Direção: John McNaughton
Roteiro: Richard Fire, John McNaughton
Produção: Lisa Dedmond, Steven A. Jones, John
McNaughton; Malik B. Ali, Walleed B. Ali (Produtores Executivos)
Elenco: Michael Rooker, Tracy Arnold, Tom Towles,
Ray Atherton
Lá nos idos dos anos 80 vivíamos no cinema uma
espécie de banalização da violência (não que hoje seja muito diferente).
Falando especificamente do cinema de terror, as salas de exibição eram tomadas
por uma enxurrada de slasher movies com assassinos mascarados
matando adolescentes de várias maneiras diferentes. Mas ainda assim, tudo era
muito ficcional, exagerado e caricato e uma espécie de mantenedor dostatus quo da moral e dos bons
costumes, uma vez que os assassinados geralmente eram viciados ou promíscuos. Foi
exatamente neste cenário que Henry – Retrato de Um Assassino, o seminal filme de John
McNaughton, livremente baseado na história do famoso assassino americano Henry
Lee Lucas, se apresentou como um reflexo doentio, sujo e opressor da violência
e maldade humana, muito próximos da nossa fatídica e perversa realidade sem
esperança e sem valores. Ao contrário da violência estilizada do cinema de
terror, e porque não, até do cinema de ação em geral, Retrato de um Assassino aproxima
o chocado espectador médio da perversidade e falta de moral da mente humana em
um tom quase documental, apático, lúgubre, onde as ações de um assassino são
cometidas sem nenhum remorso, sem nenhuma preocupação, apenas como uma força
motriz e natural de maldade, criado por uma vida repleta de experiências
traumáticas desde a infância. E falando em tom documental, na verdade esse
filme surgiu curiosamente como espólio de um fracassado documentário sobre
lutadores de luta-livre de Chicago nos anos 50. Acontece que os produtores
executivos, os irmãos Malik e Waleed B. Ali deram ao diretor John McNaughton
seu primeiro trabalho como diretor ao dirigir um documentário sobre o crime
organizado de Chicago chamado Dealers
in Death. Após relativo sucesso eles engatilharam esse projeto seguinte
que acabou não dando certo quando foram negociar algumas fitas para utilizarem
no documentário e o seu proprietário dobrou o preço e melou o negócio na última
hora. Para não deixar McNaughton na mão, lhe deram 100 mil dólares e disseram:
tome, faça um filme de terror. O diretor ganhou carta branca e poderia fazer um
longa sobre o que quisesse, sem nenhuma oposição dos produtores. McNaughton não
tinha a mínima ideia sobre qual filme fazer, até ver um episódio do programa
policial “20/20” sobre Henry Lee Lucas, e decidiu que ele seria o tema, uma vez
também que com a mixórdia de orçamento não poderia usar nenhum demônio, monstro
ou alienígena. E nada mais aterrorizante que os monstros da vida real. Lucas
foi condenado pela morte de 11 pessoas, mas alegou ter matado mais de 600,
cerca de uma morte por semana entre 1975 e 1983, alguns sozinhos, outros em
conjunto com Ottis Toole. Assim como a maioria dos psicopatas, a construção de
sua mente assassina começou com abusos infantis proporcionados por sua mãe, que
era uma prostituta e obrigava o garoto a assisti-la tendo relações sexuais com
seus clientes, além de espancá-lo e obriga-lo a vestir roupa de menina. O
sujeito esfaqueou a própria progenitora, foi preso, condenado por homicídio em
segundo grau e cumpriu 10 anos da pena, conhecendo Ottis no xilindró. Henry – Retrato de Um Assassino se
passe neste período em que o psicopata e Otis dividem um apartamento em
Chicago. Henry é interpretado de forma magnânima por Michael Rooker (mais
conhecido hoje como o Merle de The
Walking Dead ou o Yondu Udonta de Guardiões da Galáxia para os mais nerds). Foi o
primeiro trabalho de Rooker, que apareceu para audição vestindo uma roupa de
zelador e sua imponência física, lógico, chamou a atenção de McNaughton.
Percebe-se o quão Rooker estava imerso no personagem dando-lhe uma realidade
assustadora, tanto que se manteve sempre no papel durante o set, não
socializava com ninguém da produção e falava de sua infância como Henry, e não
como o ator. Até sua esposa só foi lhe contar que estava grávida quando as
filmagens terminaram. Mas o personagem de Rooker por mais horripilante que seja
foi atenuado com relação ao verdadeiro Lucas, que também era pedófilo,
estuprador, necrófilo e cometia bestialismo. Otis não fica atrás, vivido por
Tom Towles, que tinha um background de ator cômico e imprime uma faceta
realmente perturbadora de um homem mesquinho, vil, sexualmente depravado, que
também mantém atividades criminosas e descobre-se um matador conforme convívio
com Henry. Um terceiro elemento surge em cena que é a irmã de Otis, Becky
(Tracy Arnold), que largou sua filha com a mãe e foi tentar ganhar dinheiro em
Chicago, tendo um relacionamento amoroso com Henry, pois também sofreu de
abusos sexuais do pai quando criança e se comove com a história de dor do
psicopata, mesmo sabendo que não é flor que se cheire. Na vida real, Becky era
apelido de Frieda Powell, sobrinha de Ottis e tinha somente 11 anos (e ainda
assim se tornou esposa de Lucas). Após tirarem a vida de duas prostituas sem
remorso, Henry e Otis começam sua matança em conjunto, culminando na famosa e
pesadíssima cena de uma família sendo assassinada pelos dois. Otis violenta a
mãe da família enquanto Henry chuta seu marido encapuzado no chão e filma o ato
de violência com uma câmera. Quando seu filho adolescente adentra o local,
Henry larga a câmera e parte para cima do garoto o matando, e em sequência Otis
quebra o pescoço da moça, beijando e acariciando seus seios depois. Uma cena de
necrofilia era a ideia inicial de McNaughton, que foi abandonada depois.
Ficamos cientes deste assassinato assistindo a mesma fita dos dois sendo
exibida na TV da sala deles, completamente alheios ao ato de crueldade que
acabaram de cometer. Otis ainda quer assistir novamente em câmera lenta para se
deliciar com a morbidez e brutalidade da situação. Vale salientar também como
eles conseguiram essa televisão e câmera. Após Otis destruir sua TV velha com
um chute eles tentam encontrar outra no mercado negro e se deparam com um
vendedor folgado que começa a tirar um sarro com a cara dos dois e irritá-los,
sem a menor noção do perigo que corre. A mais célebre cena de Henry – Retrato de Um Assassino se
dá quando o psicopata começa a furar o balofo com uma solda e depois enfia a
televisão em sua cabeça. É de uma violência perturbadora ímpar. Assim como o
começo onde somos apresentados a algumas das vítimas do assassino já mortas,
acompanhada de uma trilha sonora que lembra uma marcha fúnebre e os efeitos
sonoros que dão ao espectador a ideia da crueldade dos assassinatos. Entre eles
o mais visual e perturbador, uma prostituta que é encontrada seminua no
banheiro com uma garrafa enterrada em sua boca. Completado em 1986, o filme não
foi lançado comercialmente até 1989. Os irmãos Ali ficaram desapontados com o
resultado do filme e resolveram coloca-la na prateleira, sem ter certeza se
valeria apena lança-lo nos cinemas ou mesmo direto para o VHS. A situação
piorou quando o MPAA sumariamente o classificou como X, classificação dada
somente a filmes pornôs, e nenhuma edição resolveria o caso, pois se tratava de
uma afronta à moral. Seria um suicídio comercial ser lançado, até que os
produtores foram convencidos por Chuck Parello a ser exibido no Chicago Film
Festival, onde após uma excelente crítica de Rick Rogan do Chicago Tribune, foi
aceito no Telluride Festival e posteriormente no Splatterfest Festival no ano
seguinte. Neste ponto os irmãos Ali perceberam que tinham um filme em potencial
em sua mão, fez um lançamento limitadíssimo que gerou apenas 600 mil dólares de
bilheteria, mas depois tornou-se um sucesso cultuado no VHS e em reexibições.
Também foi importante para iniciar a discussão do MPAA para a criação da
classificação NC-17, filmes proibidos para menores de 17 anos sem se enquadrar
em pornografia. No Reino Unido, o BFFC mutilou o filme em 62 segundos para ser
lançado nos cinemas em 1991 e mais outros 61 segundos para lançamento em vídeo,
totalizando 116 segundos ao total, sendo lançado em sua versão sem cortes
apenas em 2003. Com uma fotografia soturna, cenários decadentes e muitas cenas
filmadas sem corte e editadas entre elas com um fade out, o clima sombrio impera em Henry – Retrato de Um Assassino, ainda mais pela excelente sacada
de McNaughton em não colocar nenhum policial ou força da lei que investigasse
os crimes e pudessem representar um fim aos atos de loucura da dupla, colocando
certo ar de que vivemos em um mundo sem lei, de impunidade, crueldade extrema,
principalmente pelo seu final em aberto, sem amor, sem nenhuma lição de moral e
maniqueísmo aparente. Ao seu término, fica aquela sensação de desconforto. Quando
exibido no festival de Telluride, ao final de exibição o diretor foi abordado
por um sujeito atônito com o que tinha visto, apontado o dedo em riste seu
rosto e dito: “você não pode fazer isso” explicando o porquê do filme não
poderia acabar daquele jeito. McNaughton respondeu: “eu já fiz”, e felizmente
ele fez e nos entregou um dos mais impactantes filmes de terror já feito, que
pelo menos de certa forma serve para refletir sobre a maldade humana e a
banalização da violência.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/08/30/511-henry-retrato-de-um-assassino-1986/
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