terça-feira, 15 de março de 2016

#511 1986 HENRY RETRATO DE UM SERIAL KILLER (Henry: Portrait of a Serial Killer, EUA)


Direção: John McNaughton
Roteiro: Richard Fire, John McNaughton
Produção: Lisa Dedmond, Steven A. Jones, John McNaughton; Malik B. Ali, Walleed B. Ali (Produtores Executivos)
Elenco: Michael Rooker, Tracy Arnold, Tom Towles, Ray Atherton

Lá nos idos dos anos 80 vivíamos no cinema uma espécie de banalização da violência (não que hoje seja muito diferente). Falando especificamente do cinema de terror, as salas de exibição eram tomadas por uma enxurrada de slasher movies com assassinos mascarados matando adolescentes de várias maneiras diferentes. Mas ainda assim, tudo era muito ficcional, exagerado e caricato e uma espécie de mantenedor dostatus quo da moral e dos bons costumes, uma vez que os assassinados geralmente eram viciados ou promíscuos. Foi exatamente neste cenário que Henry – Retrato de Um Assassino, o seminal filme de John McNaughton, livremente baseado na história do famoso assassino americano Henry Lee Lucas, se apresentou como um reflexo doentio, sujo e opressor da violência e maldade humana, muito próximos da nossa fatídica e perversa realidade sem esperança e sem valores. Ao contrário da violência estilizada do cinema de terror, e porque não, até do cinema de ação em geral, Retrato de um Assassino aproxima o chocado espectador médio da perversidade e falta de moral da mente humana em um tom quase documental, apático, lúgubre, onde as ações de um assassino são cometidas sem nenhum remorso, sem nenhuma preocupação, apenas como uma força motriz e natural de maldade, criado por uma vida repleta de experiências traumáticas desde a infância. E falando em tom documental, na verdade esse filme surgiu curiosamente como espólio de um fracassado documentário sobre lutadores de luta-livre de Chicago nos anos 50. Acontece que os produtores executivos, os irmãos Malik e Waleed B. Ali deram ao diretor John McNaughton seu primeiro trabalho como diretor ao dirigir um documentário sobre o crime organizado de Chicago chamado Dealers in Death. Após relativo sucesso eles engatilharam esse projeto seguinte que acabou não dando certo quando foram negociar algumas fitas para utilizarem no documentário e o seu proprietário dobrou o preço e melou o negócio na última hora. Para não deixar McNaughton na mão, lhe deram 100 mil dólares e disseram: tome, faça um filme de terror. O diretor ganhou carta branca e poderia fazer um longa sobre o que quisesse, sem nenhuma oposição dos produtores. McNaughton não tinha a mínima ideia sobre qual filme fazer, até ver um episódio do programa policial “20/20” sobre Henry Lee Lucas, e decidiu que ele seria o tema, uma vez também que com a mixórdia de orçamento não poderia usar nenhum demônio, monstro ou alienígena. E nada mais aterrorizante que os monstros da vida real. Lucas foi condenado pela morte de 11 pessoas, mas alegou ter matado mais de 600, cerca de uma morte por semana entre 1975 e 1983, alguns sozinhos, outros em conjunto com Ottis Toole. Assim como a maioria dos psicopatas, a construção de sua mente assassina começou com abusos infantis proporcionados por sua mãe, que era uma prostituta e obrigava o garoto a assisti-la tendo relações sexuais com seus clientes, além de espancá-lo e obriga-lo a vestir roupa de menina. O sujeito esfaqueou a própria progenitora, foi preso, condenado por homicídio em segundo grau e cumpriu 10 anos da pena, conhecendo Ottis no xilindró. Henry – Retrato de Um Assassino se passe neste período em que o psicopata e Otis dividem um apartamento em Chicago. Henry é interpretado de forma magnânima por Michael Rooker (mais conhecido hoje como o Merle de The Walking Dead ou o Yondu Udonta de Guardiões da Galáxia para os mais nerds).  Foi o primeiro trabalho de Rooker, que apareceu para audição vestindo uma roupa de zelador e sua imponência física, lógico, chamou a atenção de McNaughton. Percebe-se o quão Rooker estava imerso no personagem dando-lhe uma realidade assustadora, tanto que se manteve sempre no papel durante o set, não socializava com ninguém da produção e falava de sua infância como Henry, e não como o ator. Até sua esposa só foi lhe contar que estava grávida quando as filmagens terminaram. Mas o personagem de Rooker por mais horripilante que seja foi atenuado com relação ao verdadeiro Lucas, que também era pedófilo, estuprador, necrófilo e cometia bestialismo. Otis não fica atrás, vivido por Tom Towles, que tinha um background de ator cômico e imprime uma faceta realmente perturbadora de um homem mesquinho, vil, sexualmente depravado, que também mantém atividades criminosas e descobre-se um matador conforme convívio com Henry. Um terceiro elemento surge em cena que é a irmã de Otis, Becky (Tracy Arnold), que largou sua filha com a mãe e foi tentar ganhar dinheiro em Chicago, tendo um relacionamento amoroso com Henry, pois também sofreu de abusos sexuais do pai quando criança e se comove com a história de dor do psicopata, mesmo sabendo que não é flor que se cheire. Na vida real, Becky era apelido de Frieda Powell, sobrinha de Ottis e tinha somente 11 anos (e ainda assim se tornou esposa de Lucas). Após tirarem a vida de duas prostituas sem remorso, Henry e Otis começam sua matança em conjunto, culminando na famosa e pesadíssima cena de uma família sendo assassinada pelos dois. Otis violenta a mãe da família enquanto Henry chuta seu marido encapuzado no chão e filma o ato de violência com uma câmera. Quando seu filho adolescente adentra o local, Henry larga a câmera e parte para cima do garoto o matando, e em sequência Otis quebra o pescoço da moça, beijando e acariciando seus seios depois. Uma cena de necrofilia era a ideia inicial de McNaughton, que foi abandonada depois. Ficamos cientes deste assassinato assistindo a mesma fita dos dois sendo exibida na TV da sala deles, completamente alheios ao ato de crueldade que acabaram de cometer. Otis ainda quer assistir novamente em câmera lenta para se deliciar com a morbidez e brutalidade da situação. Vale salientar também como eles conseguiram essa televisão e câmera. Após Otis destruir sua TV velha com um chute eles tentam encontrar outra no mercado negro e se deparam com um vendedor folgado que começa a tirar um sarro com a cara dos dois e irritá-los, sem a menor noção do perigo que corre. A mais célebre cena de Henry – Retrato de Um Assassino se dá quando o psicopata começa a furar o balofo com uma solda e depois enfia a televisão em sua cabeça. É de uma violência perturbadora ímpar. Assim como o começo onde somos apresentados a algumas das vítimas do assassino já mortas, acompanhada de uma trilha sonora que lembra uma marcha fúnebre e os efeitos sonoros que dão ao espectador a ideia da crueldade dos assassinatos. Entre eles o mais visual e perturbador, uma prostituta que é encontrada seminua no banheiro com uma garrafa enterrada em sua boca. Completado em 1986, o filme não foi lançado comercialmente até 1989. Os irmãos Ali ficaram desapontados com o resultado do filme e resolveram coloca-la na prateleira, sem ter certeza se valeria apena lança-lo nos cinemas ou mesmo direto para o VHS. A situação piorou quando o MPAA sumariamente o classificou como X, classificação dada somente a filmes pornôs, e nenhuma edição resolveria o caso, pois se tratava de uma afronta à moral. Seria um suicídio comercial ser lançado, até que os produtores foram convencidos por Chuck Parello a ser exibido no Chicago Film Festival, onde após uma excelente crítica de Rick Rogan do Chicago Tribune, foi aceito no Telluride Festival e posteriormente no Splatterfest Festival no ano seguinte. Neste ponto os irmãos Ali perceberam que tinham um filme em potencial em sua mão, fez um lançamento limitadíssimo que gerou apenas 600 mil dólares de bilheteria, mas depois tornou-se um sucesso cultuado no VHS e em reexibições. Também foi importante para iniciar a discussão do MPAA para a criação da classificação NC-17, filmes proibidos para menores de 17 anos sem se enquadrar em pornografia. No Reino Unido, o BFFC mutilou o filme em 62 segundos para ser lançado nos cinemas em 1991 e mais outros 61 segundos para lançamento em vídeo, totalizando 116 segundos ao total, sendo lançado em sua versão sem cortes apenas em 2003. Com uma fotografia soturna, cenários decadentes e muitas cenas filmadas sem corte e editadas entre elas com um fade out, o clima sombrio impera em Henry – Retrato de Um Assassino, ainda mais pela excelente sacada de McNaughton em não colocar nenhum policial ou força da lei que investigasse os crimes e pudessem representar um fim aos atos de loucura da dupla, colocando certo ar de que vivemos em um mundo sem lei, de impunidade, crueldade extrema, principalmente pelo seu final em aberto, sem amor, sem nenhuma lição de moral e maniqueísmo aparente. Ao seu término, fica aquela sensação de desconforto. Quando exibido no festival de Telluride, ao final de exibição o diretor foi abordado por um sujeito atônito com o que tinha visto, apontado o dedo em riste seu rosto e dito: “você não pode fazer isso” explicando o porquê do filme não poderia acabar daquele jeito. McNaughton respondeu: “eu já fiz”, e felizmente ele fez e nos entregou um dos mais impactantes filmes de terror já feito, que pelo menos de certa forma serve para refletir sobre a maldade humana e a banalização da violência.
FONTE: https://101horrormovies.com/2014/08/30/511-henry-retrato-de-um-assassino-1986/


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