovies.com/2014/08/21/504-cacador-de-assassinos-1986/
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